Com uma decisão bastante inesperada, segundo
o estilo impetuoso do Patriarca de Moscovo, Cirilo (Gundyayev), o Sínodo moscovita
substituiu o chefe do Departamento para as Relações Eclesiásticas Externas, o metropolita
Hilarion (Alfeyev), pelo metropolita Antonij (Sevrjuk), até agora titular da cátedra
russa de Paris e da Europa Ocidental. Trata-se de uma verdadeira revolução no
topo do Patriarcado, ainda difícil de decifrar.
Hilarion, de 55 anos, era o primeiro colaborador de Cirilo, com 75 anos, e um
dos seus possíveis sucessores naturais. Crescido no grupo dos fidelíssimos do
actual patriarca, patrólogo e teólogo, representa a ala culturalmente mais
refinada da elite eclesiástica da Igreja russa, que também exaltou com as suas
obras como compositor musical e com as publicações de História da Igreja russa.
Também instituiu a Alta Escola de Especialização para Aspirantes e Doutores “Cirilo
e Metódio”, para a formação superior dos teólogos russos, onde foi agora substituído
por um teólogo muito conservador, o padre Maxim Kozlov.
Monge desde 1987, Hilarion começou o seu serviço eclesiástico em Vilnius, na Lituânia,
para, posteriormente, continuar os estudos em Moscovo e Oxford, para onde foi
enviado em 1993, tornando-se discípulo de um dos mais famosos teólogos
ortodoxos das últimas décadas, o Metropolita de Dioclea Kallistos (Ware). Regressado
a Moscovo, trabalhou no departamento “dos Negócios Estrangeiros” na equipa de Cirilo,
então metropolita e chefe do sector, tornando-se o seu principal ajudante
também no campo do ensino da teologia e da divulgação popular da Ortodoxia
também nas emissões televisivas, uma ferramenta muito eficaz do “renascimento
religioso”. Enquanto Cirilo tinha a transmissão A Voz do Pastor no
primeiro canal, Hilarion animava, na TV Tsentr, a rubrica Paz à vossa casa,
ambas muito populares entre o grande público.
Arquimandrita e bispo desde 2001, Hilarion foi enviado de volta a Inglaterra
como vigário do lendário bispo anglo-russo Antonij (Bloom), que tinha criado
uma especial síntese de Ortodoxia russa e cultura britânica. Hilarion cumpriu a
tarefa que lhe foi confiada por Cirilo, levando a Igreja russa daquelas partes à
“normalidade” russa, mostrando a linha que o Patriarcado tem seguido até agora em
todas as partes do mundo: unificar o “mundo russo” com base na fidelidade ao
ideal religioso do Patriarcado, sem dar espaço às autonomias locais.
Posteriormente, Hilarion permaneceu em várias fases na mira dos favores e das
hostilidades patriarcais, passando por várias sés como Bruxelas, Viena e
Budapeste, onde foi agora novamente exilado por Cirilo. Regressado a Moscovo,
em 2009 tornou-se vigário de Cirilo, que tinha acabado de subir ao trono
patriarcal, e o seu sucessor no Departamento dos Negócios Estrangeiros, daí a
sua reputação de “herdeiro de Cirilo”. Agora a sua remoção indica certamente um
desacordo de pontos de vista com o patriarca, embora seja impossível determinar
com precisão sobre que questões.
Na fase dramática do conflito ucraniano, o Patriarca Cirilo, após uma hesitação
inicial, tomou posições cada vez mais radicais e ideológicas na justificação da
operação militar putinista, em parte por convicção e muito, presumivelmente,
sob pressão do Kremlin. Hilarion não apoiou directamente estas posições,
tentando manter todas as vias de diálogo abertas com as outras igrejas, a
começar pelo Vaticano, e a decisão de o enviar para a Hungria coincide de modo
bastante demonstrativo com o seu regresso de uma visita a Budapeste na qual,
agradecendo a Orbán o apoio ao patriarca contra as sanções, Hilarion tinha
encontrado o influente Cardeal de Budapeste, Péter Erdő, uma visita talvez não
totalmente acordada com Cirilo.
As actas do Sínodo citam o encontro de Budapeste sem comentar o diálogo com o
cardeal, limitando-se aos agradecimentos a Orbán. Agora, Hilarion vai ser
substituído por um outro fidelíssimo de Cirilo, o seu antigo secretário pessoal,
Antonij, de 37 anos, que já tinha sido enviado para Paris há três anos para
substituir um outro colaborador de Cirilo, o metropolita Ioann (Roščin), que se
tinha mostrado “demasiado fraco” nas relações com Constantinopla e os parceiros
europeus.
As divisões na Ortodoxia continuam a surpreender a todos os níveis, desde o
universal na ruptura de Moscovo com Constantinopla, até ao entre russos e
ucranianos ainda em desenvolvimento, até ao interno do Patriarcado de Moscovo,
onde serão possíveis novas surpresas no futuro.
Vladimir Rozanskij
Através de AsiaNews
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