O papel da igreja “ortodoxa”
Ocupada pelos nazis em 1941, a Ucrânia foi recuperada pelos russos em 1944. A 1
de Novembro morria o Metropolita Sheptytsky e Mons. Slipyj assumia o cargo de
Arcebispo Metropolita de Lviv. Os comunistas abriram então uma nova fase na
guerra contra a Igreja Católica, utilizando como gazua o “Patriarcado” de
Moscovo[1].
No início de 1945, o patriarca Aleksej, sucessor de Sérgio, enviou uma carta a Mons.
Slipyj, amplamente noticiada na imprensa comunista, na qual convidava os
católicos ucranianos a deixar a verdadeira Igreja para unir-se à ortodoxa russa.
Naturalmente, o apelo foi rejeitado[2].
A 8 de Abril de 1945, um certo Volodymyr Rosoycyc publicou um violento artigo
contra os católicos ucranianos no jornal comunista Vilna Ukraina de
Lviv. A 11 de Abril, Mons. Slipyj e outros quatro bispos foram presos sem
nenhuma explicação. Um a um, todos os bispos católicos acabaram nas prisões
soviéticas. Os comunistas tentaram fazê-los apostatar. A Mons. Slipyj foi
mesmo oferecida a posição de “Patriarca”. Todo o episcopado, porém, permaneceu
fiel[3].
Enquanto milhares de católicos, entre os quais muitos sacerdotes e religiosas, eram
deportados para os campos de concentração, as associações católicas foram suprimidas.
Pouco depois, alguns sacerdotes apóstatas constituíram o “Grupo de Acção”,
destinado a «unir o catolicismo ucraniano ao Patriarcado de Moscovo».
Com a ajuda deste minúsculo grupo, o IOR começou a ocupar as sedes deixadas vacantes
pelos bispos presos[4]. Apoiado
pelo “Patriarcado” de Moscovo, o “Grupo de Acção” realizou um pseudo-sínodo em
Lviv. Participaram apenas 216 dos mais de 3 mil sacerdotes padres e nenhum
bispo. Este conciliábulo ratificou a “abolição” da União de Brest. Inútil ressaltar
a sua fundamental ilegitimidade[5].
Pouco depois, um procedimento idêntico foi implementado na zona dos Cárpatos,
onde a União de Uzhhorod foi “abolida” por outro conciliábulo. Aliás, a mesma
táctica foi também utilizada na Roménia, onde um punhado de sacerdotes apóstatas
realizou, em 1948, o pseudo-sínodo de Alba Júlia, que “aboliu” a União de 1698.
Para avaliar correctamente o espírito que animava estes sacerdotes apóstatas,
basta considerar uma passagem da carta que o Padre Kostelnyk, chefe do “Grupo
de Acção”, escreveu, a 29 de Maio de 1945, às autoridades soviéticas, comunicando-lhes
a abolição da União de Brest: «Sob a liderança do Primeiro Marechal, o
incomparável Estaline, o corajoso e magnífico exército soviético cobriu-se de
glória imortal. Destruiu o exército de Hitler e, assim, salvou a Europa do
terrível domínio nazi e todos os povos eslavos de uma segura perdição. Os
velhos sonhos dos ucranianos foram realizados. Todas as terras ucranianas foram
reunidas com a Pátria Mãe. A Ucrânia ressurge numa paterna união com Moscovo e
com todos os povos soviéticos. Agora a nossa Pátria tem total segurança. Abre-se
para ela uma era de esplêndido desenvolvimento. O Marechal Estaline ficará na
história da eternidade como o homem que uniu as terras ucranianas. Todos os
ucranianos ocidentais agradecem-lhe com a máxima cordialidade. Nunca seremos
capazes de pagar suficientemente a dívida moral que contraímos com a União
Soviética. Também Nikita Khrushchev, Presidente do Conselho do Comissariado do
Povo ucraniano, merece a nossa gratidão pelo seu papel na unificação da
Ucrânia. (...) Temos total confiança no Governo soviético. Queremos
trabalhar para o bem desta terra ortodoxa»[6].
É um título de glória para o clero ucraniano que, apesar das pressões, das ameaças
e das torturas, apenas quarenta e dois sacerdotes tenham aderido oficialmente ao Grupo
do Padre Kostelnyk, enquanto centenas morreram em campos de concentração[7].
Pouco depois, todos os bispos católicos foram condenados por um tribunal
secreto[8].
Na situação de sede vacante, o cónegos da Catedral de Lviv elegeram um vigário
capitular, que foi imediatamente preso. Idêntica sorte recaiu sobre o seu
sucessor.
Mons. Slipyj foi o único bispo a sobreviver às torturas comunistas, também
porque muitos se sacrificaram para que permanecesse vivo como símbolo da
resistência católica. Após dezoito anos de trabalhos forçados cruéis, foi
libertado em 1963. Só mais tarde se soube que a sua libertação tinha sido
acordada directamente com a Secretaria de Estado do Vaticano, que aceitou todas
as condições do Kremlin, incluindo que Mons. Slipyj (desconhecedor do acordo) não
regressasse mais à Ucrânia e não falasse contra o comunismo[9].
Entretanto, a perseguição anticatólica na Ucrânia intensificou-se. Todos os
mosteiros e conventos católicos foram encerrados e todas as igrejas foram
transferidas sob a autoridade do “Patriarcado” de Moscovo. A 1 de Janeiro de
1948, a agência noticiosa soviética Tass publicou um comunicado declarando que
a Igreja Católica Ucraniana «tinha deixado de existir»[10].
Por ironia do destino, também muitos sacerdotes que haviam aderido ao “Grupo de
Acção” foram mortos pelos comunistas[11].
A Igreja do silêncio
Pouquíssimos sacerdotes apostataram passando para a igreja ortodoxa. A maioria entrou
na clandestinidade, formando o que mais tarde se chamaria a “Igreja do silêncio”.
A maioria dos cinco milhões de católicos permaneceram fiéis a esta Igreja das catacumbas[12].
Malgrado o risco premente, a Igreja das catacumbas continuou a administrar os
sacramentos e a celebrar a Missa. Calcula-se que, na clandestinidade, foram
ordenados mais de trezentos sacerdotes e consagrados alguns bispos. A Igreja
das catacumbas atraía o respeito até mesmo de alguns sacerdotes ortodoxos.
Vários foram punidos por terem escondido padres clandestinos[13].
Isto preocupava muito os senhores do Kremlin. Havia também comunidades
religiosas clandestinas, sem falar dos encontros de oração em casas particulares,
ou das reuniões secretas nos bosques e nas montanhas para rezar o Rosário ou as
Vésperas[14]. Se
tivessem sido descobertas, teriam sido ipso facto deportadas para a
Sibéria. Ainda hoje [1977, n.d.r.], centenas de milhares de ucranianos estão a
apodrecer nas prisões soviéticas[15].
Através de Tradizione, Famiglia, Proprietà (originalmente
escrito em 1977)
1.ª PARTE | 3.ª PARTE
[1] Vasyl Markus, The Soviet
Government and the Ukrainian Catholic Church, La Salle College,
Philadelphia 1976, pp. 20-34.
[2] P. John Mowat, The Vatican and
the Silent Church, La Salle College, Philadelphia 1976, pp. 70-87.
[3] Ulisse Floridi, S.J., Mosca e il
Vaticano, Casa di Matriona, Milano 1976, p. 275.
[4] Vasyl Markus, Religion and
Nationality - the Uniates and Ukraine, University of Toronto Press, Toronto
1975, p. 105.
[5] Bohdan Bociurkiw, The Uniate
Church in the Soviet Ukraine, Canadian Slavonic Papers, Toronto 1965, pp.
89-113.
[6] Eastern Catholics Under Soviet
Rule, Sword of the Spirit, Londres 1946, pp. 54-59.
[7] Ibid., p. 35.
[8] Analecta OSBM, White Book on the
Religious Persecutions in Ukraine, Rome 1953.
[9] Norman Cousins, The Improbable
Triumvirate, Norton Co., New York 1972, p. 29. Cfr. também Ulisse Floridi,
S.J., op. cit., p. 278.
[10] Kurt Hutten, Iron Curtain Christians,
Augsburg Co., Minneapolis 1967, p. 31.
[11] Ibid., p. 6
[12] A. Monterati, II Cristo Distrutto,
Famiglia Cristiana, Abril de 1972.
[13] Bohdan Bociurkiw, Religion and
Atheism in the USSR and Eastern Europe, University of Toronto Press,
Toronto 1975.
[14] Russia Cristiana, Milano, vol.
XVI, n. 143, 1975, p. 56.
[15] Yaroslav Bihun (organizado por), Boomerang
- The Works of Valentyn Moroz, Baltimore 1974, pp. 48-61.
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