A 23 de Dezembro de 1595, acompanhado
pela Corte Pontifícia, pelo Corpo Diplomático e pelos trinta e três cardeais
presentes em Roma, o Papa Clemente VIII dirigiu-se à Sala de Constantino do
Palácio Apostólico para acolher a definitiva reunião dos fiéis ucranianos com a
Igreja Católica Romana. No dia seguinte, os bispos uniatas[1]
participaram nas celebrações de Natal na Basílica de São Pedro. Alguns meses
mais tarde, a 10 de Outubro de 1596, na Igreja de São Nicolau, em Brest, a
união foi sancionada pelo Metropolita de Kiev-Aliche, que tinha jurisdição
sobre toda a Ucrânia e a Bielorrússia.
As origens da Rússia católica
Os contactos entre Roma e os ucranianos eram antigos. Olga, Grã-Princesa de
Kiev, tinha sido baptizada, em Constantinopla, em 955. O seu neto, Vladimir, o
Grande, Príncipe de Novogárdia, Grão-Príncipe de Kiev e Chefe da Rússia de Kiev,
também se converteu à fé católica romana em 988 e quis manter relações
estreitas com o Papado, apesar da oposição dos gregos. Hoje em dia, ambos são venerados
como santos.
Em 1075, pouco depois do Cisma do Oriente, o Grão-Príncipe Iziaslau I tornou-se
o primeiro “Rei da Rus”, com o apoio de Henrique IV, Imperador do Sacro
Império, e do Papa S. Gregório VII, que lhe enviou uma coroa. Mais tarde, em
meados do século XIII, os príncipes ucranianos Daniel e Vasylko recorreram à
Santa Sé para obter apoio contra as invasões tártaras. Em resposta, a Santa Sé
proclamou uma cruzada contra os tártaros, que, no entanto, não se chegou a
concretizar. Porém, o Papa enviou missionários, alguns dos quais foram até à
corte do Grão-Cã. Apesar do facto de o Oriente já ter caído no cisma, aquela
que ficaria conhecida como Ucrânia insistia em manter relações com Roma.
Em 1253, o legado pontifício coroou Danilo da Galícia, também conhecido como
“Daniel da Rus”, como primeiro Rei da Ruténia. Lemos na acta da coroação: «Coroamos-te
com a coroa de Deus, da Santa Igreja Católica, dos Santos Apóstolos, de São
Pedro e do Papa Inocêncio». Todos estes factos apontavam para a reunião da
Igreja ucraniana com Roma, desejada por muitos, como testemunhava um bispo
ucraniano que participou, em 1245, no Concílio de Lyon.
Infelizmente, o Cisma do Ocidente e o subsequente declínio do Papado atrasaram
este processo. A união de Brest viria a realizar-se só em 1596. Em 1646, houve
uma segunda união, a de Uzhhorod, envolvendo principalmente o clero da região
dos Cárpatos. Embora sob a protecção do Sacro Império Romano, o clero ucraniano
foi autorizado a conservar intacta a liturgia bizantina. Assim, formaram-se as
dioceses católicas bizantinas de Uzhorod e de Mukachevo.
A perseguição cismática
Os líderes do chamado cisma ortodoxo, especialmente os de Constantinopla,
desencadearam uma verdadeira perseguição contra qualquer tentativa de se reunirem
com Roma. O seu ódio centrou-se na figura do grande São Josafat, Arcebispo de
Polock. Rezando dia e noite com espírito de mortificação e de penitência,
dedicou a sua vida a converter os cismáticos. Depois de escapar a várias
emboscadas, foi por fim morto em Vitebsk, na Bielorrússia, a 12 de Novembro de
1623. Cravado de balas, com o crânio esmagado com um machado, foi atirado para
o rio Duína. As crónicas relatam que o seu corpo, resplandecente de luz,
flutuou até à superfície e foi recuperado pelos fiéis. Foi beatificado pelo
Papa Urbano VIII e canonizado, em 1867, por Pio IX. Após um período em Viena,
os seus restos mortais foram trasladados para a Basílica de São Pedro, no
Vaticano, onde ainda repousam.
Não obstante a variável e difícil situação política, a Igreja Católica Ucraniana
continuou a desenvolver-se. Escreve o historiador Valentyn Yakovych Moroz: «A
Igreja uniata penetrou no corpo vivo da espiritualidade ucraniana até adquirir
um carácter nacional», espalhando-se, assim, por todo o País.
Um tesouro da alma ucraniana é, sem dúvida, a devoção a Nossa Senhora. Os
especialistas em espiritualidade católica oriental atestam o facto de que a
devoção a Maria Santíssima tem uma particular importância na Ucrânia. Foi mesmo
declarado: «A Mariologia e a devoção mariana atingiram na Ucrânia um ápice
não superado em nenhuma outra parte do mundo»[2].
A perseguição contra o catolicismo na Ucrânia continuou com os czares da
dinastia Romanov, que transferiram a capital de Kiev para Moscovo e, depois,
para São Petersburgo. A perseguição intensificou-se sob Pedro I, provocando
milhares de vítimas. Pedro era chamado “Martelo da Igreja Católica Ucraniana” e
gabava-se de ter matado dois sacerdotes da Ordem de São Basílio com as próprias
mãos. Em 1721, ordenou a liquidação da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Pouco
depois, com a força militar, Catarina II forçou oito dos doze milhões de
católicos ucranianos a juntarem-se à igreja ortodoxa russa. As expedições
militares contra a Ucrânia, como a de 1826 por Nicolau I, tornaram-se um
elemento da política externa russa. Em 1839, a Sé Metropolitana de Kiev e as
Eparquias da Bielorrússia e da Ucrânia foram suprimidas. Mais uma vez, houve
milhares de mártires e de confessores da fé entre os sacerdotes e os leigos que
resistiam. Em 1875, Alexandre II suprimiu a Diocese de Kholm, a última diocese
greco-católica ainda existente no Império Russo[3].
Durante a Primeira Guerra Mundial, as tropas russas invadiram a Ucrânia
ocidental e “aboliram” a União de Brest. Também puseram o Conde Andrei
Sheptytsky, Metropolita de Kiev-Aliche, na prisão. Com a retirada dos russos em
1915, o prelado pôde regressar à sua Sé[4].
O pior, porém, ainda estava para vir. Em 1917, tomou o poder na Rússia o pior
inimigo da Civilização Cristã: o comunismo.
O período comunista
A partir deste momento, o destino do catolicismo na Ucrânia entrelaçou-se com a
história do comunismo, e também com a da Ostpolitik vaticana,
adquirindo, assim, um significado universal.
No final da Primeira Guerra Mundial, a Ucrânia ocidental, com a sua grande
população católica, passou a estar sob o controlo da Polónia. Aí a situação
permaneceu tranquila. Do sector oriental, sob o domínio da Rússia comunista,
porém, começaram a chegar notícias terríveis: estava em curso um drama
humanitário. Depois da derrota dos Russos Brancos na guerra civil, o Estado
bolchevique tinha iniciado uma campanha de extermínio dos anticomunistas.
Começou também o processo de colectivização das propriedades rurais. Face à
resistência dos pequenos proprietários ucranianos, Moscovo enviou o Exército
Vermelho para confiscar a produção agrícola e as cabeças de gado, deixando a
população na impossibilidade de se alimentar. Seguiu-se uma fome – totalmente
induzida, uma vez que as culturas eram abundantes, mas foram ipso facto
confiscadas e levadas embora – que provocou a morte de dezenas de milhares de
pessoas. Em Kherson, por exemplo, morreu 85% da população[5].
Ao fazê-lo, Lenine pretendia apagar qualquer ligação à propriedade privada, o
“pecado original” segundo a ideologia marxista. No início dos anos trinta, as
necessidades políticas do comunismo levaram Estaline a provocar uma nova fome
artificial, indescritivelmente pior do que a precedente. O número de mortos foi
calculado em mais de sete milhões. Aldeias inteiras desapareceram e a Ucrânia
encheu-se de campos de concentração. Foi um dos mais terríveis holocaustos da
história, conhecido hoje como Holodomor (assassinato em massa por fome)[6].
Em 1933, Mons. Sheptytsky, Metropolita de Kiev-Aliche, dirigiu ao mundo um
apelo que ficará na história: «Já estamos a ver as consequências do regime
comunista: a cada dia que passa a situação torna-se mais assustadora. A visão
destes crimes horroriza a natureza humana e gela o sangue. Não sendo capazes de
trazer ajuda material aos nossos irmãos e irmãs moribundos, imploramos aos
fiéis que assaltem o Céu com orações, jejuns, penitências e obras de
misericórdia. Protestemos perante o mundo inteiro contra a perseguição das
crianças, dos pobres, dos doentes e dos inocentes. Processemos os perseguidores
perante o Tribunal de Deus Omnipotente. O sangue dos camponeses famintos que
lavram o solo da Ucrânia clama por vingança aos olhos de Deus. O lamento dos
nossos irmãos moribundos chega ao Céu»[7].
Como resposta sardónica, os comunistas construíram um arco do triunfo em
Kirovohrad com as palavras: «Estamos a entrar na primeira fase do comunismo,
o socialismo». Em redor do arco jaziam dezenas de cadáveres emaciados: era
o preço do socialismo[8].
O perverso pacto nazi-comunista
Na cidade de Brest, onde em 1856 os uniatas haviam regressado ao seio da
Igreja, os soviéticos assinaram, em 1939, um pacto de colaboração com os nazis,
conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop. As duas ditaduras tinham acordado a
divisão da Polónia. Como resultado, os tanques soviéticos ocuparam a Ucrânia
ocidental, a zona com a mais forte presença católica. Prevendo tempos difíceis,
o Metropolita Sheptytsky escolheu um brilhante sucessor, Mons. Josyp Slipyj,
consagrando-o secretamente Bispo Coadjutor de Lviv com direito à sucessão. Era
o dia 21 de Dezembro de 1939. Ao início, os comunistas russos evitaram um
confronto frontal com os católicos, por medo do povo, mas começaram a confiscar
as propriedades da Igreja e a impor restrições.
Entretanto, excogitaram uma forma para destruir a Igreja Católica, servindo-se
da igreja ortodoxa russa de Moscovo (IOR). Desta forma, tentaram dar o aspecto
de uma disputa religiosa (católicos gregos versus ortodoxos) àquilo que
era, na realidade, uma tentativa política de suprimir a Igreja Católica.
Desde que Estaline tinha reconstituído a hierarquia da IOR, esta tinha-se
tornado um dócil e útil instrumento nas mãos da ditadura soviética. Em 1927,
Sérgio, metropolita de Moscovo, tinha redigido uma declaração de obediência ao
regime bolchevique. Em 1928, declarou: «As alegrias e as vitórias da União
Soviética são também as nossas alegrias e as nossas vitórias». Num livro
publicado em 1942, afirmou: «Nunca ninguém foi perseguido na União Soviética
por causa da sua religião». Em 1943, Estaline recompensou-o, reconstituindo
na sua pessoa o “Patriarcado” de Moscovo, que se tornou uma espécie de
Ministério da Religião do regime comunista soviético[9].
Através de Tradizione, Famiglia, Proprietà (originalmente
escrito em 1977)
2.ª PARTE | 3.ª PARTE
[1] Termo, originalmente pejorativo, que
os ortodoxos cismáticos russos utilizam para se referirem aos cristãos
orientais que procuraram sempre manter-se unidos à Sé Apostólica [n.d.r.].
[2] Miroslav Labunka e Leonid Rudnytzky,
The Ukrainian Catholic Church: 1945-1975, St. Sophia Assoc.,
Philadelphia, 1976, pp. 120-122.
[3] Ludwig Pastor, Historia de los
Papas desde fines de la Edad Media, Gidi S.A., Buenos Aires 1958, vol. XVI,
pp. 351-355.
[4] Analecta OSBM, First Victims of
Communism, Rome 1950, pp. 2-5.
[5] ABN Magazine, Munique, vol.
XXIV, n. 2, Abril de 1973.
[6] Ethnocide of Ukrainians in the
USSR, Smoloskyp, Baltimore, 1976. Estudo baseado em The Ukrainian Herald,
nn. 7-8, pp. 45-63.
[7] Ibid., pp. 14-16.
[8] Ibid., p. 47.
[9] Ulisse Floridi, S.J., The Role of
Ukraine in Recent Soviet-Vatican Diplomacy, Thomas Bird Co., New York 1972,
pp. 63-69. Colocamos “Patriarcado” entre aspas porque não criado pela legítima
autoridade.
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«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
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