Desde que o Papa Francisco anunciou
que consagrará a Rússia (e a Ucrânia) ao Imaculado Coração de Maria, juntamente
com todos os bispos do mundo – aos quais dirigiu um preciso apelo nesse sentido
–, todo o mundo católico aguarda este acontecimento histórico.
Há quem, movido por um espírito piedoso, veja no gesto pontifício uma solução
definitiva que porá fim à guerra, levará à conversão da Rússia e à reabilitação
moral do mundo moderno. Outros, por outro lado, movidos por um espírito
crítico, assinalam possíveis omissões e contradições. Em qualquer caso, é de notar que o anúncio do
Papa Francisco – colocando Fátima no centro dos acontecimentos contemporâneos –
tocou uma profunda fibra na opinião pública mundial.
O acto de Francisco está ligado a um pedido concreto feito por Nossa Senhora, em
Fátima, em 1917.
Falando aos pastorinhos, Nossa Senhora quis falar ao mundo inteiro, exortando
todos os homens à oração, à penitência, à emenda da vida. De modo especial,
falou ao Papa e à sagrada Hierarquia, pedindo-lhes a consagração da Rússia ao
Seu Imaculado Coração.
A Mãe de Deus fez estes pedidos face à situação religiosa em que o mundo
inteiro se encontrava na época das aparições. Nossa Senhora indicou tal
situação como extremamente perigosa. A impiedade e a impureza tinham tomado tal
posse da terra que, para punir os homens, explodiria aquela autêntica hecatombe
que foi a Grande Guerra de 1914-1918.
Esta conflagração terminaria rapidamente e os pecadores teriam tempo de se
emendar, segundo o apelo feito em Fátima. Se este apelo tivesse sido atendido,
a humanidade teria conhecido a paz. Se não fosse atendido, viria outra guerra
ainda mais terrível. E se o mundo permanecesse surdo à voz da sua Rainha, uma suprema
hecatombe, de origem ideológica e de alcance universal, envolvendo uma grave
perseguição religiosa, afligiria todos os homens, trazendo consigo grandes
provações para os católicos: «[A Rússia] espalhará os seus erros pelo mundo,
promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo
Padre terá muito que sofrer».
«Para a impedir – continua Nossa Senhora – virei pedir a consagração
da Rússia ao Meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros
sábados. Se atenderem aos Meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz».
Depois de um período de extrema tribulação e de terríveis castigos «como
nunca antes vistos» (Santa Jacinta de Fátima), Nossa Senhora promete o
triunfo final: «Por fim, o Meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre
consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum
tempo de paz».
Ainda hoje, os especialistas debatem a validade, ou não, das várias
consagrações feitas por Pio XII e João Paulo II. Nossa Senhora tinha três apresentado
condições: que a consagração fosse feita pelo Sumo Pontífice, que mencionasse a
Rússia e que fosse feita em união com todos os bispos do mundo. De uma forma ou
de outra, a todas as consagrações – 1942, 1952, 1982, 1984 – faltava, pelo
menos, uma das condições. Após ter afirmado peremptoriamente que a consagração
de 1984, feita por João Paulo II, não era válida, a vidente Irmã Lúcia mudou de
opinião, atestando, em vez disso, a sua conformidade com o pedido de Nossa
Senhora. Esta é a posição mais difundida nos ambientes da Igreja e entre os
fiéis em geral.
Não queremos entrar num assunto tão complexo. Salientamos, no entanto, que, na
Cova da Iria, Nossa Senhora indicou duas condições, ambas indispensáveis, para
que se afastassem os castigos com que nos ameaçava.
Uma destas condições era a consagração. Suponhamos que fora realizada da forma
solicitada pela Santíssima Virgem. Permanece a segunda condição: a difusão da
prática da comunhão reparadora nos primeiros cinco sábados do mês. Parece-nos evidente
que, até hoje, esta devoção ainda não se espalhou pelo mundo católico na medida
desejada pela Mãe de Deus.
E há ainda uma outra condição, implícita na mensagem mas também indispensável:
é a vitória do mundo sobre as mil formas de impiedade e de impureza que hoje,
muito mais do que em 1917, o estão a dominar. Tudo indica que esta vitória não
foi alcançada e, pelo contrário, que nesta matéria estamos cada vez mais próximos
do paroxismo. Assim, uma mudança de direcção para a humanidade está a tornar-se
cada vez mais improvável. E, na medida em que avançamos para este paroxismo,
torna-se mais provável que avancemos para a realização dos castigos.
Há aqui uma observação a ser feita, isto é, que, se não se visse as coisas
desta forma, a mensagem de Fátima seria absurda. Pois se Nossa Senhora afirmou,
em 1917, que os pecados do mundo tinham atingido um tal nível que exigia o
castigo de Deus, não pareceria lógico que estes pecados tivessem continuado a
aumentar durante mais de meio século, que o mundo se tivesse teimosamente
recusado a prestar atenção ao que foi dito em Fátima e que o castigo não
devesse vir. Seria como se Nínive não tivesse feito penitência e, apesar de tudo,
as ameaças do profeta não se realizassem.
Além disso, a própria consagração pedida por Nossa Senhora não teria o efeito
de afastar o castigo se o género humano permanecesse cada vez mais apegado à
impiedade e ao pecado. De facto, enquanto as coisas estiverem assim, a
consagração terá algo de incompleto.
Em suma, uma vez que não se operou no mundo a enorme transformação espiritual pedida
na Cova da Iria, estamos a avançar cada vez mais para o abismo. E, na medida em
que estamos a avançar, tal transformação está a tornar-se cada vez mais
improvável.
Aplaudimos o acto do Papa Francisco e unimo-nos toto corde a ele se
seguir os pedidos estabelecidos, em Fátima, por Nossa Senhora. Contudo, enquanto este acto não for seguido de uma verdadeira e própria cruzada espiritual contra a
imoralidade desenfreada – aborto, homossexualidade, LGBT, modas indecentes,
pornografia, género, etc. –, a simples consagração da Rússia – por muito
agradável que seja à Divina Providência – não afastará o castigo.
Permitam-me levantar uma outra perplexidade e não de pouco peso.
Em Fátima, Nossa Senhora indicou, como elemento à época mais dinâmico do
processo revolucionário que conduzia a humanidade para o abismo, os «erros
da Rússia», ou seja, o comunismo, que precisamente na União Soviética
encontrou a sua sede e foco de expansão. Não haverá uma verdadeira conversão
até que esta ideologia seja rejeitada em todas as suas manifestações.
Agora, é precisamente neste campo que o pontificado do Papa Francisco se
distinguiu pela sua proximidade à extrema-esquerda: da sua proximidade à
ditadura cubana ao seu apoio aos “movimentos populares” latino-americanos de
matriz marxista, sem esquecer os seus contactos com o Patriarca Cirilo, que foi
um fiel servidor e propagandista da ditadura soviética.
Também aqui, sujeito a um melhor julgamento, parece-nos que, até que ao acto de
sexta-feira em São Pedro não se siga uma verdadeira cruzada espiritual contra o
comunismo e os seus epígonos, a consagração da Rússia, por si só, não funcionará
como panaceia para poupar a civilização contemporânea a uma catástrofe.
Julio Loredo
Através de Tradizione, Famiglia, Proprietà
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