Existe alguma operação nos planos de
Vladimir Putin para separar as três Repúblicas bálticas (Lituânia, Letónia e
Estónia) da União Europeia? Isto poderia acontecer se a Rússia ocupasse o corredor
de Suwalki, uma faixa de terra de 90 km que liga a Polónia à Lituânia e separa a
Bielorrússia de Kaliningrado, onde está baseada a frota da marinha russa que
opera no Báltico. Se o conflito ucraniano se expandisse e a Rússia conseguisse
ligar a Bielorrússia ao enclave de Kaliningrado, os Países Bálticos ficariam
isolados de qualquer possível socorro por parte das forças terrestres da NATO. Não
se trataria apenas de um isolamento militar, mas da tentativa de deseuropeizar
estes povos, para os quais as fronteiras políticas da União Europeia são, como
as da NATO, uma barreira defensiva contra a Rússia, que é o seu secular inimigo.
No grande golfo de Riga reflectem-se a Letónia e a Estónia. A língua dos
letões, tal como a dos lituanos, é indo-europeia, enquanto que a dos estónios
pertence ao grupo fino-úgrico. Todavia, para além das diferenças étnicas e
linguísticas, a ligação histórica entre estes dois países é mais estreita do
que a que eles têm com a Lituânia. Esta última foi um grande Estado, enquanto a
Letónia e a Estónia, embora conservando a sua fisionomia nacional, foram
submetidas às potências estrangeiras até ao século XX. Tallinn e Riga, as duas
capitais, pertenceram à Liga Hanseática, a aliança de cidades que, entre o
final da Idade Média e o início da Idade Moderna, mantinham o monopólio do
comércio em grande parte do Norte da Europa. Nas cidades antigas de Riga e de Tallinn,
respira-se a atmosfera medieval típica das cidades alemãs de outrora. É assim
que imaginamos que também fossem Lübeck e Gdańsk antes de serem destruídas pela
guerra.
A Letónia e a Estónia, na Idade Média, faziam parte da “Livónia”, uma terra que
se estendia desde o vale inferior do rio Daugava, ou Duína Ocidental, até ao golfo
de Riga. Foram as “Cruzadas do Báltico”, organizadas no início do século XIII, a
provocar a entrada destes povos na história do Ocidente. Os alemães, que tinham
sido conquistados à força por Carlos Magno, por sua vez, subjugaram os povos
bálticos e eslavos pela força das armas. Riga foi fundada, em 1201, por Albert de
Buxthoeven, que a tornou a sede da ordem religioso-cavalheiresca dos Irmãos Livónios
da Espada, mais tarde incorporada na Ordem Teutónica. Tallinn foi fundada, em
1219, pelo Rei dinamarquês Valdemar II e pelo Arcebispo de Lund, Anders Sunesen.
Também foi fortificada com poderosas muralhas e torres de vigia e acolheu os cruzados
do Báltico. O primeiro Bispo de Livónia foi o monge alemão São Meinhard (1134-1196),
cujo culto foi restaurado por João Paulo II, em 1993, na sua viagem àquela
terra.
As cidades hanseáticas faziam parte do Sacro Império Romano e tinham na Ordem
Teutónica o seu “protector”. A partir de 1466, a Ordem Teutónica teve a sua
sede na cidade de Königsberg, rebaptizada Kaliningrado em 1946. A onda
protestante que se espalhou, no século XVI, da Alemanha, rapidamente varreu os Países
Bálticos. Gotardo Kettler, chefe da Ordem Livoniana, que sucedeu à Ordem
Teutónica, converteu-se ao luteranismo e tornou-se Duque da Curlândia. Nos
séculos seguintes, a Polónia, a Dinamarca e a Suécia combateram pelo Dominium
Maris Baltici, que, no entanto, caiu sob a influência da Rússia. Os
herdeiros dos cavaleiros teutónicos, os “barões bálticos”, proprietários de uma
grande parte dos territórios, constituíram uma espécie de “enclave” alemão no
imenso Império Russo. Os redutos bálticos, espalhados entre florestas e lagos
de cores escuras e cintilantes, vigiavam outrora as fronteiras da Cristandade.
Eclodiu a Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Brest-Litovsk, assinado, entre
a Rússia e os Impérios Centrais, a 3 de Março de 1918, iniciou o processo de
libertação dos Países Bálticos. Antes da sua independência ser oficialmente
reconhecida pelo Tratado de Versalhes, confrontaram-se violentamente naquelas
áreas os russos do Exército Vermelho e os do Exército Branco, os nacionalistas
letões e estónios e as milícias recrutadas pelos barões bálticos.
Se o Tratado de Brest-Litovsk, em 1918, sancionara a independência dos Países
Bálticos, o Pacto Molotov-Ribbentrop, de 23 de Agosto de 1939, apagou-os da
história. A Estónia, a Letónia e a Lituânia foram ocupadas pelos soviéticos e
tornaram-se cenário dos combates entre a Wehrmacht e o Exército Vermelho.
Estaline ordenou a deportação para a Sibéria de expoentes políticos,
funcionários, sacerdotes, mas também de quem tivesse uma simples propriedade.
Entre eles estava o Arcebispo jesuíta Eduard Profittlich (1890-1942), nomeado,
por Pio XI, em 1931, como Administrador Apostólico da Estónia, o primeiro bispo
católico a operar na Estónia desde a época medieval. Foi condenado a ser fuzilado
e morreu, a 22 de Fevereiro de 1942, no gulag de Kirov, antes da
execução da sentença. O seu processo de beatificação foi introduzido.
Nasceram as primeiras organizações de resistência aos invasores. Os partidários
da Letónia e da Estónia, que tomaram o nome de Irmãos da Floresta, e o Exército
da Liberdade da Lituânia foram os protagonistas, depois de 1945, de uma épica
resistência armada ao invasor soviético. Contra a guerrilha anticomunista, os
soviéticos destacaram unidades inteiras do Exército Vermelho, da milícia e da
polícia secreta NKVD. A resistência continuou após o fim da guerra. Os
americanos tentaram, nos primeiros anos, apoiar a luta armada, lançado ajudas e
voluntários através de pára-quedas, mas as infiltrações soviéticas no seio da
CIA rapidamente levaram à liquidação do seu apoio. A sangrenta repressão da
revolta húngara, em 1956, marcou o fim das últimas esperanças de ajuda da parte
do Ocidente. Milhares de guerrilheiros morreram naquela que foi a mais longa
história de guerrilha no Báltico, trazida à luz, sobretudo, pelos historiadores
Heinrihs Strods, na Letónia (Latvian National Partisan War 1944-1956,
Latvijas, Riga 2003), e Mart Laar, na Estónia (War in the Woods: Estonia’s
Struggle for Survival, 1944-1956, Whalesback Books, Washington D.C. 1992), e
recordada em Itália por Alberto Rosselli (La resistenza antisovietica e
anticomunista in Europa orientale, 1944-1956, Settimo Sigillo, Roma 2004).
Em Dezembro de 1990, as associações de Tradição, Família e Propriedade,
lideradas por Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995), haviam levado a Vilnius, ameaçada
por Gorbatchov, 5.212.580 assinaturas em defesa da independência e da liberdade
da Lituânia. A 2 de Janeiro de 1991, o chefe do Kremlin ordenou aos seus
tanques que invadissem a Lituânia. O Governo entrincheirou-se no Parlamento,
protegido por massas de jovens com o terço na mão que cantavam hinos a Nossa
Senhora. Nove deles morreram heroicamente, mas o Presidente russo foi forçado a
recuar. O exemplo espalhou-se rapidamente e as Repúblicas
soviéticas, a começar pelas bálticas, separaram-se de Moscovo, marcando o
início do colapso definitivo da URSS.
Desde Abril de 2004, o espaço aéreo báltico está sob o controlo dos aviões da NATO,
a pedido daqueles povos sobre os quais pesa uma trágica memória histórica.
Reunido em Riga com os líderes das três Repúblicas bálticas, a 9 de Maio de
2005, o Presidente norte-americano George W. Bush disse que a ocupação
soviética da Europa Oriental após a Segunda Guerra Mundial seria lembrada como «uma
das maiores injustiças da história», acrescentando que uma boa parte da
responsabilidade devia ser atribuída também aos Estados Unidos. De facto, a Conferência
de Ialta, de 1945, afirmou o Presidente americano, inseriu-se na esteira da
tradição injusta do Acordo de Munique e do Pacto Molotov-Ribbentrop.
Hoje, o povo ucraniano, mas também os habitantes das Repúblicas bálticas
ameaçadas por Vladimir Putin, olham com apreensão para a evolução dramática da
guerra que se abriu no coração da Europa. Das músicas de desoladora beleza do
estoniano Arvo Pärt, um dos maiores compositores contemporâneos, parece emergir
das profundezas da Idade Média e encontrar novas formas de expressão o grito de
amor destas terras pelas antigas raízes do Ocidente cristão.
Roberto de Mattei
Através de Corrispondenza Romana
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