O portal Dies Iræ entrevistou, em exclusivo, Riccardo Cascioli, director do
portal católico italiano La Nuova Bussola Quotidiana, que tem vindo a
assumir grande destaque tanto a nível local como internacional. Ao longo da
entrevista, bastante abrangente, são tratadas questões da actualidade, dando-se
particular ênfase à situação problemática no seio da Igreja Católica e ao
presente Pontificado. Não obstante os posicionamentos ideológicos e doutrinais
dos seus entrevistados, o Dies Iræ esclarece que as posições apresentadas e
defendidas são da exclusiva responsabilidade de cada um deles.
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1. Muito obrigado por nos conceder esta entrevista. Antes de entrarmos em
questões da actualidade, gostaríamos de o felicitar pela corajosa acção que
leva a cabo em terras italianas. Sabe-se que o portal de orientação católica
que dirige, La Nuova Bussola Quotidiana (LNBQ), está entre os
mais importantes da Itália. Para o público português, poderia especificar qual
é o lugar que LNBQ ocupa, o número de visualizações por mês e a faixa
etária que lê a publicação?
Antes de mais nada,
obrigado pela vossa atenção. La Nuova Bussola Quotidiana, que começou as
publicações no final de 2012, é agora a segunda mais importante publicação
católica online depois do jornal diário da Conferência Episcopal
Italiana, Avvenire. Tem uma média de mais de um milhão de visitas por
mês (mais de 500 mil visitantes únicos) e mais de dois milhões de páginas
lidas. Quanto aos leitores, a faixa etária mais numerosa é aquela entre os 40 e
os 55 anos de idade, com um bom nível de instrução, predominantemente homens.
2. Como definiria, neste momento, a situação religiosa da Itália, incluindo
a posição da Conferência Episcopal Italiana e as suas relações com um Governo
fortemente globalista, mas que ainda não foi sufragado nas urnas?
Digamos que a crise provocada pela pandemia pôs em evidência uma Conferência
Episcopal propensa às directivas governamentais, mais preocupada com a saúde física
das pessoas do que com a salvação das almas (um tema que desapareceu
completamente das pregações e das posições oficiais). Uma Igreja que durante
meses privou os fiéis dos sacramentos em nome de uma alegada emergência
sanitária, aceitando e até mesmo prolongando as medidas impostas pelo governo.
Ao ponto de alguns bispos terem chegado a suspender do ministério sacerdotal os
sacerdotes que recusaram a vacina. Mesmo agora, após mais de dois anos, continua
suspenso o preceito dominical. A situação é tal que não é impróprio falar de
uma Igreja de Estado, se não na forma, seguramente na substância.
3. Alguns vaticanistas e historiadores acreditam que o actual Pontificado
está numa rampa descendente. Partilha dessa opinião?
Se considerarmos o Pontificado do ponto de vista do seu alcance sobre
intelectuais e teólogos e sobre os meios de comunicação, sobretudo
progressistas, que decretaram o seu sucesso, provavelmente é verdade. Mas
devemos também considerar que o objectivo declarado pelo Papa Francisco foi o
de “iniciar processos” e, deste ponto de vista, muitos processos foram
iniciados e ainda não vimos as consequências mais clamorosas e devastadoras
destes processos. Olhando para o caminho sinodal alemão, já podemos imaginar o
que poderá acontecer.
4. Ainda no seguimento da pergunta acima, o facto de o Professor Alberto
Meloni ter dirigido recentemente algumas críticas ao Papa Francisco, por um
lado, e, por outro, a edição do livro do historiador Andrea Riccardi (La Chiesa
brucia: Crisi e futuro del cristianesimo), onde o autor se vai, nalguns
pontos, demarcando do actual Pontificado, são sintomas do declínio, ou perda de
apoio, do actual Pontífice? Ou, pelo contrário, nos bastidores “l’enjeu” é
outro?
Creio que uma certa ala progressista da Igreja está desiludida porque esperava
já ter alcançado neste momento os seus objectivos de protestantização da
Igreja: o tempo passa, o Papa não é eterno e nada é garantido com o próximo
Papa, mesmo que, a julgar do ponto de vista humano, exista um Colégio Cardinalício
esmagadoramente feito à imagem e semelhança do Papa Francisco. A ordenação de
homens casados, mulheres diáconos, uniões homossexuais, revolução litúrgica,
são ainda processos inacabados e certos círculos estão impacientes. Alguns,
porém, começam a perceber que a confusão que foi criada não está a fazer nenhum
bem e que muitos bons católicos estão desorientados.
5. Publicou, a 10 de Janeiro, um excelente artigo sobre o financiamento do
globalismo farmacêutico-financeiro às publicações católicas alinhadas com o
espectro da vacinação em massa de um imunizante experimental, onde fica claro e
inequívoco que quem não alinhar com o “pensamento” dominante será “cancelado”. Teme
estar na mira dos fact checkers “católicos”, bem como LNBQ?
Que não somos particularmente amados é um facto, mas não me preocupa muito, já o
tinha em conta. Pelo contrário, é verdadeiramente preocupante esta infiltração
de lobbys globalistas, anticatólicos e anti-humanos no coração da Igreja
Católica. Nos anos noventa, na altura das Conferências Internacionais da ONU
(ambiente, desenvolvimento, população, etc.), João Paulo II compreendera muito
bem o perigo e levantara a sua voz contra aqueles que queriam destruir a
família e a vida. Hoje, vemos esses “inimigos” (as grandes Fundações americanas,
certos “especialistas” da ONU, vários catastróficos) a pontificar no Vaticano.
Para aqueles que se conseguem lembrar, é um espectáculo deprimente. O
financiamento dos ditos fact checkers católicos é apenas um capítulo
desta infiltração. É triste ter de ver jornalistas católicos mobilizarem-se desta
forma para batalhas sobre temas questionáveis que se tornaram dogmas de
fé.
6. Muitas das denúncias que faz no aludido artigo vão ao encontro daquilo que
o Arcebispo Carlo Maria Viganò tem vindo a expor há vários meses e que lhe
mereceu rótulos como os de irrealista, conspirador, radical, manipulável ou
cismático. Estamos diante de um ataque a um Prelado corajoso ou, pelo
contrário, encontra algum fundo de verdade nas acusações lançadas contra
Viganò?
Não há dúvida de que é um prelado corajoso. No entanto, estou um pouco
perplexo com alguns dos conteúdos das suas denúncias e, sobretudo, com o papel
que reservou para si. No que diz respeito às denúncias, creio que uma coisa é
vislumbrar, por detrás do pretexto da gestão da pandemia, um projecto de uma
Nova Ordem Mundial, de Great Reset, que é verificável nos escritos e nas
intenções declaradas de certas figuras “globalistas”; outra bem diferente é
afirmar com certeza os factos – a utilização da tecnologia 5G ou dos microchips
subcutâneos, por exemplo – para os quais não se podem exibir provas. Penso que
é muito importante afirmar sempre apenas o que se pode provar. Quanto ao papel,
não estou certo de que seja o papel de um bispo liderar batalhas políticas: é
verdade que existe um vazio, mas existe também o risco de fazer do lado oposto
o que criticamos ao Papa Francisco, ou seja, de se mover numa perspectiva
política, horizontal. Não digo que seja a mesma coisa, mas o risco é forte.
7. Tem escrito inúmeros artigos sobre a preocupante situação relativa às
“vacinas” COVID-19 e ao facto de os governos terem, diríamos, interesse nos
contágios. O que mais teme neste momento em relação à massiva vacinação a que
se assiste em todo o mundo, incluindo de crianças?
Creio, antes de mais, que existe um risco real e concreto para a saúde da
população: muitas reacções adversas graves já foram registadas a curto prazo e
há muitos receios de consequências ainda mais graves a médio e longo prazo.
Foram suscitados receios, por exemplo, mesmo por apoiantes das vacinas, para
mulheres em idade fértil, devido a possíveis consequências na fertilidade.
Afinal de contas, de que serve vacinar mesmo os recém-nascidos quando as
crianças e os jovens adultos não correm praticamente nenhum risco, mesmo que
estejam infectados? E depois, precisamente numa altura em que a própria
Organização Mundial da Saúde declara que estamos numa fase tranquila? Como
podemos confiar no interesse pela nossa saúde daqueles que – veja-se a Fundação
Bill e Melinda Gates ou Soros – investem tanto em vacinas como no controlo
populacional através da contracepção, do aborto, da eutanásia, etc.? E o mesmo
se aplica aos políticos: em Itália temos um Ministro da Saúde que se pronunciou
a favor do suicídio assistido, que considera o aborto um direito humano e é
suposto pensarmos que o seu primeiro pensamento seja manter-nos saudáveis? É
realmente necessário ser cego para não se questionar.
Mas, acima de tudo, a gestão da pandemia é uma grande experiência de massa que
tornará o mundo ocidental cada vez mais parecido com a China, com um férreo
controlo social, com uma série de liberdades já não reconhecidas como direito
natural da pessoa, mas como concessões de poder àqueles que obedecem. O que estamos
a ver hoje na população é o sucesso desta experiência, embora felizmente
existam também bolsas de resistência que deixam em aberto a esperança.
8. Num artigo que também publicou recentemente, escreveu que o Sínodo
convocado por Francisco é já uma vitória para o lobby LGBTQ. Ainda vamos
a tempo de inverter esta trágica e inaudita situação no seio da Igreja?
Parece-me que os grupos LGBTQ estejam entre os poucos que estão realmente
interessados no Sínodo sobre a Sinodalidade, porque vêem nele a possibilidade
de reconhecimento oficial. Não falo de pessoas com tendências homossexuais, que
vivem a sua situação com desconforto ou que desejam sinceramente ser iluminadas
pela fé, mas de grupos LGBTQ organizados, cujo objectivo é simplesmente mudar a
doutrina da Igreja em matéria de sexualidade. Isto já o tinha denunciado o
Cardeal Ratzinger, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, na Nota
de 1 de Outubro de 1986: hoje, esses lobbys estão a tomar conta da Igreja; o
Papa Francisco deu um grande reconhecimento ao movimento New Ways Ministry nos
Estados Unidos, na Alemanha houve o clamoroso coming out de 125 sacerdotes
e funcionários da Igreja sem um único aceno de condenação de Roma; o Cardeal
Hollerich, Presidente dos Bispos da União Europeia, acaba de afirmar que a
doutrina sobre a homossexualidade deve ser mudada, mais uma vez sem qualquer
resposta de Roma. Inverter esta situação? Não será fácil e, a uma escala
humana, é difícil ver como poderá acontecer. No entanto, pede-se a cada um de
nós que persevere na verdade, que dê testemunho público dela mesmo à custa da
própria vida, que reze ao Senhor, porque a Igreja é Sua e Ele guia-a mesmo que
não compreendamos os Seus caminhos.
9. Por fim, gostaríamos de lhe pedir que dirija uma breve mensagem aos
leitores de Dies Iræ, através do qual têm acesso a muitos
e relevantes artigos de LNBQ.
Só posso desejar que todos procurem apenas a santidade, o resto – incluindo os temas
que acabámos de discutir – é apenas uma consequência.
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«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
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