Muitas Santas Missas de Réquiem pelo
sufrágio da alma do Rei Luís XVI são celebradas a cada dia 21 de Janeiro, aniversário
da sua decapitação, ocorrida em 1793. É uma tradição que tem crescido ao longo
do tempo, sobretudo desde os anos noventa. As celebrações têm lugar
principalmente em França, mas também há testemunhos em Itália, particularmente
na Toscana, graças ao Instituto de Cristo Rei e Sumo Sacerdote, e em Roma.
Contudo, nestes nossos tempos de escuridão, depois do motu proprio Traditiones
Custodes, há episódios dissonantes e lamentáveis, como aconteceu em
Estrasburgo, onde o Arcebispo Luc Ravel, C.R.S.V., impediu a Missa de Réquiem
na catedral da cidade, em virtude do motu proprio do Papa Francisco; isto fez
com que os fiéis desejosos desta Missa a mandassem celebrar, também em Estrasburgo,
pela Fraternidade Sacerdotal de São Pio X.
Há um grande grupo de católicos que permanecem ligados à devoção ao soberano
que foi decapitado pelos revolucionários franceses, num acto que foi descrito,
pelo Papa Pio VI, como um verdadeiro martírio do «cristianíssimo Rei».
Na sua alocução Quare lacrymæ, de 17 de Junho de 1793, o
Pontífice, perseguido por Napoleão Bonaparte, declarou: «Não Nos convém mais
expressarmos com gemidos, em vez de palavras, aquela imensa dor da alma que
temos de vos mostrar, ao expormos o que aconteceu, em Paris, no dia 21 de Janeiro
deste ano? Um espectáculo horrendo de crueldade e de barbárie! Pela conspiração
de homens ímpios, o cristianíssimo Rei Luís XVI foi condenado à morte e a
sentença foi imediatamente executada. [...] Não podemos, todavia, passar em
silêncio todas as virtudes que resultam do seu testamento, escrito pela sua
própria mão, que revela o íntimo da sua alma, e que foi depois divulgado em
todo o lado na imprensa. Que virtude há nele; que zelo e amor pela Religião
católica! Que testemunho de verdadeira piedade para com Deus! Quanta dor,
quanto arrependimento por ter tido de colocar a sua assinatura sob actos
contrários à disciplina e à verdadeira Fé da Igreja! Quase submerso sob as
ondas de tantas adversidades cada vez mais prementes, podia repetir as palavras
do Rei de Inglaterra Jaime I: “que ele foi caluniado em todas as assembleias
populares não porque tivesse cometido qualquer crime, mas apenas porque era o
Rei; o que era considerado o pior de todos os crimes”. [...] foi preciso
descobrir que tais frutos derivavam em França dos livros malignos, como de uma
árvore venenosa. Foi escrito na vida do infame Voltaire que o género humano lhe
devia estar eternamente grato por ter sido o primeiro defensor da revolução geral,
tendo exaltado os povos a reconhecer as suas reivindicações de liberdade e a usar
as suas forças para derrubar o formidável bastião do despotismo, isto é, o
poder religioso e sacerdotal, sobrevivendo o qual – diziam – o jugo da tirania
nunca seria derrotado, porque ambas as autoridades estão tão intimamente
ligadas, que uma vez derrubada uma, a outra deveria necessariamente cair».
Era o dia 21 de Janeiro de 1793 quando, às seis da manhã, Luís XVI assistiu à
sua última Missa, depois da qual ouviu o decreto da sua condenação para se
encaminhar para a pena capital à ordem: “Marchemos!”. Entregou o seu testamento
e alguns objectos ao acompanhante, entre os quais a aliança de casamento para
ser dada à sua esposa Maria Antonieta. Subiu, então, para uma carruagem, leu as
orações dos moribundos e invocou a Santíssima Trindade. Um Rei católico que
morria precisamente porque era tal: no dia da sua coroação tinha prometido
proteger a Igreja, continuando a acção iniciada por Clóvis, baptizado em 496.
Lê-se no testamento de Luís XVI: «Morro na união da nossa Santa Mãe Igreja
Católica, Apostólica e Romana, que tem a sua Potestade para uma sucessão
ininterrupta depois de São Pedro, a quem Jesus Cristo a confiou». O carro
chegou à Praça da Concórdia e o soberano subiu as escadas até à guilhotina. Gritou
ao povo a sua inocência, implorando a Deus que o seu sangue não caísse sobre a
França, e, depois, foi ordenado que tocassem os tambores para cobrir a sua voz.
O seu assistente espiritual, Padre Edgeworth, admirado pela sua Fé e pelo seu
comportamento, disse: “Filho de São Luís, sobe ao céu!”.
A Revolução Francesa espezinhou não só a autoridade secular, mas também a
autoridade divina. Os governos mudaram desde então, um após outro, «mas a
carta insurrecional dos direitos humanos, hipócrita confiscação dos direitos de
Deus, permaneceu, infelizmente, intangível até hoje», assim escreveu o
Padre Xavier Beauvais, da FSSPX, na revista L’Acampado (n.º 177 – Janeiro
de 2022). «Sim, a democracia francesa nasceu do sangue de um rei mártir. O
rei bondoso, disse Léon Daudet, identificava-se com o seu país, a família real
com a família francesa; era esta pátria, era esta família que queriam degolar
de acordo com as famosas palavras do sinistro Danton pronunciadas no julgamento
farsante de Luís XVI: “Não queremos julgar o rei, queremos matá-lo”». Uma
coisa deve ser dita: o sangue do Rei mártir e o dos outros mártires católicos
caiu sobre a França, porque esta nação não dorme tranquila desde então.
Mas também é preciso dizer que Luís XVI não teve a força e a determinação de
reagir ao devastador e desenfreado pensamento iluminista, que ele próprio
respirou, e, por isso, fez, por fraqueza e miopia, concessões ao espírito liberal,
que rapidamente se tornou cada vez mais voraz. O sucesso de Luís XVI na
política externa, tal como a independência da América e o renascimento colonial
da França, não foi certamente suficiente para o creditar aos jacobinos: representava
os valores tradicionais, a sujeição ao Deus Uno e Trino, o direito natural e o
direito divino, todas as realidades que se tinham tornado extremamente odiosas
para a inteligência iluminista e para a mentalidade dos direitos dos citoyens,
essa mentalidade fanática e assassina que inaugurou na Vendeia a época dos
genocídios da era moderna e cujo povo derramou o próprio sangue pelo Altar e
pelo Trono.
O tribunal dos homens não é o de Nosso Senhor e as Suas testemunhas têm um
método muito especial e não se voltam contra os seus perseguidores, da mesma
forma que Luís XVI manifestou o seu pleno perdão antes do martírio, que lavou
todos os seus pecados num instante. Ele disse textualmente: «Rezo para que
Deus perdoe a França como eu a perdoo a ela». Fica-se espantado com a
paciência e a força dos mártires, que não se enfurecem nem odeiam os seus
algozes e, seguindo o exemplo de Cristo na Cruz, perdoam. É o próprio Cristo
que dá aos mártires a coragem e a força para entrar serenamente no Reino dos
Céus apesar do massacre que se leva a cabo à sua volta. E assim a dança macabra e
demoníaca terrena sucumbe e transforma-se nos cânticos angélicos no Céu, que vê
enriquecidas as suas fileiras de santos.
Tiranos ávidos de sangue com os nomes de Marat, Danton, Robespierre... realizavam
os seus actos abomináveis contra a justiça, seja divina ou humana, enquanto fileiras
de católicos perderam as suas vidas no cadafalso, incluindo o seu soberano, que
soube perdoar, dando exemplo do que é Caridade heróica. O seu próprio carrasco,
Charles-Henri Sanson – executor material de 2.918 decapitações nos anos da Revolução
–, dá um testemunho claro de como morreu heroicamente Luís XVI. Uma oração que
foi recitada no Palácio das Tulherias e, depois, na Torre do Templo, onde a
Família Real foi presa e onde o pequeno herdeiro do trono, o delfim Luís Carlos
de Bourbon, encontrou uma horrível “hospitalidade” e a morte, invocava nestes
termos a Santíssima Virgem Maria pelo Rei: «Mudai os corações dos ímpios,
restaurai a religião no seu primeiro esplendor, reinai soberana» e «fazei-lhes
merecer uma coroa mais brilhante e mais sólida do que as mais belas coroas da
terra». Esta oração foi recordada a 21 de Janeiro, na apinhada Igreja de
Saint-Nicolas-du-Chardonnet (no centro de Paris, dirigida por sacerdotes da FSSPX),
durante a Missa de Réquiem pelo soberano mártir, na qual se rezou para reparar
as iniquidades do passado que produziram as presentes na legislação, nos meios
de comunicação social e na educação de uma juventude a quem se procura negar a
sua verdadeira História.
Cristina Siccardi
Através de Corrispondenza Romana
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