Pureza de Coração

Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!      

Caros irmãos e irmãs em Cristo,       

A nossa vida quotidiana em Nosso Senhor Jesus Cristo é uma luta difícil entre a procura da verdadeira felicidade que Ele nos oferece livremente e o engano pela falsa felicidade que nos é vendida, à custa da nossa liberdade, por um mundo sobrecarregado com os efeitos do Pecado Original. O Sagrado Coração de Jesus assegura-nos diariamente que só o amor incessante e imensurável, que flui do Seu glorioso Coração trespassado, nos nossos corações nos traz alegria nesta vida, salva-nos do pecado e conduz-nos em segurança ao nosso verdadeiro destino, a Vida Eterna, a plenitude de alegria e paz na Sua companhia para sempre.      

Contudo, permanecendo herdeiros do pecado dos nossos Primeiros Pais, herdeiros de uma natureza caída, sofremos a constante tentação de fechar os nossos corações, recusando aceitar o amor salvador, que flui do Seu glorioso Sagrado Coração. Quando cedemos à tentação, cometemos uma ofensa que tem sido repetida pelos filhos de Deus em todas as épocas. Lemos na Sagrada Escritura o lamento de Nosso Senhor sobre a nossa pecaminosidade: «Durante quarenta anos essa geração desgostou-me e Eu disse: “É um povo de coração transviado, que não compreendeu os meus caminhos!”. Então jurei na minha ira: “Não entrarão no lugar do meu repouso”.» (Sl 95, 10-11; cf. Heb 3, 10). Os Impropérios, os Improperia, cantados durante a Liturgia da Paixão de Nosso Senhor, na Sexta-feira Santa, reflectem, de forma particularmente impressionante, a nossa rebelião orgulhosa e ingrata perante o amor puro e desinteressado de Deus, encarnado na Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão de Deus Filho Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo. Recordamos as palavras de Nosso Senhor a Santa Margarida Maria, quando lhe mostrou o Seu Sagrado Coração: «Eis o Coração que tanto amou os homens, que nunca se poupou, até se esgotar e se consumir para lhes demonstrar o Seu amor. E como reconhecimento eu só recebo da maior parte dos homens ingratidões, pelas suas irreverências e seus sacrilégios, e pelas friezas e os desprezos que têm para comigo neste sacramento de amor [o Santíssimo Sacramento da Sagrada Eucaristia]» (Nosso Senhor a Santa Margarida Maria Alacoque, Junho de 1675).        

O venenoso e, por fim, letal erro de fechar o nosso coração humano ao Sagrado Coração de Nosso Senhor, à Sua incessante e imensurável efusão de amor, leva-nos a uma busca da felicidade em lugares onde ela nunca poderá ser encontrada. Leva-nos a abandonar a santidade de vida em Cristo, o caminho seguro para a felicidade, a fim de perseguir a nossa realização em lugares profanos, lugares onde somos espoliados da nossa liberdade e acabamos por ser destruídos. A cultura contemporânea, tão marcada pelos vícios – abuso de álcool e drogas, ganância, abuso de autoridade e poder, promiscuidade sexual, etc. –, manifesta o mortífero e venenoso fruto do nosso abandono do Senhor e do Seu caminho de bem-aventurança. Uma suposta felicidade que é totalmente separada da fonte do Amor Divino não é felicidade alguma. É o engano de Satanás que, como o próprio Nosso Senhor nos ensina, é «assassino desde o princípio» e «pai da mentira» (Jo 8, 44). A sedução para abandonar Nosso Senhor e o Seu Caminho só nos pode prejudicar. De facto, é diabólico.          

Uma sociedade que se rebela contra o plano de Deus para o mundo e para nós, afirmando que nos proporciona segurança e paz para além da Lei Divina, oferece-nos apenas infelicidade e violência. É anti-vida, anti-casamento e anti-família, recusando-se a honrar a dignidade inviolável da inocente e indefesa vida humana e a integridade do seu berço no Matrimónio e da família que forma. O Pai da Mentira é, acima de tudo, sedutor. Aparece com muitos disfarces apelativos. Utiliza uma linguagem atraente que é, efectivamente, dúplice. Se formos tão insensatos a ponto de nos deixarmos enganar pelo seu falso brilho, não encontraremos paz, nem felicidade. Os seus agentes, que são eles próprios sem paz e alegria, estão constantemente a lançar as sementes da confusão e do erro sobre o desejo natural de felicidade que Deus colocou no coração humano para atrair todas as pessoas para Si (Catecismo da Igreja Católica, n.º 1718). Santo Agostinho de Hipona, um homem bem familiarizado com os resultados mortais de seguir os caminhos errados do mundo, dirigiu estas palavras a Nosso Senhor no início das suas Confissões: «Vós é que incitais ao deleite no Vosso louvor, porque nos fizestes para Vós, e o nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em Vós descanso» (Capítulo I). É necessário para nós, como Nosso Senhor nos ensina, manter as nossas mentes e corações atentos à confusão e ao erro: «Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor ao voltar da boda para lhe abrirem a porta quando ele chegar e bater» (Lc 12, 35-36).     

A boa ordem que Deus colocou no coração humano revela-nos o nosso chamamento à felicidade, a uma vida de bem-aventurança ou beatitude. Esta aventurança ou beatitude revela-se-nos plenamente na Encarnação Redentora de Deus Filho, em Jesus Cristo, que nos ensina a realidade do nosso chamamento diário à conversão de vida n’Ele, ao «caminho estreito» Mt 7, 13-14) que nos conduz infalivelmente à plenitude da bem-aventurança no fim da nossa peregrinação terrena. O «caminho estreito» em nenhum aspecto diminui a nossa natureza ou limita a nossa liberdade. Permite antes que a nossa natureza expresse a sua plenitude, obtendo-nos liberdade e paz, conduzindo-nos ao nosso destino eterno, ao nosso viver duradouro com Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – no Céu, na companhia dos Anjos e de todos os Santos. Só Cristo é «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo 14, 6). Só encontramos a paz vivendo em Cristo. Só Cristo nos dá paz (Jo 14, 27) durante a nossa peregrinação terrena, um antegosto da paz perfeita do nosso viver com Ele no Céu. O «sangue e água» que fluem do Seu glorioso Coração trespassado para os nossos corações, sobretudo através dos Sacramentos, purificam-nos de tudo o que é falso, odioso e mortal (Jo 19, 34). Animam-nos com Verdade e Amor Divinos, de modo que, como Nosso Senhor prometeu, «rios de água viva» fluirão dos nossos corações (Jo 7, 38) como uma bênção para os outros e para o mundo.          

Nosso Senhor resumiu todo o Seu ensinamento, o Seu caminho, no Sermão da Montanha e, sobretudo, nas bem-aventuranças (Mt 5, 1-12; Catecismo da Igreja Católica, n.º 1716). Ele ensinou-nos o que significa envolver-se diariamente na luta de viver n’Ele, de modo a partilhar com Ele a glória eterna. Cada bem-aventurança ajuda-nos a procurar Deus acima de tudo e, assim, a pensar, falar e agir de uma forma que rejeita as falsas promessas do mundo, que limita sempre mais a miséria da situação cultural dos nossos dias – uma situação marcada pela mais profunda confusão e erro sobre as verdades mais fundamentais da lei moral e da nossa fé, uma confusão e erro que se manifestam na corrupção da vida cristã. Quão oportunas são as palavras inspiradas do Salmista: «É um povo de coração transviado» (Sl 95, 10).   

A vida das bem-aventuranças purifica os nossos corações de atitudes, pensamentos e acções rebeldes. No seu núcleo está a declaração e promessa: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8). Por meio de um coração puro, entregamos os nossos corações completamente ao Coração de Deus que se fez carne no Sagrado Coração de Jesus. Por meio de um coração puro, isto é, um coração completamente unido ao glorioso Coração trespassado de Jesus, encontramos a verdadeira felicidade e paz. Por meio de um coração puro, descansamos os nossos corações no Coração de Jesus, para que possamos ser purificados dos pecados do orgulho e da rebelião, e possamos ser fortificados com o Seu amor puro e altruísta.

Vemos o modelo de união do coração com o Coração de Jesus no Imaculado Coração de Maria. No seu amor materno, Ela conduz-nos constantemente no caminho da total conformidade do coração com o Coração do Seu Divino Filho: «Fazei o que Ele vos disser!» (Jo 2, 5). São José, com paternal cuidado por nós, especialmente pela nossa santa morte, mostra-nos a pureza e a justiça de quem quer servir a Cristo sozinho. Ele está sempre pronto a interceder por nós, em tempos de grande provação e tentação, para que permaneçamos na verdade e no amor de Cristo. Mesmo o Faraó pagão, sob a inspiração do Espírito Santo, comandou o povo no seu tempo de angústia: «Ide ter com José; fazei o que ele vos disser» (Gn 41, 55). O Patriarca José prefigurou a missão e vocação de São José, Pai Nutrício de Jesus e Verdadeiro Esposo da Virgem Maria. Assim, também nós seguimos a ordem: “Ide a José”, “Ite ad Joseph”.   

No meu próximo boletim informativo, que será publicado na primeira semana de Fevereiro, desejo explorar mais profundamente o significado de ser puro de coração enquanto a Igreja se prepara para entrar no Tempo da Quaresma, o tempo de forte graça para a conversão das nossas vidas.           

Implorando a Nosso Senhor, através da intercessão de Nossa Senhora de Guadalupe, que vos abençoe, aos vossos lares, às vossas famílias e a todos os vossos trabalhos, permaneço Vosso, no Sagrado Coração de Jesus e no Imaculado Coração de Maria, e no Puríssimo Coração de São José,

Raymond Leo Cardeal Burke

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