De forma absolutamente obcecada
contra tudo aquilo que é Sagrado, o Arcebispo Arthur Roche, Prefeito da
Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, publicou, com o
expresso consentimento de Francisco, uma série de respostas a dúvidas que, pelo
menos alegadamente, foram dirigidas à referida Congregação a respeito do motu
proprio Traditionis Custodes, de Julho de 2021, que ataca ferozmente a
Liturgia Tradicional. O Arcebispo Carlo Maria Viganò, que tem vindo a denunciar
corajosamente os erros espalhados pela igreja bergogliana, redigiu uma
declaração que, a seu pedido, o portal Dies Iræ traduziu e publica em exclusivo para
língua portuguesa.
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Vos estis qui justificatis vos coram hominibus:
Deus autem novit corda vestra:
quia quod hominibus altum est,
abominatio est ante Deum.
Lc 16, 15
Lendo as Responsa ad Dubia recentemente publicadas pela
Congregação para o Culto Divino, perguntamo-nos a que níveis a Cúria Romana foi
capaz de descer para poder secundar Bergoglio com tal subserviência, numa guerra
cruel e impiedosa contra a parte mais dócil e fiel da Igreja. Nunca, nas
últimas décadas de gravíssima crise da Igreja, a autoridade eclesiástica se
mostrou tão determinada e severa: não o fez com os teólogos hereges que
infestam as Pontifícias Universidades e os Seminários; não o fez com clérigos e
Prelados fornicadores; não o fez punindo exemplarmente os escândalos de Bispos
e Cardeais. Mas contra os fiéis, os sacerdotes e os religiosos que só pedem
para poder celebrar a Santa Missa tridentina, nenhuma piedade, nenhuma misericórdia,
nenhuma inclusividade. Todos irmãos?
Nunca como sob este “pontificado” foi tão perceptível o abuso de poder por parte
da autoridade, nem mesmo quando dois mil anos de lex orandi foram
imolados por Paulo VI no altar do Vaticano II, impondo à Igreja um rito tão
equívoco quanto hipócrita. Aquela imposição, a que correspondia a proibição de
celebrar no antigo rito e a perseguição dos dissidentes, tinha, pelo menos, o
álibi da ilusão de que uma mudança talvez melhorasse a sorte do catolicismo
face a um mundo cada vez mais secularizado. Hoje, após cinquenta anos de
imensas catástrofes e quatorze anos de Summorum Pontificum, essa frágil
justificação não só deixou de ser válida, como a sua inconsistência foi
derrotada pela evidência dos factos. Tudo o que o Concílio trouxe de novo revelou-se
danoso, esvaziou igrejas, seminários e conventos, destruiu as vocações
eclesiásticas e religiosas, dessecou todos os impulsos espirituais, culturais e
civis dos católicos, humilhou a Igreja de Cristo e confinou-a às margens da
sociedade, tornando-a patética na sua tentativa desajeitada de agradar ao
mundo. E vice-versa, desde que Bento XVI procurou sanar aquele vulnus reconhecendo
plenos direitos à liturgia tradicional, as comunidades ligadas à Missa de São
Pio V multiplicaram-se, os seminários dos Institutos Ecclesia Dei
cresceram, as vocações aumentaram, a assistência dos fiéis aumentou, e a vida
espiritual de muitos jovens e de tantas famílias encontrou um impulso
inesperado.
Que lição se deveria ter tirado desta “experiência da Tradição” invocada no seu
tempo também por Mons. Marcel Lefebvre? O mais óbvio e, ao mesmo tempo, o mais
simples: o que Deus deu à Igreja está destinado a ser bem-sucedido e o que o homem
lhe acrescenta colapsa miseravelmente. Uma alma não obcecada pela fúria
ideológica teria admitido o erro cometido, procurando reparar os danos e
reconstruir o que, entretanto, tinha sido destruído, para restaurar o que tinha
sido abandonado. Mas isto requer humildade, um olhar sobrenatural e confiança
na providencial intervenção de Deus. Requer também a consciência, por parte dos
Pastores, de que são administradores dos bens do Senhor e não senhores: não têm
o direito nem de os alienar, nem de os esconder, nem de os substituir pelas
suas próprias invenções; devem limitar-se a guardá-los e a pô-los à disposição
dos fiéis, sine glossa, e com o pensamento constante de que devem
responder perante Deus por cada ovelha e cada cordeiro do Seu rebanho. Admoesta
o Apóstolo: «Hic jam quæritur inter dispensatóres, ut fidélis quisiátur»
(I Cor 4, 2), «o que se requer dos administradores é que sejam fiéis».
As Responsa ad Dubia são coerentes com Traditionis Custodes e
explicitam a natureza subversiva deste “pontificado”, no qual o poder supremo
da Igreja é usurpado para alcançar um propósito diametralmente oposto àquele
para o qual Nosso Senhor constituiu em autoridade os Sagrados Pastores e o Seu
Vigário na terra. Um poder inócuo e rebelde Àquele que o instituiu e que o
legitima, um poder que se acredita fide solutus, por assim dizer, de
acordo com um princípio intrinsecamente revolucionário e, portanto, herético.
Não o esqueçamos: a Revolução reivindica para si um poder que se justifica pelo
simples facto de ser revolucionário, subversivo, conspiratório e antitético ao
poder legítimo que pretende derrubar; e que assim que chega a assumir cargos
institucionais é exercido com autoritarismo tirânico, precisamente porque não é
ratificado nem por Deus nem pelo povo.
Permitam-me que sublinhe um paralelo entre duas situações aparentemente sem
ligação. Tal como na presença de uma pandemia são negados os tratamentos
eficazes, com a imposição de uma “vacina” inútil, ou melhor, prejudicial e mesmo
letal; assim a Santa Missa tridentina, verdadeiro remédio para a alma numa
época gravíssima de pestilência moral, é culpavelmente negada aos fiéis,
substituindo-a pelo Novus Ordo. Os médicos do corpo falharam no seu
dever, mesmo na presença de tratamentos, e impuseram um soro experimental tanto
aos doentes como aos saudáveis, obstinando-se em administrá-lo apesar das
provas da sua total ineficácia e dos efeitos adversos. Analogamente, os sacerdotes,
médicos da alma, traem o seu mandato, embora na presença de um fármaco infalível
testado durante mais de dois mil anos, e fazem de tudo para impedir que aqueles
que experimentaram a sua eficácia possam usá-lo para se curarem do pecado. No
primeiro caso, as defesas imunitárias do corpo são enfraquecidas ou anuladas
para criar doentes crónicos à mercê das empresas farmacêuticas; no segundo
caso, as defesas imunitárias da alma são comprometidas por uma mentalidade
mundana e pelo cancelamento da dimensão sobrenatural e transcendente, de modo a
deixar as almas indefesas contra os assaltos do Demónio. E isto aplica-se como
resposta àqueles que pretendem enfrentar a crise religiosa sem considerar a
crise social e política em paralelo, porque é justamente esta dualidade de
ataque que a torna tão terrível e revela a sua mente criminosa única.
Não quero entrar no mérito dos delírios das Responsa: basta conhecer a ratio
legis para rejeitar Traditionis Custodes como um documento
ideológico e faccioso, redigido por pessoas vingativas e intolerantes, cheio de
veleidades e de grosseiros erros canónicos, com a intenção de proibir um rito
canonizado por dois mil anos de Santos e Pontífices e de impor um espúrio,
copiado dos luteranos e atamancado pelos modernistas, que em cinquenta anos
causou um enorme desastre ao corpo eclesial e que, exactamente devido à sua
eficácia devastadora, não deve conhecer derrogações. Não há apenas a culpa: há
também a malícia e a dupla traição ao divino Legislador e aos fiéis.
Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos voltam a ter de fazer uma escolha de
campo: ou com a Igreja Católica e a sua doutrina bimilenária e imutável, ou com
a igreja conciliar e bergogliana, com os seus erros e os seus ritos
secularizados. E isto acontece numa situação paradoxal em que a Igreja Católica
e a sua contrafacção coincidem na mesma Hierarquia, à qual os fiéis sentem que
devem obedecer como expressão da autoridade de Deus e, ao mesmo tempo, desobedecer
enquanto traidora e rebelde.
É claro que não é fácil desobedecer ao tirano: as suas reacções são impiedosas
e cruéis; mas as perseguições muito piores foram as que os católicos tiveram de
sofrer ao longo dos séculos quando tiveram de enfrentar o arianismo, a
iconoclastia, a heresia luterana, o cisma anglicano, o puritanismo de Cromwell,
o laicismo maçónico da França e do México, o comunismo soviético, da Espanha, do
Camboja, da China… Quantos Bispos e sacerdotes foram martirizados,
encarcerados, exilados. Quantos religiosos massacrados, quantas igrejas
profanadas, quantos altares destruídos. E tudo isto porquê? Porque os Sagrados
Ministros não quiseram renunciar ao tesouro mais precioso que Nosso Senhor nos
deu: a Santa Missa. A Missa que Ele ensinou a celebrar aos Apóstolos, que os
Apóstolos passaram aos seus Sucessores, que os Papas preservaram e restauraram,
e que sempre esteve no centro do ódio infernal dos inimigos de Cristo e da
Igreja. Pensar que aquela Santa Missa, pela qual os missionários enviados a
terras protestantes ou os sacerdotes presos nos gulags arriscavam as suas
vidas, é agora proibida pela Santa Sé, é motivo de dor e de escândalo, assim
como uma ofensa aos Mártires que defenderam aquela Missa até ao último suspiro.
Mas só aqueles que acreditam, amam e esperam podem compreender estas coisas. Só
aqueles que vivem de Deus.
Quem se limita a expressar reservas ou críticas a Traditionis Custodes e
às Responsa cai na armadilha do adversário, porque reconhece a
legitimidade de uma lei ilegítima e inválida, querida e promulgada para humilhar
a Igreja e os seus fiéis, a despeito dos “tradicionalistas” que ousam opor-se
nada menos do que a doutrinas heterodoxas condenadas até ao Concílio Vaticano
II, por esse feitas suas e, hoje, ascendidas a cifra do pontificado bergogliano.
Traditionis Custodes e as Responsa devem ser simplesmente
ignorados, devolvidos ao remetente. Devem ser ignorados porque é clara a
vontade de punir os católicos que permaneceram fiéis, de os dispersar, de os
fazer desaparecer.
Fico assombrado diante da subserviência de tantos Cardeais e Bispos que, para
agradar a Bergoglio, espezinham os direitos de Deus e das almas que lhes foram
confiadas, e que fazem questão de mostrar a sua aversão à Liturgia “pré-conciliar”,
considerando-se dignos de louvor público e da aprovação vaticana. A estes são
dirigidas as palavras do Senhor: «Vós pretendeis passar por justos aos olhos
dos homens, mas Deus conhece os vossos corações. Porque o que os homens têm por
muito elevado é abominável aos olhos de Deus» (Lc 16, 15).
A resposta coerente e corajosa a um gesto tirânico da autoridade eclesiástica
deve ser a resistência e a desobediência a uma ordem inadmissível. Resignar-se
a aceitar esta enésima vexação significa acrescentar mais um precedente à longa
série de abusos até agora tolerados e, com a própria obediência servil, tornar-se
responsáveis pela manutenção de um poder que é um fim em si mesmo.
É necessário que os Bispos, Sucessores dos Apóstolos, exerçam a sua sagrada
autoridade, em obediência e fidelidade à Cabeça do Corpo Místico, para pôr fim
a este golpe de estado eclesiástico que se consumou diante dos nossos olhos. Exige-o
a honra do Papado, hoje exposto ao descrédito e à humilhação por aquele que
ocupa o Sólio de Pedro. Exige-o o bem das almas, cuja salvação é a suprema
lex da Igreja. Exige-o a glória de Deus, com respeito à qual nenhum
compromisso é tolerável.
O Arcebispo polaco Mons. Jan Paweł Lenga disse que é tempo de uma
contra-revolução católica, se não queremos ver a Igreja afundar-se sob as
heresias e os vícios dos mercenários e dos traidores. A promessa do Non
prævalebunt não exclui minimamente, na verdade, exige e pretende uma acção
firme e corajosa não só da parte dos Bispos e dos sacerdotes, mas também dos
leigos, que, hoje como nunca, são tratados como súbditos, apesar dos fátuos
apelos à actuosa participatio e ao seu papel na Igreja. Tomemos nota: o clericalismo
atingiu o seu auge sob o “pontificado” de quem hipocritamente nada mais faz
do que estigmatizá-lo.
† Carlo Maria Viganò, Arcebispo
2 Comentários
Muito bom!
ResponderEliminarAbbiamo bisogno di canonisti preparati.
ResponderEliminar«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
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