O período que antecedeu o Natal foi
marcado, como se recordará, pelo projecto de documento europeu que proibia o
uso da palavra Natal para se ser inclusivo para com aqueles que pensam de forma
diferente, ou seja, que aderem a outras religiões ou sem nenhuma religião. O
documento foi posteriormente retirado, mas não pensem que não será reproposto
em devido tempo, nem que o simples facto de o ter proposto não teve
consequências na indicação de um comportamento. De facto, o Primeiro-Ministro
espanhol Sanchéz aplicou essa disposição, apesar de ter sido retirada, e evitou
utilizar a palavra “Navidad” nas suas saudações. Os processos de mentalidade e de
práticas induzem-se mesmo com documentos retirados.
Recordar-se-á também que Francisco comentou esse documento dizendo que era «anacrónico»,
porque, hoje, a União Europeia admite o pluralismo religioso. Não disse que é
errado por esta razão, mas que é anacrónico, quer dizer, não está em sintonia
com os tempos, não corresponde à situação existente hoje. No entanto, o
conceito de “anacrónico” não é capaz de deslegitimar qualquer princípio ou
comportamento. O julgamento de anacronismo é uma simples constatação de facto e
não de direito, diz que algo está lá, mas não diz por que está lá e se é certo
ou errado que esteja lá. O anacronismo não emite um juízo baseado num dever ser
(as coisas estão assim, mas deveriam estar assim...) mas tem em conta apenas o
que é factual. O comentário de Francisco, portanto, não julga negativamente em
si mesmo o possível dispositivo do documento para evitar a palavra Natal, nem
justifica positivamente em si mesmo a razão pela qual a palavra Natal pode e
deve ter uma utilização pública.
Um juízo baseado na avaliação do anacronismo é “cronolatria”, como até Maritain
tinha criticado na sua última obra, O Camponês do Garona. A cronolatria
é uma forma de idolatria do presente. Mas o presente só dura um instante.
Assim, a cronolatria é forçada a mudar constantemente o que considera ser verdadeiro
e bom. Se o conceito de “anacronismo” for utilizado para justificar o uso
público da palavra Natal, então é preciso estar consciente de que a situação
presente, que agora serve de critério, pode ser diferente amanhã e pode já nem
sequer permitir o actual pluralismo religioso. Nessa altura, será necessário
aceitar a proibição de dizer Natal.
Se depois entrarmos no mérito do pluralismo religioso erecto a critério para
julgar a legitimidade de dizer Natal em público, há que reconhecer que foi
precisamente o conceito de pluralismo religioso que impulsionou os autores do
documento acima mencionado e, agora, o Primeiro-Ministro espanhol. Eles gostariam
de proibir a palavra Natal por respeito às outras religiões. Trata-se da versão
do pluralismo religioso que envolveria a expulsão dos símbolos religiosos – mesmo
uma palavra é um símbolo – do espaço público. Mas assim torna-se difícil
adoptar o pluralismo religioso como garantia de validade do uso da palavra
Natal se for precisamente por causa do pluralismo religioso que se pretende
proibir o seu uso. Por outras palavras, o pluralismo religioso não permite que
se funde a legitimidade do uso da palavra Natal. Aqueles que utilizam o
argumento do actual pluralismo religioso, seja porque é actual ou porque é
pluralismo religioso, e, desta forma, o reforçam e promovem a sua extensão no
tempo, condenam a palavra Natal a não ter qualquer justificação para a sua
utilização em público e a ser eliminada, se não hoje, amanhã.
Deve também acrescentar-se que, com esta justificação, a visão cristã do Natal
é colocada ao mesmo nível dos princípios das outras religiões, deixando de ter
algo a dizer a todos. Se o motivo da liceidade pública da sua utilização for a
existência de facto do pluralismo religioso, utilizar esta palavra tornar-se-á
significativo não para todos, mas apenas para os crentes da religião cristã.
Não poderá, pois, ter uma verdadeira reivindicação pública, continuará a
ser uma reivindicação privada de alguns. Não terá a pretensão de indicar uma
perspectiva que inclua mesmo as (poucas ou muitas) verdades presentes algures,
mas apenas verdades relativas, parciais, de alguns e para alguns. Verdades que
permanecerão prisioneiras desse pluralismo religioso assumido para justificar a
sua expressão pública com a palavra Natal. Se, efectivamente, a palavra Natal indicasse
uma verdade única e absoluta, teria de cultivar não só uma animação cristã do
pluralismo religioso, mas uma verdadeira proclamação que relega todas as outras
religiões para segundo plano, propondo-se como única. O que, obviamente, iria
entrar em conflito com o pluralismo religioso e provocaria uma reacção violenta
por parte das instituições europeias.
Se, finalmente, se dissesse que a palavra Natal expressa os valores humanos de
paz, justiça e fraternidade, que são naturalmente comuns a todos, degradar-se-ia
o Natal a humanismo genérico e tratar-se-ia de uma nova forma de naturalismo
que coloca em segundo plano e obscurece a sobrenaturalidade do evento.
Stefano Fontana
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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