Na altura, as questões sobre o futuro
das comunidades pertencentes à ex-Ecclesia Dei tinham ficado na nebulosa
e também não tinham sido abordadas no Motu Proprio – aparentemente, os próprios
actores não eram claros sobre os seus planos a este respeito. Isto parece ter mudado,
entretanto. Os “círculos informados”, que gostam de citar fontes sem mais detalhes,
esperam que as medidas comecem antes do final deste ano, o que conduziria estas
comunidades sacerdotais «de volta à única forma de celebrar o rito romano»,
segundo essa bela expressão dos neo-orwellianos romanos. O assunto é
considerado urgente porque no círculo de autores de TC prevaleceu a opinião de
que os regulamentos para a implementação do motu proprio, regulamentos há muito
aguardados, só poderão ser formulados e implementados quando o “problema” das
comunidades sacerdotais tiver sido “resolvido”, pelo menos em princípio.
De acordo com as nossas informações, não se espera actualmente uma lei especial
sobre esta matéria. Aparentemente, Roma pensa que o estatuto das comunidades
como “sociedades de direito pontifício” concede imediatamente a possibilidade
de entrar nelas. Para este fim, poderiam ser nomeados “delegados papais” que,
embora não substituíssem o actual superior, como o faria um comissário designado
pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, resultariam igualmente
superiores a ele. Estes delegados papais instruiriam os superiores para tomarem
todas as medidas que sejam necessárias para «reconciliar as suas comunidades
com o espírito do Concílio» e, como primeiro passo fundamental nessa
direcção, ordenarem a celebração da liturgia reformada. Nesta base, poderiam desenvolver-se
planos para a sua inclusão no cuidado pastoral, em colaboração com os bispos
locais.
No entanto, para a celebração pública da Missa Tridentina, os sacerdotes das
comunidades – se é que compreendemos correctamente as nossas fontes – não
seriam considerados. Esta tarefa, que só se levaria a cabo por misericórdia
pastoral e por tempo limitado, seria realizada por forças do clero diocesano
que tenham demonstrado a sua lealdade ao Concílio. Além disso, no que respeita
às comunidades, fala-se da possibilidade de conceder “excepções” que permitam aos
sacerdotes, pelo menos a certos sacerdotes individuais das comunidades, e
durante um período transitório, continuar a celebrar internamente, ou não de
forma pública, de acordo com o Missal de 1962 – estritamente regulamentado e na
condição de bom comportamento em tudo o resto. Segundo parece, a administração
de outros sacramentos na forma pré-conciliar não está a ser contemplada em
nenhum caso.
Não seria mandato dos “delegados papais” negociar de forma alguma com as
comunidades ou com os seus superiores a decisão fundamental de fazer a transição
para o Novus Ordo. De facto, a falta de diálogo entre o Papa e as
comunidades estabelecidas pelos seus antecessores para manter a liturgia
tradicional, ou os seus defensores, como os Cardeais Burke, Brandmüller, Zen,
ou Müller, é talvez a característica mais marcante de todo este processo:
realiza-se de uma forma autoritária, mesmo ditatorial, da qual existem poucos
exemplos, mesmo na história papal dos tempos antigos. Contudo, é precisamente
esta forma que está de acordo tanto com o carácter desenfreado e despótico de
Francisco como com a falta de ideias e argumentos da teologia e liturgia
pós-conciliares, que até agora conseguiram desenvolver um certo poder
persuasivo apenas nos lugares onde, sob influência modernista e secularista,
são feitas tentativas de se emanciparem dos elementos fundamentais dos
ensinamentos tradicionais dos apóstolos.
Este ponto de divergência concebe perspectivas extremamente desagradáveis para
o desenvolvimento a curto e médio prazo. É de esperar que os “delegados papais”
consigam persuadir, pelo menos, certas partes e, provavelmente, também líderes de
algumas comunidades a submeterem-se à sua própria e distorcida visão da
obediência. É mais difícil conceber que todos ou, pelo menos, a grande maioria
dos membros os sigam; as comunidades romper-se-ão. Isso também poderia estar de
acordo com a estratégia papal. A ruptura terá um efeito ainda maior nas
comunidades tradicionais. As pessoas comuns estão muito zangadas por ver como a
sua amada Igreja Católica está a ser transformada numa agência ecologista de
esquerda, segundo o espírito deste tempo, por parte de bispos infiéis nas suas
regiões e oficiais curiais em Roma, viciados na mania da modernização. A actual
ruptura entre os campos secularista-universalista e o “simples católico” na
Igreja irá aprofundar-se – e essa ruptura vai, certamente, para além dos
seguidores da Missa Tridentina. Poderia acontecer que Francisco – tal como
deixou escapar num estranho momento de lucidez e verdade – passasse para a
história como «o Papa que dividiu a Igreja».
Os defensores da tradição apostólica não devem facilitar apresentando da sua
parte ostensivos actos cismáticos. Segundo S. Mateus (10, 16), o Senhor exorta
os seus discípulos a serem «prudentes como as serpentes e simples como as
pombas» Este duplo conselho não é fácil de conciliar – mas essa é,
precisamente, a tarefa.
Michael Charlier
Através de Rorate Cæli
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