Particularmente ao longo do último meio século,
a eleição dos Sumos Pontífices tem suscitado muitas controvérsias, alimentado
paixões e provocado longas e, na maioria das vezes, inconclusivas discussões. É
inegável a pressão que diversos grupos têm levado a cabo para influenciar e
condicionar a acção vaticana, sendo conhecida a máfia de São Galo, a ala
ultraprogressista da Igreja em que se contavam nomes como os dos Cardeais
Martini, Silvestrini e Bergoglio, o actual Papa Francisco. Para contribuir para
esta ampla e complexa questão, a cronista Julia Meloni, que se tem dedicado ao
estudo específico do grupo de São Galo, publicou recentemente a obra A Máfia
de São Galo – Expondo o grupo reformador secreto dentro da Igreja, ainda
não disponível em português, a que o portal Dies Iræ já teve acesso. Ao longo
das cerca de duas centenas de páginas, a autora faz revelações que ajudarão o
leitor a compreender alguns dos factores que têm fortemente contribuído para a
profunda crise que abala a Igreja Católica. O portal Dies Iræ entrevistou, em
exclusivo, Julia Meloni, tendo agora o grato prazer de oferecer o resultado da
entrevista aos seus leitores.
1. Permita-nos, antes de mais, que lhe
agradeçamos pela grande honra que nos concede ao dar-nos esta entrevista em
exclusivo. O que a levou a escrever o livro A Máfia de São Galo – Expondo o
grupo reformador secreto dentro da Igreja?
Fiquei fascinada e perturbada pela
máfia de São Galo desde que li, pela primeira vez, O Papa Ditador, de
Henry Sire, cujo primeiro capítulo é sobre a máfia. Depois de escrever uma
série de artigos relacionados com a máfia para a Crisis Magazine,
comecei a pensar em como não existia um minucioso livro de investigação da
máfia em inglês e como precisávamos de um cronista para reunir o que sabemos
sobre a máfia e contar a sua história.
2. O seu novo livro é um precioso contributo para a complexa questão da
eleição dos Pontífices do último meio século e para a presumível influência que
grupos, como a máfia de São Galo, têm tido em tão delicados processos. O título
que deu ao primeiro capítulo da obra, Guerra, é bastante intrigante. De
que guerra estamos a falar e que tipo de armas são usadas pelos seus artífices?
O título da primeira parte do livro – Guerra – alude a um episódio
do segundo capítulo, Silvestrini. Aí ficamos a saber que um cardeal
anónimo se deparou com o cérebro da máfia, o Cardeal Achille Silvestrini, na
noite da eleição do Papa Bento XVI, em 2005. Segundo o cardeal anónimo,
Silvestrini parecia derrotado e dava a impressão de declarar uma espécie de
guerra contra Bento.
O resto da primeira parte deixa claro como era
esta guerra e quais eram as suas armas. Ficamos a saber, por exemplo, que se
crê que Silvestrini divulgou um diário do conclave que deturpava o número de
votos para Bento, a fim de o desestabilizar. Ficamos também a saber que três
outros membros da máfia estavam a travar as suas próprias guerras: o Cardeal
Carlo Maria Martini, que queria um novo concílio, o Cardeal Walter Kasper, que
queria subversivamente enfatizar a igreja local, e o Cardeal Godfried Danneels,
que queria travar uma guerra contra a Humanæ Vitæ.
3. A certa altura, refere que Jorge Mario Bergoglio, surpreendentemente
considerado por muitos, aquando da sua elevação ao cardinalato, um conservador,
foi apresentado, pelo Cardeal Carlo Maria Martini, falecido Arcebispo de Milão,
ao grupo de São Galo. Todavia, mais adiante, refere que havia um conflito entre
Bergoglio e Martini, ambos jesuítas, dado que este segundo seguia claramente a
linha do célebre P. Pedro Arrupe, s.j., ao passo que o argentino seria mais
“moderado”. Nas vésperas da eleição do Cardeal Joseph Ratzinger, a máfia de São
Galo, reunida no apartamento do Cardeal Achille Silvestrini, considerou
Bergoglio o melhor candidato a assumir a Sede de Pedro. Contudo, tal não
aconteceu, tendo sido eleito o “braço direito” de João Paulo II. Na sua
opinião, Martini ficou mais descansado com a eleição de Ratzinger do que com a
de Camillo Ruini. Não será que também ficou satisfeito por Bergoglio, o seu
“cordial opositor” dentro da máfia, não ter sido eleito na altura?
Penso que Martini, com base nas provas que temos de Nicholas Diat, certamente
não quis apoiar Bergoglio e, portanto, deve ter sentido algum alívio quando o
latino-americano não foi eleito. E, sim, vários observadores do Vaticano
sugerem que Martini preferiu transferir os seus votos para Ratzinger, no final,
para evitar um resultado pior – nomeadamente, a ascensão de Ruini ao Papado.
4. É possível demonstrar desde quando esse grupo de cardeais começou a
reunir-se em São Galo? Nesse começo, já tinham uma agenda definida ou essa foi
aumentada e corrigida com o tempo?
A narrativa oficial, articulada na biografia do Cardeal Godfried Danneels,
é que a máfia de São Galo começou a reunir-se por volta de 1996. No entanto,
astutos observadores do Vaticano, como Maike Hickson, salientaram que um grupo
chamado Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE) funcionou
efectivamente como uma espécie de precursor da máfia porque dois dos seus
presidentes – Basil Hume e Martini – tornaram-se membros da máfia.
Em termos da agenda da máfia, sabemos que já tinham utilizado o CCEE como uma
espécie de estrutura de poder alternativa ou «magistério paralelo», como
aponta Maike Hickson. Sabemos também que apenas alguns anos após as suas
reuniões oficiais, em 1999, Martini estava a levantar o tema de um novo
concílio. Assim, não é difícil supor que a sua agenda tenha sido, em grande
parte, definida desde o início. De facto, ficamos a saber, com a biografia de
Danneels, que a essência do seu programa era simplesmente a comum oposição a
Ratzinger.
5. O desaparecido Arcebispo de Malinas-Bruxelas, Cardeal Godfried Danneels,
um dos integrantes do grupo de São Galo, referiu-se a esse como uma “máfia”. No
linguajar comum, o termo “máfia” é associado a uma organização criminosa.
Considera que esses cardeais “conspiravam” para impor um programa de governo ao
Pontífice que saísse eleito do Conclave?
A autodesignação como “máfia” é, certamente, uma curiosa e reveladora
escolha. Estavam claramente a traçar uma revolução na Igreja – um programa
específico que começou com a proposta de Kasper sobre a Comunhão para os
divorciados e recasados civilmente. Temos amplas provas de que Martini e outros
tinham codificado esta agenda ao longo de muitos anos. Quanto à forma como a
iriam implementar, é evidente que uma pessoa específica deveria executar o
programa da máfia: Bergoglio. Assim, é revelador que, por exemplo, poucos dias
após a sua eleição, o Papa Francisco elogiou especificamente o Cardeal Walter
Kasper, pondo em marcha o antigo plano da máfia para prosseguir a proposta de
Kasper.
6. No dia 1 de Março de 2013, uma dúzia de dias antes da eleição de
Francisco, o ainda Cardeal Bergoglio, Arcebispo de Buenos Aires, visitou e
jantou com o Cardeal Cormac Murphy-O’Connor, na altura já Arcebispo emérito de
Westminster. No dia seguinte, um cardeal, que se manteve no anonimato, disse à
comunicação social que seriam suficientes quatro anos de pontificado de
Bergoglio para «mudar as coisas». Rapidamente Murphy-O’Connor augurou
que o argentino, no caso de ser eleito Pontífice, como veio a acontecer, se
pudesse manter no cargo durante muitos mais anos. Crê que a eleição de
Francisco I foi o concretizar dum plano maquiavélico de São Galo?
Há provas copiosas, reunidas no meu livro, que mostram que o Cardeal
Murphy-O’Connor e outros ex-alunos da máfia empurraram para a eleição de
Bergoglio em 2013. Um detalhe curioso que eu gosto de salientar é este: como é
que o Papa Francisco obteve o seu nome? Todos conhecemos a história de como o
Cardeal Hummes disse a Bergoglio, aquando da sua eleição, para não esquecer os
pobres, e assim Bergoglio pensou espontaneamente no nome “Francisco”. Mas, de
facto, o Cardeal Danneels apelava repetidamente a um novo Francisco já nos anos
90 e apenas algumas semanas antes do conclave de 2013. Assim, o nome, o
programa e a eleição do Papa Francisco parecem-se todos com os frutos das
cuidadosas e calculadas manobras da máfia.
7. Acredita que a renúncia de Bento XVI ao Papado, anunciada a 11 de
Fevereiro de 2013, contou com o apoio e também com a influência do grupo de São
Galo? Segundo nos é dado saber, o Papa Ratzinger terá conversado com Martini,
já em meados de 2011, sobre a eventualidade da renúncia ao Pontificado. Bento
XVI não foi suficientemente capaz de afastar os lobos que tanto parecia temer e
a que se referiu, a 24 de Abril de 2005, na homilia de início do Ministério Petrino?
Ou, pior, ter-se-á Bento XVI deixado rodear desses lobos?
A resignação de Bento é um enigma, mas parece que o papa alemão era uma
pessoa de confiança que estava rodeada de lobos. O que o livro relata é o
seguinte: primeiro, que Martini se gabou de ter várias reuniões privadas com
Bento em 2011 e em 2012; segundo, que disse a um confidente, em 2012, que
esperava que Bento se demitisse «em breve»; terceiro, que o confessor de
Martini contou que, em Junho de 2012, Martini disse a Bento para resignar;
quarto, que Martini disse ao seu confidente que um novo conclave poderia muito
bem eleger o cardeal conservador Angelo Scola. E, por isso, colocam-se algumas
questões: será que Martini, no mínimo, ajudou a assegurar a Bento que abdicar
era a decisão certa, se Bento já estava a planear resignar? Ou será que a
influência de Martini era ainda mais ominosa do que isto? O livro é
deliberadamente contido na interpretação destas provas, permitindo ao leitor
dar sentido a estes factos.
8. Uma vez que a Constituição Apostólica Romano Pontifici eligendo,
de Paulo VI, publicada a 1 de Outubro de 1975, proíbe qualquer injunção
exterior para influenciar a eleição de um novo Papa, como qualificaria a máfia
de São Galo?
Os parêntesis do livro colocam a questão do tipo de sanções em que podem ter
incorrido os ex-alunos da máfia devido às suas actividades sombrias. Sobre esta
questão, adiro aos especialistas nesta área.
9. Nos anos 70 do século passado, o Cardeal Walter Kasper, muito próximo de
Bergoglio e da máfia, levou a cabo uma autêntica cruzada em prol da admissão
dos adúlteros à Sagrada Comunhão. Com Amoris Lætitia, em 2016, Francisco
vem defender, de forma inequívoca, ainda que igualmente engenhosa, esta prática
sacrílega. É mais uma vitória para São Galo e para Kasper ou, pelo contrário, não
passa de uma tentativa de Bergoglio contentar aqueles que o sustentam sem
realmente se comprometer?
Peritos do Vaticano, como Sandro Magister, relataram durante algum tempo
que o então Cardeal Bergoglio tinha a prática de dar a Comunhão a cada pessoa
que se apresentava para a receber. Magister sugeriu que esta era uma razão
poderosa pela qual a máfia de São Galo estava interessada no latino-americano
para papa. Por isso, creio que o Papa Francisco não estava apenas a tentar
pacificar os seus apoiantes com Amoris Lætitia; pelo contrário, no texto
usa a dissimulação para fazer avançar uma prática em que ele mesmo está
comprometido.
10. Ainda em relação a Amoris Lætitia, há quem defenda que se trata
de um verdadeiro “testamento” do Cardeal Martini. Qual é a veracidade desta
teoria?
Penso que é bem verdade. O historiador Roberto de Mattei argumentou
convincentemente que a essência de Amoris Lætitia está contida no «último
testamento» de Martini – a entrevista final que deu, publicada, em 2012,
imediatamente após a sua morte. Nesse testamento, Martini falou especificamente
de levar os sacramentos aos divorciados e aos recasados civilmente,
prefigurando, assim, o ressurgimento da proposta de Kasper nos sínodos sobre a
família e, depois, em Amoris Lætitia.
11. Numa entrevista, divulgada em 2009, Martini indicava que as prioridades
para a revolução na Igreja seriam, por esta ordem, o divórcio, o celibato
sacerdotal e a relação entre a hierarquia eclesiástica e a política. Dois
desses aspectos estão resolvidos ou, pelo menos, em vias de resolução – o
divórcio e a relação entre a Igreja e a política –, quanto mais não seja por
meio de um desvio no que toca ao cumprimento do Magistério imutável da Igreja. O
recente encontro entre Bergoglio e Biden é disso uma prova evidente. O que
faltará para que este triplo programa possa ser devidamente concluído?
No livro, defendo que a realização deste programa é uma questão de “paciência”
e de “tempo”, para pedir emprestados os títulos dos meus dois últimos
capítulos. Por exemplo, apesar de ainda não termos uma “solução” subversiva
para a questão do celibato sacerdotal, o modus operandi dos
revolucionários é avançar de forma incrementada e astuta. No entanto, não é
claro se terão tempo suficiente para realizar os seus conluios.
12. Ao longo do livro, em mais de uma passagem, refere-se ao tempo. No que
toca ao futuro, nomeadamente à sucessão de Bergoglio, que influência poderá
ainda ter o que resta da máfia de São Galo? E, claro, quem poderá ser o nome
mais consensual dentro do grupo?
Embora a maioria dos membros da máfia tenha falecido – com a notável excepção
do Cardeal Kasper –, as suas ideias vivem em vários companheiros de viagem e
protegidos. Mesmo que a máfia não se encontre actualmente em segredo nos
bastidores, o seu espírito viverá ao ar livre, especialmente desde que o Papa
Francisco nomeou tantos dos cardeais que escolherão o seu sucessor. Em termos
de quem poderá ser esse sucessor, o meu palpite é que será um vencedor
inesperado.
13. Por fim, o que podemos esperar de toda esta situação complexa que tem
abalado e descredibilizado o Papado com polémica atrás de polémica?
“Motus in fine velocior”, como diz o velho ditado. Como
presumivelmente estamos perto do fim do pontificado do Papa Francisco, as
coisas parecem estar a acelerar com o devastador texto Traditionis Custodes
e o sínodo “à Martini” sobre a sinodalidade. Devemos rezar, jejuar
e falar para que os planos dos revolucionários não se concretizem.
3 Comentários
" E então aparecerá o ímpio, aquele que o Senhor Jesus destruirá com o sopro da sua boca, e o suprimirá pela manifestação da sua Vinda." (2Tes.2, 8)
ResponderEliminar«O nome, o programa e a eleição do Papa Francisco parecem-se todos com os frutos das cuidadosas e calculadas manobras da máfia», sugere Julia Meloni
ResponderEliminar"“Motus in fine velocior”, como diz o velho ditado. Como presumivelmente estamos perto do fim do pontificado do Papa Francisco, as coisas parecem estar a acelerar com o devastador texto Traditionis Custodes e o sínodo “à Martini” sobre a sinodalidade. Devemos rezar, jejuar e falar para que os planos dos revolucionários não se concretizem".
Isto deixa qualquer pessoa boa, e que sabe de onde vem e para onde vai, em estado de choque.
Só devemos Rezar, jejuar e falar para que os planos mafiosos, não se concretizem.
Deus do Céu Mãe SS., Todo os Coros Angélicos, todos os Santos do Céu, implorai por nós.
Sagrado Coração de Jesus, nós temos confiança em Vós, não nos abandoneis.
Misericórdia
Paz e bem
Amén
A confusão generalizada que por ora sucede na Igreja, principiou desde o papa João XXIII ao dizer que, doravante a Igreja, não mais seria severa como outrora, porém, seria misericordiosa, no entanto, sem pressupor por ressalvas quaisquer de quando seria posta em prática!
ResponderEliminarDistingamos "misericórdia" de misericordiosismo, são parecidos: esse é uma paródia daquele!
Esse tipo de procedimento teria facilitado ainda mais a infiltração de inimigos dentro da Igreja que advém desde o iluminista arqui heresiarca Lutero e o relativista Erasmo de Rotterdam e esse, no entanto, era um filósofo e escritor holandês, o qual seria filho ilegítimo, portanto, fruto de um adultério provindo de um sacerdote.
Erasmo também se formou em teologia, mas defendia uma educação distanciada dos clérigos católicos; foi um auto denominado humanista "cristão", sendo um dos primeiros filósofos a contestarem os infalíveis dogmas da Igreja que a guiavam tão logo proclamados como verdades de fé, mas, propondo uma educação livre do controle religioso com seu irrealizável e utópico "humanismo cristão", atualmente aceito pelas esquerdas e, em geral, provenientes de movimentos eclesiais de base, oriundos de grupos católicos fiéis aos ensinamentos do papa Francisco e vinculados às ideologias de esquerdas, como da sedizente Teologia da Libertação-TL-PT-PCs!
«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
Para esclarecimentos e comentários privados, queira escrever-nos para: info@diesirae.pt.