O dia 2 de Novembro é a comemoração de
todos os fiéis defuntos. A Igreja lembra-nos de rezar pelos mortos que,
enquanto esperam para ir para o Céu, têm de cumprir a sua pena no Purgatório. Esta
sua condição deve-se ao facto de os pecados mortais que a pessoa confessou
durante a sua vida terrena já terem sido remidos no que diz respeito à culpa, o
que os impediu de ir para o Inferno, enquanto a pena resultante do pecado ainda
deve ser expiada. Pode-se, certamente, limitar as penas do Purgatório se,
durante a vida, se fazem obras reparadoras: orações, Santas Missas, sacrifícios
voluntários oferecidos em reparação dos próprios pecados e indulgências
aplicadas a si próprios. Tudo o que, porém, não fomos capazes de expiar nesta
terra continua por fazer na próxima vida, precisamente no Purgatório.
Mas o que é o Purgatório? Uma história para fazer as crianças portarem-se bem?
Uma invenção da Idade Média, como alguns dizem? De modo algum, a verdade do
Purgatório é encontrada na Bíblia, mesmo no Antigo Testamento. A Igreja sempre
afirmou a sua existência, alertando para as penas, tudo menos leves, que esse implica.
Façamos uma breve digressão, começando com a morte de Aarão. Em tal ocasião,
foram oferecidos sacrifícios durante um mês inteiro. Assim, se é possível
oferecer sacrifícios por um defunto, quer dizer que o falecido pode expiar as
consequências dos seus pecados, graças aos sacrifícios dos vivos, mesmo depois
da morte.
No capítulo 12 do Segundo Livro dos Macabeus, é narrado que Judas Macabeu, após
uma batalha importante, reparou que havia objectos idólatras debaixo da túnica
de cada um dos soldados caídos, pelo que decidiu rezar para que Deus perdoasse
o pecado desses soldados. Além disso, Judas Macabeu mandou fazer uma colecta e
enviou-a a Jerusalém, para que fosse oferecido um sacrifício expiatório. Isto
significa que havia a convicção de que se podia rezar pelos defuntos, o que quer
dizer também que se estava convencido de que havia um “lugar” de expiação na
vida após a morte. Mesmo no Novo Testamento há testemunhos valiosos da
existência do Purgatório.
Gosto de recordar aqui um episódio do diário de Santa Perpétua, que foi
martirizada, em Cartago, em 203. Enquanto se encontrava na prisão, Perpétua
teve uma dupla visão. Na primeira visão ela viu o seu irmão, Dinócrates, que
tinha morrido aos sete anos de idade. Perpétua viu o seu irmão mais novo sair «de
um lugar tenebroso onde havia muitas outras pessoas; estava quente e sedento,
sujo e pálido. O rosto estava desfigurado pela ferida que o tinha matado».
Perpétua viu o seu irmão que tentava, sem sucesso, beber de uma piscina e assim
compreendeu que Dinócrates estava a sofrer. Com pena desta visão, rezou pela
alma do seu irmãozinho. O Senhor ouviu as suas orações e, numa segunda visão,
viu Dinócrates perfeitamente curado, capaz de beber, capaz de brincar como fazem
todas as crianças. Interpretando esta segunda visão, Perpétua escreveu: «Acordei
e compreendi que a pena lhe tinha sido perdoada». Como podemos ver, já nos
primeiros séculos, os santos estavam certos da realidade do Purgatório.
Também de outros episódios, podemos ter a certeza do que a Igreja ensinava
desde o início. No segundo século, um bispo da Ásia Menor, chamado Abércio,
compôs o seu epitáfio antes de morrer, que diz: «Estas coisas ditava eu, Abércio,
quando tinha precisamente setenta e dois anos de idade. Vendo-as e compreendendo-as,
rezai por Abércio». Também um antigo autor cristão, Tertuliano, escreveu: «No
dia do aniversário, fazemos orações pelos defuntos». E Santo Agostinho: «Não
se pode negar que as almas dos defuntos podem ser ajudadas pela piedade dos
seus entes queridos ainda vivos, quando é oferecido por eles o sacrifício do
Mediador [ou seja, a Santa Missa] ou através de esmolas».
É evidente que se as pessoas rezam e mandam dizer Missas pelos defuntos é
porque os consideram no Purgatório, porque se estivessem no Paraíso não
precisariam de nada, tendo a alegria eterna da visão beatífica. Enquanto se
estivessem no Inferno nada lhes poderia dar alívio por causa da pena eterna.
A existência do Purgatório é, portanto, uma certeza da nossa bela Fé católica.
Mas agora podemos perguntar: quão graves são as penas do Purgatório? Certamente
que estas penas não são pequenas. Esta tentação poderia ser desencadeada,
especialmente entre os preguiçosos: “Bem, talvez devido à minha vida medíocre
não vá directamente para o Céu, contentar-me-ei em estar um pouco no Purgatório”.
Este olhar para baixo traduz-se, no entanto, em catástrofe. Aponta-se para o
Paraíso, há esperança de ir para o Purgatório, mas se se aponta para o
Purgatório, há um sério risco de escorregar lentamente para o Inferno. Tal como
acontece com as crianças em idade escolar: se se aponta para o oito, há
esperança de chegar à positiva, mas se se aponta directamente para a positiva,
o risco de reprovação é tudo menos hipotético.
E as penas do Purgatório são tudo menos leves. São duas: do dano, às almas é
retardada a visão de Deus; e do sentido, as almas são punidas com o «fogo»
corporal. Santo Agostinho escreveu: «Aquele que envelheceu no pecado, levará
mais tempo a atravessar aquele rio de fogo e, na medida da sua culpa, a chama
aumentará o castigo». E Santo Afonso Maria de Ligório afirmou que o fogo
que queima os condenados ao Inferno é o mesmo que purifica os eleitos no
Purgatório: a única diferença é que o primeiro dura para sempre, enquanto o
segundo é temporário.
É claro que também se deve considerar que no Purgatório também há alegrias. Em
primeiro lugar, a certeza da salvação eterna, que na vida terrena mesmo os bons
não têm, como podemos ver pela vida de muitos santos que, apesar da sua
evidente santidade, não se consideravam dignos do Paraíso. Depois, o facto de
ser impossível pecar, enquanto estivermos vivos não sabemos se vamos cair em
pecado. No Purgatório, por outro lado, temos a certeza de poder amar o Senhor
para sempre, sem O ofender mais. Além disso, as santas almas do Purgatório têm
o consolo das nossas orações, dos sofrimentos oferecidos e das indulgências lucradas
para elas, que aliviam, encurtam ou até mesmo eliminam totalmente as penas.
Por esta razão, não podemos “abandonar” os nossos entes queridos que possam
estar no Purgatório e é muito agradável lucrar para eles a indulgência plenária.
Isto é possível todos os anos, desde o meio-dia de 1 de Novembro até ao fim de
2 de Novembro, para aqueles que visitam uma igreja, ou cemitério, de 1 a 8 de
Novembro, renunciando, obviamente, a todos os pecados, mesmo veniais, e, depois,
com as condições habituais, que são receber a Comunhão, rezar de acordo com as
intenções do Sumo Pontífice (por exemplo, um Padre-Nosso e uma Ave-Maria) e confessar-se,
mesmo que não no próprio dia, mas algum tempo antes ou depois. No ano passado,
a Penitenciaria Apostólica, devido às dificuldades de deslocação colocadas
pelas autoridades públicas com a desculpa da pandemia de COVID, decidiu que a
possibilidade de lucrar as indulgências para os defuntos fosse prolongada
durante todo o mês de Novembro. Também este ano, tal possibilidade foi
confirmada. Aproveitemo-la abundantemente, os nossos entes queridos ficar-nos-ão
gratos e, uma vez no Paraíso, recordar-se-ão de nós e devolver-nos-ão o favor
que lhes fizemos abreviando os seus sofrimentos presentes.
P. Stefano Bimbi
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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