O mês de Novembro recorda-nos uma
importante verdade da nossa Fé: a existência do Purgatório. O Purgatório é o
lugar em que se encontram as almas dos justos que morreram sem terem expiado
completamente na Terra as penas devidas aos seus pecados e, portanto, não podem
ser imediatamente admitidas ao Trono de Deus. Na verdade, nada manchado pode
entrar no Céu: é necessária uma purificação que remova todos os obstáculos à
visão beatífica da Santíssima Trindade.
A pena principal das almas do Purgatório é o atraso para elas daquela eterna
bem-aventurança de que gozam os santos no Céu. Para compreender este
sofrimento, é preciso considerar que as almas do Purgatório compreendem muito
mais claramente do que nós o valor incomensurável da visão beatífica e sentem
uma fome insaciável de Deus que os homens não sentem na Terra. A este
sofrimento espiritual soma-se o conhecimento de que faltaram ao encontro com
Deus por culpa própria e, porque a alma não procurou Deus o suficiente, Ele esconde-se
agora da sua vista (P. Réginald Garrigou-Lagrange, La vita eterna e la
profondità dell’anima, trad. it. Fede e Cultura 2018, p. 199).
À pena da privação de Deus acrescenta-se a pena do sentido, através de um fogo
que atormenta a alma. Segundo os teólogos, o fogo que consome as almas no
Purgatório é da mesma natureza daquele do Inferno e só difere dele porque é
temporário e não eterno. São Tomás de Aquino, no seu Comentário às Sentenças,
diz que «a mínima pena do Purgatório supera a maior pena desta vida» (Super
Sent., IV, d. 21, q. 1, a. 1). Este terrível sofrimento está, no entanto,
misteriosamente unido com uma alegria infinita.
O Purgatório foi definido como a obra-prima do Coração de Deus: um lugar onde
as almas conhecem, simultaneamente, um imenso sofrimento, porque não há pena na
Terra que possa ser comparada à mais ligeira pena do Purgatório, mas também uma
imensa felicidade, porque não há alegria na Terra que possa ser comparada à
certeza de ir para o Paraíso.
É precisamente esta incerteza sobre o nosso destino eterno que deveria constituir
a maior aflição dos que vivem neste vale de lágrimas. As almas do Purgatório,
por outro lado, têm em grau eminente a virtude da esperança: têm a certeza de
que um dia possuirão aquele bem de que sofrem a falta: «uma alegria incrível – diz
São Roberto Belarmino – que vai crescendo quanto mais se avizinha o fim do
exílio» (De Purgatorio, l. II, cap. 14). As almas do Purgatório adoram a
vontade divina, amam imensamente a Deus, arrependem-se profundamente dos seus
pecados e aguardam, com expectativa, a hora de romper os últimos obstáculos que
as impedem da visão beatífica.
Uma das maiores razões para o sofrimento das almas do Purgatório é também saber
que as suas penas são apenas expiatórias, mas não podem aumentar os seus
méritos. Isto deve fazer-nos reflectir. Aqueles que sofrem na Terra, se
aceitarem e oferecerem o seu sofrimento a Deus, abreviam o Purgatório, onde os
sofrimentos, embora muito maiores, não podem abreviar a pena.
Esta doutrina da aquisição de méritos na vida terrena aplica-se à dor, mas
também ao amor. Quem ama a Deus na Terra aumenta a sua glória no Céu, porque tem
o mérito deste amor. As almas do Purgatório, por outro lado, amam a Deus mais
do que alguma vez O amaram na Terra, mas o seu amor não diminui a pena, pelo
contrário, aumenta-a, porque o tempo do mérito já passou e só resta o da
purificação (P. Réginald Garrigou-Lagrange, La vita eterna, p. 201).
O amor de Deus é a regra última do cristão. Para amar profundamente a Deus,
devemos odiar o pecado, que se opõe a Ele, com a mesma intensidade. Mas não se
pode odiar o pecado se não se fala dele, tal como não podemos amar a Deus se,
em vez de falar d’Ele e das coisas divinas, se fala apenas dos problemas
terrenos, sem olhar para o Céu. Esta mentalidade secularizada é, infelizmente,
comum a muitos homens da Igreja.
A doutrina sobre o Purgatório foi definida como verdade de Fé católica no
Concílio de Lião II, no de Florença e no de Trento, e foi negada pelos hereges
albigenses, valdenses e protestantes, e, hoje, pelos modernistas que ocupam a
Igreja. Mas o Corpo Místico de Cristo inclui a Igreja que sofre no Purgatório e
a Igreja triunfante no Paraíso. As almas do Purgatório, que não abreviam os próprios
sofrimentos, podem, contudo, ajudar as almas dos que sofrem e lutam na Terra, e
as almas da Igreja militante podem, por sua vez, através das suas orações e
sofrimentos, ajudar as almas dos que estão no Purgatório e anseiam, com todas
as suas forças, por uma imediata união transformadora com Deus.
As almas que nos são caras no Purgatório são muitíssimas, pois incluem não
apenas aquelas que conhecemos, mas todas aquelas que amaram e serviram a Igreja
ao longo dos séculos. Uma bela devoção que recomendo para as sufragar é a dos “Cem
Réquiem”, que consiste em recitar, por cem vezes, o Réquiem ætérnam nas contas do terço, passando o terço inteiro por duas vezes.
Esta devoção ajuda as almas do Purgatório a aproximarem-se mais rapidamente da meta
por que anseiam e rende grandes graças, tanto espirituais como temporais, para
aqueles que a praticam com confiança. A confiança nas adversidades da vida é a
primeira graça que as almas do Purgatório nos dão, porque possuem esta
confiança em grau extremo: apesar do seu sofrimento, têm a certeza absoluta de
serem eternamente felizes no Paraíso. Esta certeza, que faz felizes as almas do
Purgatório, deve fazer feliz na Terra cada alma que confia em obter de Deus a
realização da meta para a qual foi criada e, precisamente porque espera esta
graça unicamente de Deus, está certa de que a obterá.
Roberto de Mattei
Através de Radio Roma Libera
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