O magistério via Twitter cai no ridículo

«Ser vacinado é um acto de amor». Não se sentia, por nada, a necessidade de uma tal banalidade dita por ninguém menos que o Pontífice reinante. É verdade que o Twitter não permite escrever tratados detalhados, mas não será que se escolhe o Twitter precisamente para dizer banalidades sem aprofundar nada? É verdade que a frase é a síntese de uma mensagem de vídeo aos povos da América Latina, mas não é que, ouvindo todo o conteúdo, se mude muito o juízo. Portanto, não culpemos o Twitter, mesmo que ignorar o Twitter fosse uma grande coisa para o Vaticano e para o Papa: obrigaria a articular discursos um pouco mais fundamentados.        

Assistimos a mudanças consideráveis ​​no magistério. Uma intervenção como esta do Papa Francisco sobre as vacinas – imediatamente recuperada por todos os meios de comunicação do mundo, cúmplices de uma divulgação planetária de mensagens, desde que sejam banais e vazias – pertence, de facto, ao campo da Doutrina Social da Igreja, dado que a vacinação é uma questão de saúde, social e política. O tweet (e também a mensagem de vídeo) de Francisco seria, por isso, atribuído ao campo do magistério social. Pois bem, o magistério social sempre disse que não tem receitas para as singulares, particulares, complexas, contingentes questões sociais, aquelas que devem ser consideradas cuidadosamente em todos os seus aspectos e em todas as suas nuances, e que, por conseguinte, precisam de escutar as competências e a complexa avaliação moral das situações.                   

O texto mais famoso sobre esta incompetência do magistério nas situações particulares é – com ou sem razão – o parágrafo 4 da Octogesima Adveniens, de Paulo VI (estamos em 1971 e comemora-se a Rerum Novarum). Aí diz-se: «Perante situações, assim tão diversificadas, torna-se-nos difícil tanto o pronunciar uma palavra única, como o propor uma solução que tenha um valor universal. Mas, isso não é ambição nossa, nem mesmo a nossa missão». Caberá às comunidades cristãs e aos fiéis leigos devidamente formados examinar as singulares situações contingentes, muitas das quais – observa, depois, a nota de Ratzinger de 2002 – são tão complexas que não permitem uma indicação unívoca de comportamento.         

Ora, a situação da pandemia e da vacina é, justamente, uma dessas situações, diante da qual o magistério não deve pronunciar receitas superficiais como é, precisamente, o tweet «ser vacinado é um acto de amor», mas deve fornecer as grandes orientações religiosas e morais (ambas sempre juntas) e os grandes critérios da Doutrina Social da Igreja, e, depois, deixar que sejam os outros a decidir se vacinar-se é verdadeiramente um acto de amor, dado que poderia ser exactamente o contrário. A escolha da vacinação diz respeito a questões de saúde, sociais, económicas, políticas, religiosas que não podem ser encerradas num magistério que procede por slogans simplificadores. 

A mudança a que estamos a assistir é interessante e preocupante. O magistério já não insiste nos grandes critérios teológicos e morais, mas intervém nas pequenas coisas que, precisamente pela sua contingência, são pequenas e precisam de ser esclarecidas e, posteriormente, conhecidas detalhadamente. Exactamente o oposto do que o magistério sempre disse que se deve fazer. Nunca interveio nas questões estritamente técnicas, mas agora intervém precisamente e principalmente nestas: vacinação, aquecimento global, energias alternativas, reciclagem dos resíduos, boicote dos plásticos, renúncia ao carvão até 2050, positividade do slow food, saúde pública (Francisco, após a operação cirúrgica a que recentemente foi submetido, também disse que é absolutamente necessário defender os cuidados de saúde estatais «gratuitos»: um julgamento técnico legitimamente contestável que está além das competências do Papa).    

Enquanto a moral católica contesta a casuística e a deixa (até demais) à consciência pessoal, o Papa intervém sobre uma questão que, mais do que qualquer outra, deveria ser deixada à consciência pessoal, após ter, eventualmente, indicado os valores em jogo. Por um lado, deixam-se aborto e eutanásia, suicídio assistido e género à consciência pessoal, e, por outro, as vacinas são disciplinadas magistralmente. Os primeiros a doer-se dos tweets pontifícios deveriam ser os teólogos católicos progressistas, para quem não existe lei moral que não passe da consciência e segundo os quais a Igreja não deve dar leis, mas formar consciências. Agora, porém, ser vacinado tornou-se até uma lei de amor.          

Esta passagem de um magistério das grandes orientações a um magistério da pequena cabotagem, esta passagem dos princípios de reflexão às mesquinhas directrizes de acção (mesmo as “directrizes de acção” dos documentos sociais da Igreja não eram nada particulares, mas mantinham um notável fólego de perspectiva), essa transição do “não serei eu a dizer-te o que deves fazer aqui e agora, eu digo-te os princípios que te devem guiar” ao “faz assim: vacina-te” ainda precisa de ser explicada, tanto é agora evidente. E, de facto, não é apenas explicável, mas deve até ser considerado óbvio se considerarmos que a tendência actual da Igreja é ver o mundo de dentro do próprio mundo. Fazendo assim, essa perde muita visão e navega perto dos factos e das situações, que já não pode ver do alto. Ver as situações do alto significaria abstrair-se delas, por isso é preciso falar-lhes de baixo, achatados sobre a própria situação. Mesmo que, desta forma, se assuma o mesmo critério de quem produziu aquela situação, e não por acaso.         

Stefano Fontana       

Através de La Nuova Bussola Quotidiana          

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1 Comentários

  1. "O magistério via Twitter cai no ridículo"

    "Ora, a situação da pandemia e da vacina é, justamente, uma dessas situações, diante da qual o magistério não deve pronunciar receitas superficiais como é, precisamente, o tweet «ser vacinado é um acto de amor»"

    Este bergolio, é mesmo nefasto, tenho vontade de lhe chamar todos os nomes ordinários que conheço, e ainda eram poucos.

    Quando é que o capeta o leva para o inferno, ontem já era tarde.

    A sério isto é demais.

    Paz e bem


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