Depois da precipitada retirada dos
americanos do Afeganistão, lemos muita sociologia nos editoriais dos principais
jornais ocidentais. Na frente isolacionista, a tese mais popular pode-se
resumir em: “perdemos tempo, nem podíamos pensar em levar a democracia ao
Afeganistão”. Na frente humanitária, por outro lado, não se lamenta a guerra,
mas, ao mesmo tempo, chora-se pelos direitos perdidos das mulheres e prega-se o
acolhimento ilimitado de todos os futuros refugiados do Afeganistão. Falta uma
questão importante neste debate, que não é muito emocionante: como está o
terrorismo no Afeganistão?
Porque é por causa do terrorismo que os contingentes da NATO permaneceram no
Afeganistão por 20 anos. A longa guerra não rebentou por causa da destruição
dos Budas de Bamiã, pelos Talibã, nem por causa da violação dos direitos das
mulheres, segregadas em casa e privadas de todos os direitos desde 1996. A
guerra rebentou por um motivo de segurança bem preciso: após os ataques da Al-Qaeda,
em Washington e Nova Iorque, a 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos, e de
seguida todos os aliados da NATO, decidiram que o Afeganistão não deveria continuar
a hospedar as bases dos terroristas internacionais. Infelizmente, a retirada da
NATO e a imediata tomada do poder pelos Talibã, após o rapidíssimo colapso do exército
regular afegão, podem permitir que os terroristas voltem a usar o Afeganistão
como base e refúgio seguro. Por três principais motivos.
Primeiro: os Talibã não cumpriram as suas promessas. Segundo os acordos de
Doha, negociados pela Administração Trump com representantes dos Talibã, a
retirada dos contingentes internacionais deveria ser o culminar de um processo
que nunca começou. Este processo deveria ter incluído as negociações entre os
Talibã e o Governo de Cabul, a sua substancial normalização política e a
promessa de não mais afectar os interesses americanos no exterior. Em essência:
não há mais guerra por parte dos Estados Unidos, não há mais terrorismo por
parte dos Talibã. Mas estes últimos já violaram a primeira das promessas,
derrubando o Governo de Cabul sem fechar qualquer acordo. Saltou-se a etapa
fundamental da “normalização” política. Os Talibã, fortalecidos por uma vitória
obtida no terreno e sem compromissos, já tiraram a sua máscara de “moderados” e
“clementes”, caçando colaboradores dos ocidentais e disparando contra manifestações
de oponentes. A realidade, que ainda não queremos ver, é a de um novo regime
islâmico completamente descontrolado e imprevisível.
Segundo: os terroristas foram libertados em grande número. Também graças ao
colapso do exército regular afegão, segundo as estimativas da imprensa dos
Estados Unidos, de 5.000 a 7.000 prisioneiros, quase todos em odor de terrorismo,
foram libertados. A maior fuga em massa ocorreu na prisão de Pul-e-Charkhi,
perto de Cabul, a maior prisão do país. Dentro, havia também um bloco de máxima
segurança com os prisioneiros da Al-Qaeda e dos Talibã. Antes de mais, deve-se
lembrar que o próprio movimento dos Talibã é de natureza terrorista. No
Afeganistão e no Paquistão, empregou o terrorismo, em todas as suas formas,
incluindo e, acima de tudo, o atentado suicida dos homens-bomba. No entanto,
até agora, o dos Talibã tem sido um terrorismo territorial, não foi além das
fronteiras do Afeganistão e do Paquistão (entre os Talibã afegãos e os paquistaneses
há uma ligação directa, mas não são a mesma organização), diferente, portanto,
do terrorismo internacional do Estado Islâmico e da Al-Qaeda. Não corre bom
sangue entre os Talibã e o Estado Islâmico, pelo que se pode esperar uma repressão
e um controlo maiores aos danos deste último. Mas a ligação entre a Al-Qaeda e
os Talibã nunca foi rompida. O parceiro da Al-Qaeda na Península Arábica, activo
no Iémen, imediatamente emitiu uma declaração de vitória depois da tomada de
poder dos Talibã em Cabul. Fora da galáxia al-qaedista, um outro movimento
armado islâmico, Hamas (emanação palestiniana da Irmandade Muçulmana), de Gaza,
também felicitou os Talibã. Pior ainda: o Afeganistão, assim como o território
do Estado Islâmico depois de 2014, poderia funcionar como catalisador para
extremistas, terroristas e aspirantes a terroristas, ansiosos por vivenciar a
história e a epopeia da terra onde a América foi derrotada (o “Grande Satã”).
Terceiro: se não faltam os homens, por maioria de razão não faltam as armas e o
equipamento militar à sua disposição. Após o colapso do exército afegão, 352
mil homens armados, todo o arsenal está à disposição dos Talibã e do primeiro
que o quiser assumir. Segundo uma estimativa recente dos EUA, as armas
fornecidas durante os anos de instrução do exército de Cabul totalizariam 7.000
metralhadoras, 4.700 Humvees e 20.000 granadas, numerosos drones de
reconhecimento e 200 aeronaves de vários tipos. As cenas que testemunhamos nestes
últimos dois meses são eloquentes: milicianos talibã filmados triunfantemente
a bordo dos helicópteros abandonados em Herat. Mostram com orgulho as montanhas
de armas e veículos apreendidos. Só na base do Sultão Khil, na província de
Wardak, os guerrilheiros conseguiram 70 espingardas de precisão, 900 armas de
fogo individuais, 30 Humvees, 20 pick-up e 15 veículos blindados. Contentores
carregados de telefones via satélite, granadas e morteiros, ainda com a escrita
“Propriedade do Governo dos EUA”, estão agora nas mãos dos “estudantes” do
Alcorão. O vídeo de uma montanha de armas de pequeno porte abandonadas no
aeroporto, à mercê do primeiro que vier buscá-las, causou um escândalo no
aeroporto de Cabul. O Pentágono, que não teve tempo de retirar ou destruir as
armas deixadas no Afeganistão, agora não tem nenhum plano pronto para
recuperá-las.
Quanto tempo vai demorar até que falemos novamente do terrorismo que vem do
Afeganistão? O General Mark Milley, Chefe do Estado-Maior dos Estados Unidos
(na verdade, o Comandante-Chefe), admitiu, no Senado, que terá de rever as
estimativas sobre o tempo de regresso do terrorismo ao Afeganistão. No
relatório anterior, em Junho, o risco era considerado “médio”. Agora, admite, o
tempo de regresso da ameaça terrorista ao Afeganistão poderá ser muito mais
rápido do que o esperado.
Stefano Magni
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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