13. Os protestos que começaram agora,
no dia 11 de Julho, dão-nos a impressão que correspondem a uma mudança
profunda e que algo fundamental está a mudar. O que tem Vossa Excelência a
dizer sobre isso? Porque parece que o regime pode cair, mas tem o apoio da
esquerda internacional, especialmente da esquerda católica.
A liberdade é algo de que precisamos para nos realizarmos física e espiritualmente. Nesse dia
memorável houve um levantamento em 50 cidades de Cuba. Sentei-me em frente ao
computador às 11 horas e, às 3 horas da manhã de segunda-feira, a minha mulher veio-me
buscar para que dormisse umas horas... Foi extraordinário ver tanta gente na
rua a gritar “liberdade, liberdade”, “não temos medo”, “abaixo o comunismo”,
“abaixo a ditadura”. E, depois, os partidários da ditadura tentaram modificar
tudo isso dizendo que as pessoas pedem remessas de dinheiro, comida e medicamentos.
Não houve uma única manifestação em que as pessoas estivessem a pedir comida ou
medicamentos. O que estavam a pedir era liberdade e isso foi reprimido durante
décadas e décadas. Um homem sente-se verdadeiramente livre quando tem aquela
liberdade interior de que Deus é o único que a pode dar e ninguém a pode tirar.
Em muitas ocasiões, quando os jornalistas me perguntaram o que senti ao
recuperar a minha liberdade, eu dizia-lhes: “A liberdade eu nunca a perdi! Perdi
o espaço para poder andar, perdi a satisfação de vestir um fato, de partilhar
com a minha família todos os dias... Foi isso que perdi, mas não a minha
liberdade. A liberdade que Deus dá ao homem, essa ninguém a pode tirar. Assim,
no canto mais escuro de uma cela, sempre fui um homem livre. E, agora que vos
digo, lembro-me de quando um alto funcionário veio à minha cela, era o
Vice-Ministro do Ministério do Interior, o General Enio Leyva, abriu a porta, olhou
para mim e disse-me: “Valladares, li o teu livro...”. Porque o meu livro foi
publicado na Espanha e em alguns outros lugares. Leram-no imediatamente. Então,
eu disse-lhe: “General, desculpe, o nosso livro!”. “Como o nosso livro?”,
disse-me. “Sim”, respondi, “porque o argumento foi dado por vós, a única coisa
que fiz foi escrevê-lo”. E ele disse-me: “Olha, tu és vários anos mais velho do
que eu e, no entanto, olha para mim, estou aqui enrugado, quase calvo, e tu estás sempre a rir...”. Era verdade, eu estava sempre a rir. E respondi-lhe: “Porque
aqui, neste cantinho imundo onde durmo, General, durmo com uma grande
tranquilidade de consciência. Talvez o senhor não consiga dormir assim”. Jamais
esquecerei a maneira como aquele general me olhou! Um olhar assim... não me
disse uma só palavra. Um autómato! Colocou o boné quase até à ponta dos cabelos
e saiu com toda a sua comitiva de meia dúzia de guarda-costas que o
acompanhavam...
Duas semanas depois, esse general foi demitido. E estava numa esquina, em
Havana, à espera de um autocarro. Porque em Cuba, quando um desses generais é
demitido, perde tudo, perde os três carros, perde as três amantes que tinha,
perde tudo. E, depois de um mês e meio, tinham-no, em Pinar del Río, num campo a
plantar tabaco. Porque nessa altura houve uma mudança de direcção no Ministério
do Interior, tiraram-no e quem o substituiu era um dos que liderava a
repressão. Era chefe da polícia política. E, então, como os dois ministros
estavam em conflito, o que voltou expulsou-o. E assim foi o fim desse homem.
Naquele dia 11 de Julho de 2021, quando as pessoas saíram às ruas, tenho a certeza que todos, homens e mulheres, se sentiram livres pela primeira vez. E tenho a
certeza que, na manhã seguinte, quando acordaram, estavam extremamente
orgulhosos. Respeitaram-se a eles mesmos como nunca se haviam respeitado. Hoje,
essas pessoas são pessoas diferentes. Conseguiram provar a liberdade. E a
liberdade é como uma droga poderosa que, quando se experimenta, fica-se viciado
e não se consegue viver sem ela. E é por isso que, quando me perguntam, eu digo
que o 11 de Julho foi o fim ou o princípio do fim. Porque todas as pessoas
estão lá, apesar da repressão brutal que está a ser cometida. Essas pessoas já
sabem o que é a liberdade.
Hoje, a Administração norte-americana é totalmente simpatizante da Revolução
Cubana, porque quem lidera Joe Biden, neste momento, é o ex-Presidente Obama,
que foi quem normalizou as relações, libertou os criminosos responsáveis pela
morte dos Brothers to the Rescue, que coordenavam um grupo de
voluntários que resgatava náufragos fugidos de Cuba. Estou certo de que, quando
a Internet for ligada novamente, as pessoas vão-se organizar para uma segunda
vez e creio que será definitivo nesta segunda vez.
14. Partilho da mesma esperança. A única coisa que me preocupa é a posição do
Papa Francisco, porque o catolicismo é diametralmente oposto ao comunismo e, no
entanto, existe esse escandaloso apoio ao regime que é tratado com carinho,
como aliado, por importantes figuras da Igreja, ao mesmo tempo que acontece
toda essa repressão. Eu gostaria muito de ouvir que conselho daria, hoje, Vossa
Excelência aos verdadeiros opositores do comunismo.
Bem, aprofundando o que diz, o que está a acontecer é verdadeiramente
vergonhoso. Mas em Cuba não posso lhe posso dizer detalhadamente neste momento,
mas a tenho certeza de que existe um movimento interno pronto para esse
levantamento final. Embora seja muito difícil de acreditar, a verdade é que,
nos últimos quinze dias, morreram seis generais. Quando morrem, são cremados
imediatamente. Não permitiram fazer autópsias. Dizem que um deles morreu de COVID.
E esse era o mais importante porque era o chefe de seis províncias. Era o mais
jovem dos generais, tinha 57 anos. Há muita especulação sobre o motivo de terem
morrido. Ninguém pode acreditar. Numa situação como esta, numa semana morrem seis
generais. Quando o Governo dá a informação, não diz do que morreram, eles não
dizem. Morreram de motivos não apurados ou estavam doentes. E a irmã de um
deles, que vive na Áustria, disse que isso não era verdade, que o irmão tinha uma
saúde extraordinária, que não estava doente.
Enfim, há algumas situações que não sabemos como terminarão. Mas a minha
mensagem, como a de muitos compatriotas aqui, é que não percam a Fé. Lembrem-se que, por décadas e décadas, Deus foi expulso de muitos lares cubanos. Lembrem-se
disso. Que rezem muito e que pensem que o futuro é nosso. E que o homem nasceu
para ser livre. E que o povo de Cuba será livre. Estamos constantemente a encorajá-los.
E, de vez em quando, faço locuções directas para Cuba e dirijo-me aos
repressores, especialmente aos criminosos das boinas negras. Recordo-lhes
sempre que os chefes, os generais, qualquer dia vão embora e eles ficam ali com
as famílias. Porque os outros têm recursos no exterior. Os generais e os chefes
têm milhões de dólares no exterior. Os filhos da maioria deles já estão fora de
Cuba. Não reprimam o povo. Estudem História para ver o que acontece quando as
ditaduras caem. Vocês estão lá e os vizinhos conhecem-vos. Se mancharem as mãos
com sangue, um dia terão que responder à justiça ou, pior ainda, à ira do povo.
Porque não vão encontrar um esgoto para se esconder, recordem-se que os chefes
vão e vocês ficam. É essa a minha mensagem sempre que tenho oportunidade de transmiti-la.
15. Vamos divulgá-la e gostaríamos de lhe agradecer tudo o que nos disse, e
pode crer que, aqui em Portugal, rezamos e pedimos a Deus que liberte Cuba, que
bem o merece. E pedimos especialmente a Nossa Senhora, que em Fátima disse que
a Rússia espalharia os seus erros pelo mundo para castigar a humanidade. Mas,
um dia, o Seu Imaculado Coração triunfará. Esse dia vai chegar!
Eu queria agradecer-lhe por tudo o que está a dizer. E gostaria de lhe
dizer que uma agradável recordação que tenho de Portugal foi quando o
Presidente Mário Soares organizou um almoço em minha honra, no Palácio de
Belém, há muitos anos. E vou contar uma história por essa razão: quando saiu o
convite na imprensa, o cônsul cubano telefonou ao presidente para lhe perguntar
como se lembrou de convidar um criminoso, um terrorista como eu, um agente da
CIA, etc. E o Presidente Soares disse-lhe que não pensava o mesmo. E sabe o que
aconteceu? O próprio Fidel Castro telefonou-lhe para lhe dizer que não me
convidasse. E Mário Soares também não fez caso e convidou-me. E eu estive com
ele e com a sua filha Maria. Soube da pressão que Cuba fez para cancelar
aquele jantar que ofereceu em minha honra. Porque ele tinha lido as minhas
memórias em francês quando lá estava na clandestinidade por motivos políticos. É
por isso que sempre o admirei muito, porque ele não se deixou confundir. E contou-me
pessoalmente sobre os problemas que teve em Cuba quando visitou a ilha. Disse-me que faziam
questão de apresentá-lo como um comunista português. E que ele tinha que
interromper a apresentação e dizer: “não, não sou comunista, sou socialista”. E
conto-lhe isto porque não sei se as pessoas o sabem. Estou-lhe muito agradecido
pela defesa que me fez e pela coragem política que teve. Quando me recebeu,
estendi-lhe a mão para cumprimentá-lo e ele avançou para me dar um abraço. Tinha
a edição francesa do meu livro “Contra toda Esperanza”, que tive a honra de
autografar. A foto está lá. Eu retribuí o abraço. E ele disse: “venha, quero
mostrar-lhe os jardins do palácio”. Quando a porta se abriu, havia um círculo de
câmaras de televisão. Sei que Fidel Castro ficou muito indignado com isso e é
por isso que lhe conto tudo isto.
16. No contexto deste levantamento cubano de Julho, surgiu a questão do
embargo americano para tentar explicar as motivações das pessoas que protestam...
Isso é muito importante: a desinformação que existe em relação ao embargo,
porque os defensores da ditadura estão a culpar o embargo pela revolta popular de
11 de Julho. Ao embargo, os comunistas e aqueles que os defendem chamam de
bloqueio. Eu agradecia que deixassem isto bem claro. Bloqueio foi uma acção
militar que aconteceu em Cuba, em 1962, quando Nikita Kruschev colocou os mísseis
em Cuba. A ilha foi cercada por navios e porta-aviões e nada podia entrar ou
sair da ilha, nem por mar nem por ar.
O embargo, por outro lado, foi uma medida que o governo dos Estados Unidos
tomou, legitimamente, porque Cuba roubou todas as empresas norte-americanas, as
açucareiras que tinha, as fábricas, as refinarias de petróleo, sem pagar por
elas. Confiscou-as e não pagou nada aos Estados Unidos por esse confisco. E, por essa razão, de forma soberana, os Estados Unidos lançaram um embargo contra
a Cuba. Mas o embargo excluiu, desde sempre, os medicamentos e os alimentos. Há oito ou nove anos, o parceiro comercial número um de Cuba era os Estados Unidos. Foi
um ano em que lhes vendemos quase quatro milhões de dólares. E para que aqueles que
ouviram a informação de que o embargo é a causa, Cuba pode comprar nos Estados
Unidos todos os alimentos que quiser. Pode comprar todos os medicamentos que
quiser. Todos os equipamentos cirúrgicos e médicos que desejar. Pode comprar
tudo isso. Até os Estados Unidos lhes estão a vender gado vivo, carne
congelada, frangos congelado, ovos, maçãs, madeiras e até a tinta com que se
imprime o “Granma”, órgão oficial do Partido Comunista daqui. É claro que as
pessoas não vêem nada daquela carne de primeira qualidade que chega, porque
tudo vai para os hotéis turísticos e para as elites do partido. No ano passado,
os EUA venderam a Cuba 178 milhões em alimentos. O frango que o povo compra com
a caderneta de racionamento é vendido pelos Estados Unidos. Além disso, de que pode
precisar Cuba que não possa comprar nos quase 200 países que mantêm relações
comerciais com a ilha? A aspirina não é um segredo militar americano. Além
disso, as bananas, as carnes, o peixe, as abóboras, os pepinos, o açúcar, as batatas,
tudo isso nunca foi importado por Cuba. Produzia-se em Cuba. O que aconteceu
com os 120 engenhos de açúcar que existiam no país? Tudo isso foi destruído
pela revolução. E, hoje, são menos de 14. É assim.
O embargo, a que os comunistas chamam de bloqueio, é uma falsidade total e
absoluta. Agora que as pessoas saíram às ruas no dia 11 do mês passado, agora,
pela primeira vez em 62 anos, estão a vender lagosta à população. E carne a
sério. Onde estavam esses bens? Os comunistas pensam que o povo só precisa de
comida. Não, a primeira coisa de que precisa é de liberdade. O único país do
mundo onde os cubanos não prosperam, não criam riquezas e não triunfam em todas
as ordens, é precisamente Cuba.
Por outras palavras, o embargo é uma grande falsidade. Por que não se
levanta o embargo? Perguntam as pessoas. Primeiro, nenhum presidente pode
levantá-lo. O embargo foi codificado graças aos nossos políticos
cubano-americanos. Neste caso, Lincoln Díaz-Balart e Ileana Ros-Lehtinen. Para
levantar o embargo contra Cuba, tem que ir a votos no Congresso e, felizmente, muitos
democratas, como Bob Menéndez, que é um democrata, que é um homem muito
poderoso porque é o Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, e
muitos outros, apoiam a manutenção desse embargo. Mas também existe uma
cláusula segundo a qual, para levantar o embargo, deve haver eleições livres e
supervisionadas, não pode haver presos políticos e deve-se permitir partidos
políticos da oposição. E assim, mesmo que pudesse acontecer que todos os
parlamentares americanos no Congresso e no Senado, o Presidente, todo o governo
e os 300 milhões de americanos concordassem em suspender o embargo, essas
condições ainda teriam que ocorrer: ou seja, haver partidos políticos da
oposição, haver eleições livres, não haver presos políticos.
Outra coisa que aconteceria se o embargo fosse levantado é que Cuba poderia
receber empréstimos de milhares de milhões de dólares de organizações
internacionais a que não pode aceder, como o Banco Mundial, o Banco
Interamericano de Desenvolvimento e outras instituições bancárias. Com um
governo como o que temos, onde acha que esses milhões e milhões de dólares
iriam parar? Aos bolsos dos generais e dirigentes do partido. Nas actuais
circunstâncias, isso serviria para facilitar ainda mais a repressão.
Por isso, dar dinheiro a Cuba, neste momento, é criminoso, porque serviria
para aumentar a repressão. E aqueles que se propõem, neste momento, a um
diálogo com a ditadura cubana, saibam que o Governo de Cuba é o problema e não
pode ser parte da solução.
Espero que se documentem, que entendam o que é o embargo, que saibam que Cuba
recebe permanentemente dos Estados Unidos tudo o que lhes compra. Mas tem que
pagar em dinheiro. E Cuba quer que lhe dêem milhões e milhões de créditos. E
que nós, cidadãos norte-americanos, tenhamos que pagar com os nossos impostos
as compras de Cuba. E assim Cuba teria mais recursos para comprar instrumentos
de repressão. Cuba pode comprar tudo o que quiser nos Estados Unidos:
equipamentos, automóveis, pode comprar tudo isso. Mas tem que pagar em dinheiro
e essa é a situação.
17. Tudo o que nos disse é muito importante e queremos agradecer-lhe mais uma
vez. É uma verdadeira honra poder falar com Vossa Excelência e queremos felicitá-lo
pela esperança que a todos nos dá. Quando vemos aproximar-se a possibilidade da
libertação definitiva de Cuba, com glória para todos aqueles que souberam manter-se
firmes durante todos estes anos de repressão.
Peço-vos que considerem a possibilidade de destacar toda esta questão, que
confunde muita gente. Se algum dia quiserem fazer um programa especial sobre o
embargo, disponham. Muitas bênçãos. O triunfo será nosso. Deus está connosco e,
como já disse no início desta entrevista, Deus não perde!
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