Por ocasião dos mais recentes protestos
contra o regime comunista de Cuba, o portal Dies Iræ realizou, em exclusivo, uma grande entrevista ao diplomata e
antigo preso político cubano Armando Valladares Perez. Armando Vallares, como é
conhecido, é também poeta e, após mais de duas décadas de prisão nas cadeias
castristas, tem-se dedicado, desde Miami, onde reside, a combater e a denunciar
activamente o regime cubano. Foi detido em 1960 e, após a sua libertação, em
1982, escreveu um impressionante relato dos anos de detenção. Em 1987, foi
nomeado, por Ronald Reagan, Embaixador dos Estados Unidos da América na
Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Dada a extensão e a
densidade da entrevista, a redacção do portal decidiu dividir a sua publicação
em três partes distintas.
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1. É um gosto muito grande falar com Vossa Excelência, é uma honra. Sou um
admirador de Vossa Excelência, a sua vida estimula-nos muito.
Honra-me muitíssimo
ter a vossa admiração. Desde há 20 anos que trabalho muito convosco na
Argentina, no Brasil e aqui, em diferentes partes dos Estados Unidos. Faço
parte da família TFP.
2. É uma honra para nós e temos um apreço especial por Cuba, porque é uma
nação muito sofredora. Portugal passou por alguns momentos que não podem ser
comparados com o que Cuba passou, mas sabemos muito bem qual é o regime que
está em Cuba. Sabemo-lo, porque o vivemos por pouco tempo aqui em Portugal. Sabemo-lo
muito bem, mas, sobretudo, sabem-no os portugueses que viveram, e ainda vivem,
a opressão sangrenta do comunismo nos países da antiga África portuguesa.
Eu sei e tenho que vos agradecer pelo apoio que sempre deram àqueles que
lutamos pela liberdade de Cuba. Foi algo extraordinário e exemplar.
3. E queremos continuar a fazê-lo até ao fim, porque a vitória, não direi
que é nossa, a vitória é de Deus. A vitória será de Deus. O comunismo não
triunfará, embora tudo faça pensar o contrário, não triunfará! Bem, se Vossa
Excelência me permitir, far-lhe-ei algumas perguntas.
Claro! Deixe-me acrescentar, em relação ao que estava a dizer, que é claro que
a vitória é de Deus e Deus nunca perde.
4. Deus nunca perde. Lembro-me muitas vezes daquele facto impressionante que
é a morte de García Moreno, Presidente do Equador, quando foi assassinado, mas
ainda teve tempo de escrever no chão, com o seu próprio sangue, “Deus não
morre”. E isso é algo que devemos ter muito presente, porque Ele também não nos
abandona. Deus não nos abandona.
Absolutamente não. Estamos muito identificados em tudo isso.
5. Muito bem. Senhor Embaixador, a primeira pergunta é quando e em que
cidade de Cuba nasceu Vossa Excelência.
Bem, eu nasci na mais ocidental de todas as províncias. Chama-se Pinar del
Río e foi no dia 30 de Maio de 1937. Ou seja, no meu próximo aniversário serão
85 anos.
6. Estava em Cuba o regime de Fulgencio Batista, não?
Não, não quando nasci. Na segunda ascensão, eu já era nascido. Foi o
segundo golpe de estado de Fulgencio Batista, ocorrido no dia 10 de Março de
1952, na época eu era estudante do ensino médio.
7. Muito bem. Então Vossa Excelência viveu muito de perto tudo o que
aconteceu depois da ascensão de Fidel Castro, que escondeu astutamente a sua
ideologia comunista, utilizando, inclusive, símbolos católicos. Se bem me
lembro, usava um terço ao pescoço, ou seja, como costumam fazer em toda a
parte, dissimulam as suas metas finais para conquistar a opinião pública. Como
vê Vossa Excelência essa transição para o regime ditatorial comunista que
perdura até hoje?
Lembre-se que, na antiga Roma, os primeiros cristãos preferiam morrer
despedaçados pelas feras, bem como as suas famílias, em vez de negar a Deus.
Para os comunistas, é uma filosofia totalmente diferente. Argumentam que o fim
justifica os meios. Por isso, um comunista pode dizer que é católico, que é
adventista, que é muçulmano, pendurar um crucifixo ao pescoço. Pode dizer
qualquer coisa. Foi este o motivo pelo qual a maioria dos que desceram com Fidel
Castro enganaram toda a opinião cubana e internacional. Não foram todos porque
muitos, assim que viram que Castro começou a mostrar-se comunista, voltaram
para as montanhas para lutar contra ele. Ou seja, aqui está o discurso de
Castro cheio de respeito pelo ser humano. Toda aquela verborragia de verdade
que seduziu muita gente e muitos acreditaram nele. Aquilo era algo
extraordinário, ia respeitar a Constituição... E um dos que acreditou nessas
promessas fui eu, mas por muito pouco tempo. A minha primeira decepção foi
quando, nos primeiros meses de 1959, foram julgados os pilotos que pertenceram
à Força Aérea do governo de Batista. Mas todos os pilotos que bombardearam
Fidel Castro na Serra Maestra fugiram nos seus aviões para a República
Dominicana, para os Estados Unidos. Enfim. E quem ficou foi o pessoal de terra.
Os mecânicos, os trabalhadores da manutenção e alguns pilotos de correio, e
esses infelizes, chamados a julgamento num tribunal revolucionário, foram
acusados de ser criminosos. Ainda assim, foram absolvidos, porque os próprios
revolucionários – alguns deles eram advogados – não encontraram provas para condená-los.
Pois bem, quando Fidel Castro soube, disse que não podia ser, que deviam ser
novamente condenados e condenados por 30 anos. O Presidente daquele Tribunal,
um advogado criado na serra com Fidel Castro, sentiu-se tão envergonhado que se
suicidou. Era o Comandante Felix Pena. Esses pilotos condenados foram meus
companheiros na prisão. Naquele dia, entendi que nunca teríamos um estado de
direito e que estava a começar muito mal. Eu tinha formação religiosa e, antes
de chegar a ditadura de Fidel Castro, tinha começado os meus estudos nos Padres
Escolápios de Pinar del Río, por isso tinha formação religiosa e também
formação política, uma vez que tinha um tio que era anticomunista filosófico,
teórico e prático, e, graças a ele, desde muito jovem, soube muito bem o que
era o comunismo. Ele até me trazia revistas da União Soviética, que foram
proibidas em Cuba. Por outras palavras, era um anticomunista convicto, mesmo
antes de Fidel Castro chegar ao poder.
8. Como se chamava o seu tio?
O meu tio chamava-se Higinio Valladares. Então, muito cedo, em meados de
1959, aquela simpatia inicial acabou. Recordo-me que morava em frente a minha
casa um espanhol que viera para Cuba fugido dos comunistas na Espanha e esse
homem, que não tinha muita cultura, quando ouviu o primeiro discurso de Fidel
Castro, disse-me: “este homem é um comunista”. “Mas, senhor Manuel, como pode
dizer que é comunista se está constantemente a dizer que não é comunista?”.
“Acredite em mim, este homem é comunista”. E que razão tinha!
9. Já tinha a experiência da Espanha.
Sim, mas essas experiências eram intransmissíveis e ele não podia
transmitir essas experiências que o convenciam, apenas por ouvir um discurso,
de que aquele homem era comunista. Penso muitas vezes no senhor Manuel. E, nas
muitas ocasiões em que falo com pessoas da América Latina, sobre o quão
intrinsecamente perversa é essa revolução, não acreditam em mim e ficam com
dúvidas sobre muitas das coisas que lhes digo, por isso lembro-me do senhor
Manuel, porque também não sou capaz de transmitir-lhes as minhas vivências
Dando conferências para crianças, no México, há cerca de 20 anos, algumas
pessoas apareceram com uns sacos plásticos cheios de taros e bananas, e, do
lado de fora, um letreiro que dizia “sobras da Reforma Agrária de Cuba”. Mas eu
sabia que os cubanos não tinham o que comer... Todos nós sabíamos que não
tinham o que comer e, no entanto, a publicidade lançava sacos cheios e colavam
por fora que eram “sobras” da Reforma Agrária. Em Cuba, há sessenta anos que
não sobra nada.
10. E, com isso, enganaram muita gente, mesmo nos meios católicos, incluindo
sacerdotes e bispos que apoiavam e continuam a apoiar, infelizmente, o regime
comunista não só em Cuba, mas em muitas partes do mundo, que é uma das grandes
tragédias que ainda vivemos hoje com a Teologia da Libertação.
Como diz a minha esposa, a nossa Fé não está em nenhum desses sacerdotes. A
nossa Fé está na Igreja Católica, que nunca desaparecerá! Pense nesta minha
situação: eu estava preso numa cela da prisão de Boniato. D. Cesare Zacchi
chega a Havana, reúne-se com Fidel Castro e, cito textualmente, diz aos
jornalistas: “Castro é um homem de valores profundamente cristãos”. E, naquele
momento, os jovens católicos cubanos morriam diante do pelotão de fuzilamento
gritando “Viva Cristo Rei”. Imagine isto. Psicologicamente era algo muito
triste. Muito doloroso, porque era algo verdadeiramente terrível.
11. Vossa Excelência lembrar-se-á que D. Agostino Cassaroli disse algo
semelhante na época de Paulo VI: “Os católicos são felizes no regime de Cuba”.
E isso deu origem a um protesto da TFP em todo o mundo. Foi o manifesto da
Resistência Católica no sentido de pedir a Paulo VI que impedisse isso, porque
era uma coisa terrível confundir os católicos dizendo que os católicos em Cuba
viviam bem. O que era obviamente falso.
Comentando precisamente essa lamentável declaração, da qual me recordo
muito bem, vem-me à mente o dia em que elegeram o actual Papa. Tenho um amigo
argentino, um dos meus melhores amigos, e, quando soube da nomeação de um Papa
argentino, telefonei-lhe e disse-lhe: “Roberto, elegeram um Papa argentino”. E
ele disse-me: “Não. Não pode ser. Estão loucos. Como podem fazer isso? Não o
conhecem”. Infelizmente, há muitas pessoas que, ao ouvirem coisas como essas, são
afectadas na sua Fé. E isso é o mais prejudicial de tudo. Infelizmente, as
pessoas não sentem assim e não sabem diferenciar o que é a verdade da Fé da
atitude de alguns homens. Infelizmente é assim.
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