Considerações sobre um artigo do P. José Frazão Correia, S.J.

O conhecido portal noticioso dos Jesuítas em Portugal, o Ponto SJ, publicou, ontem, um artigo, da autoria do P. José Frazão Correia, S.J., antigo Provincial da Companhia de Jesus em Portugal, que versa sobre o Motu Proprio Traditionis Custodes, da autoria do Papa Francisco, que pretende, aparentemente, limitar fortemente as celebrações da Santa Missa segundo o Missal Romano de 1962, promulgado pelo Papa João XXIII. E digo aparentemente porque, olhando à desobediência que caracterizou a acção de grande parte do Episcopado – e Portugal é disso um caso clamoroso – no que tocou à aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum, do Papa Bento XVI, publicado em 2007 e que “permitia” a celebração da Santa Missa segundo o referido Missal de 1962, é notório o desejo de eliminar definitivamente a Missa que encontra as suas origens na Tradição Apostólica, ao contrário do “rito novo”, que tem as suas raízes no mais devasso protestantismo que entrou na Santa Igreja, de forma particular, com o Concílio Vaticano II.        

Face ao artigo redigido pelo P. Frazão Correia, S.J., apraz-me apresentar algumas considerações, que se baseiam mais no bom senso cristão do que num qualquer “cozinhado teológico” que, procurando chegar a todos, ninguém consegue alcançar. São breves comentários redigidos por um leigo que opta por deixar os extensos e refinados comentários para os verdadeiramente peritos da matéria.

1. No parágrafo introdutório, o P. Frazão Correia, S.J., peca por imprudência ao escrever que «há um único rito romano comum, o que nasce do Vat. II» e, mais à frente, que o Papa «põe ponto final ao paralelismo estrutural entre forma tridentina do rito de 1962 e forma reformada de 1970». Ora, é absolutamente falso considerar que o «único rito comum» seja o que nasceu com o malfadado Concílio Vaticano II e que, desde logo, foi causador de profundas feridas no Corpo Místico de Cristo, porque não se trata de um rito católico, mas, isso sim, de uma criação protestante que deu origem a uma missa protestantizante. Quanto à tentativa de associar a Missa Tradicional apenas e só ao Concílio de Trento, parte de uma tentativa de justificar o injustificável, quer dizer, o objectivo de quem o faz é tentar convencer os demais que se foi um Concílio a “conceber” um rito, também pode ser um outro Concílio a eliminar esse mesmo rito e a dar origem a outro. Nada mais inverídico do que isto. Aquilo que o Papa São Pio V fez, ao promulgar o Missal de 1570, foi uma organização do rito tal como era desde os primeiros séculos do cristianismo, não rejeitando as expressões litúrgicas existentes há, pelo menos, dois séculos. Neste caso, nada há em comum entre São Pio V e o Papa Francisco. Para além disso, o grande adepto do novo rito, o Papa Paulo VI, pode ser caracterizado como alguém que, enquanto sacerdote na sua Bréscia natal, já celebrava a Santa Missa em língua vernácula e voltado para a “assembleia”. Como se pode pedir obediência a algo que nasceu como uma concreta desobediência à lex orandi da Igreja Católica?     

2. O P. Frazão Correia, S.J., considera que a revogação do Motu Proprio Summorum Pontificum se trata de um «acto de responsabilidade pastoral que se revelava urgente». É de lamentar que não tenha referido que o Papa Francisco, enquanto Arcebispo de Buenos Aires, desobedeceu ao Papa Bento XVI ao ser um acérrimo perseguidor da Missa Tradicional no seu território. É uma questão de obediência aleatória?    

3. Um pouco mais adiante, o autor jesuíta refere umas declarações do Cardeal Ruini, Vigário-Geral do Papa para a Diocese de Roma aquando da publicação do Summorum Pontificum, ao jornal Avvenire, em que o purpurado esperava que «um gesto de reconciliação não se torne um princípio de divisão». Como o P. Correia concordará, quem tem vindo a provocar divisões incompreensíveis, ao faltar com a tão pregada caridade pastoral, são os prelados que rejeitam os católicos que solicitam o acesso à Missa Tradicional e, mais ainda, abençoam parelhas homossexuais, incitam ao pecado público, distribuem a Sagrada Comunhão a políticos abortistas e reúnem-se, de forma imprudente, em “oração” com os “irmãos separados”, já para não falar dos cultos esotéricos de Assis.     

4. Não deixa de ser irónico que um jesuíta, ou seja, um membro da mais progressista e adulterada ordem religiosa católica, apelide de «movimento cismático» a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X e o seu fundador, o Arcebispo Marcel Lefebvre. Será que o “bem-comportado” P. James Martin, propulsor das mais execráveis e cismáticas propostas doutrinais, já foi severamente sancionado e deixou de ser jesuíta?  

5. Entrando pelo campo da História, que demonstra não conhecer, ou não querer conhecer, o P. Frazão Correia, S.J., recua até à reforma da celebração da Semana Santa e da Vigília Pascal, proposta por Pio XII e tendo como grande mentor o revolucionário Annibale Bugnini, que mais tarde viria a participar na comissão que desenhou a reforma litúrgica pós-conciliar. E refere os «frutos que o novo Concílio haveria de gerar». Mais de meio século passado, estou convencido de que a Sagrada Escritura define os frutos do Concílio: «Toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá maus frutos. A árvore boa não pode dar maus frutos, nem a árvore má pode dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada ao fogo. Pelos frutos, pois, os conhecereis» (Mt 7, 17-20). É inegável que o Concílio foi, desde o princípio, semeador dos frutos revolucionários e liberais, consequentemente, como é fácil de concluir, mais do que frutos podres, o que já seria suficientemente mau para a Igreja de Cristo, surgiram frutos envenenados e, esses sim, demonstraram-se divisivos e cismáticos.    

6. O P. Frazão Correia, S.J., ao mencionar a Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a liturgia, considera que é destacada a «participação activa de todos os fiéis na acção litúrgica». Os frutos de tal reviravolta são notórios: Cristo é colocado de parte e ao centro são colocados os fiéis (a assembleia) e o sacerdote (o presidente da assembleia), passando o Sacrifício do Calvário a assumir tons mais “aligeirados”, convertendo-se num simples banquete/convívio fraterno. O sacerdote deixa de representar Nosso Senhor Jesus Cristo, convertendo-se o Calvário num círculo fechado à mercê dos ditames dos leigos, que, a bem dizer, não são necessários para o oferecimento da Missa. 

7.  É concludente que, mesmo depois da reforma litúrgica, incontáveis foram os sacerdotes que continuaram a oferecer o Santo Sacrifício de acordo com o Missal “pré-conciliar”, algo integralmente legítimo e caracterizado por um muito louvável amor-obediência à Igreja, cujos pastores, salvo raras excepções, optaram por se desviar do bom caminho, o que confundiu muitos e escandalizou outros tantos. Afirmar, como faz o P. Frazão Correia, S.J., que a Congregação para o Culto Divino, em 1984, concedeu um «indulto» para a utilização do Missal de 1962, é querer adulterar factos e anestesiar consciências. Se a Missa nunca foi proibida, algo que é impossível, como confirmaram os próprios cardeais nomeados por João Paulo II, como é que se pode conceder um indulto para a celebração dessa mesma Missa? Afinal, foi proibida ou não?

8. Como já tive ocasião de escrever num precedente artigo, o Papa Bento XVI nunca escondeu o seu desejo de uma fusão dos Missais pré e pós-Concílio Vaticano II, desejo que não tem qualquer fundamento, já que pode ser paragonado à mistura, num mesmo recipiente, de água pura com água conspurcada. Qual é o resultado expectável de tal mistura? Obviamente, um sacerdote consciente e fiel à Tradição da Igreja, como os tantos que, graças a Deus, conheço, jamais aceitará misturar Santos verdadeiramente católicos com “santos” fabricados por uma igreja aberta ao mundo e completamente encerrada às suas raízes.        

9. Um pouco mais adiante, o P. José Frazão Correia, S.J., menciona o questionário que, em 2020, a Congregação para a Doutrina da Fé, por indicação do Papa Francisco, enviou a todos os bispos para que pudesse ser feita uma avaliação da aplicação do Motu Proprio de Bento XVI. O questionário foi tornado público na altura, já as respostas continuam bem guardadas, um pouco como o Terceiro Segredo de Fátima. Qual é o motivo para tanto secretismo? Numa “igreja sinodal”, como defende o Concílio Vaticano II e, por conseguinte”, o Papa Francisco, não há lugar à tão desejada “transparência” ou esta deve ser arbitrária? O que transmitem verdadeiramente as respostas dos bispos? Nos últimos dias, têm sido bastantes os prelados a tomar posição em defesa da Tradição!

10. O P. Frazão Correia, S.J., demonstra-se bastante entusiasmado com o facto de, em Traditionis Custodes, Francisco considerar que somente os livros litúrgicos nascidos do Concílio Vaticano II são a «única expressão da “lex orandi” do Rito Romano», o que nos levaria a questionar se, até então, tudo esteve errado a ponto de poder ser alterado radicalmente sem um qualquer argumento sólido e razoável. Também não deixam de ser curiosas as “cambalhotas” que o jesuíta dá para tentar justificar o que é injustificável, nomeadamente quando apresenta como justificativa o facto de terem sido os bispos reunidos em Concílio que decidiram alterar a forma da Missa. Será que assim foi? E, mais ainda, será que bispos desgraçadamente agarrados, não raras vezes, a ideais maçónicos e liberais podem decidir seja o que for em matéria de Fé e de liturgia? Que legitimidade têm se defendem o oposto daquilo que dizem querer guardar (a Fé, neste caso)? Afinal, para a construção de uma casa chama-se um demolidor?

11. O desaforo do P. Correia, S.J., é tanto que se considera no direito de reputar que a missa conciliar é «adequada», enquanto a Missa Tradicional é «desadequada». Por que motivo? Será que uma é mais «adequada» por dar largas à criativa imaginação do “presidente da celebração”, ao contrário da outra que é mais «desadequada» por ser fiel às rubricas? Tratamos de liturgia ou de liturgicismo? São questões diferentes e, como tal, merecem um tratamento diferenciado. Seja como for, não há qualquer continuidade do Rito Romano, uma vez que o novo rito é, como o próprio nome indica, novo, desvinculado do que a Igreja havia celebrado ao longo de quase 2000 anos. Quem celebra o novo rito, celebra algo que nasceu na década de sessenta e que não tem qualquer ligação com a Tradição Apostólica!      

12. Também não deixa de ser inusitado o comentário que o P. Frazão Correia, S.J., tece ao considerar que a liturgia de sempre se apresentou «em tom de desafio» à reforma do Concílio Vaticano II. Nada mais obtuso. O Concílio Vaticano II é que se apresentou, desde logo e até ao presente, «em tom de desafio» à liturgia de sempre, à Igreja de sempre e à multidão de Santos que se santificaram através dessa mesma liturgia. Os argumentos foram habilmente mal enumerados. E o que dizer dos rótulos «sentimentos nostálgicos», «fascínio estético» e «devoção pessoal» que são atribuídos à Missa Tradicional? Para o P. Correia, em que lugar entram as “missas LGBT”, as “missas das crianças”, as “missas no jardim”, “as missas com a assembleia sentada no chão”? Poderão ser colocadas no campo dos delírios emocionais ou no das ofegantes paixões modernistas? 

Lastimavelmente, ao longo de todo o seu artigo, o P. José Frazão Correia, S.J., bem ao “modo jesuíta”, desviou a atenção dos hipotéticos leitores para o “sentimentalismo” que parecia condenar, mas que, de forma sub-reptícia (para os menos atentos, claro está), adoptou, de princípio a fim, no seu escrito. A liturgia, tal como a doutrina, P. Frazão Correia, não é questão de sentimentalismo, nem de opção ou de coração. Melhor, é questão de coração, mas de um coração que bate de acordo com o Coração de Cristo, um Coração que, inquestionavelmente sempre presente, jamais bate por influência de modas, de usos ou de conveniências pessoais. Enquanto não perceber isso, caro P. Correia, continuará encerrado no seu cubículo fantasioso a escrevinhar ideias que nada têm de católico. São claras as palavras de São Pio V: «E a fim de que todos, e em todos os lugares, adoptem e observem as tradições da Santa Igreja Romana, Mãe e Mestra de todas as Igrejas, decretamos e ordenamos que a Missa, no futuro e para sempre, não seja cantada nem rezada de modo diferente do que esta, conforme o Missal publicado por Nós, em todas as Igrejas» (Quo Primum Tempore, n. 6). A Santa Missa Tradicional, que foi agradável aos Santos de Deus, no qual se inclui Santo Inácio de Loiola (será que também celebrou a missa nova?), que tão maltratado tem sido pelos seus “companheiros”, jamais deixará de ser celebrada neste mundo. Os homens passam, inclusive o P. Correia e eu, mas Nosso Senhor é sempre, sempre o mesmo!
Jesus Christus heri et hodie: ipse et in sæcula!  

D.C.

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