«Não nos basta uma ajuda comum.
Precisamos de um acto estrepitoso de misericórdia divina e não acreditamos que
possamos encontrar uma protecção mais eficaz do que aquela que obteríamos
recorrendo ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo»: foi deste modo
que um humilde comerciante francês motivou a escolha de investir tempo e consideráveis
recursos num grandioso projecto, a construção de uma igreja votiva dedicada
ao Sagrado Coração. Isso aconteceu num momento de graves tumultos, tanto na
frente política (a França havia saído recentemente derrotada da guerra
franco-prussiana) quanto na eclesial (com a interrupção do Concílio Vaticano I,
no seguimento da brecha na Porta Pia e da consequente anexação de Roma ao Reino
de Itália).
O comerciante chamava-se Alexandre Félix Legentil e era proprietário dos
grandes armazéns de tecidos Au Petit Saint-Thomas, na rue du Bac. Era também
Presidente da Sociedade de São Vicente de Paulo. Juntamente com o cunhado, o
pintor Hubert Rohault de Fleury, foi promotor de um voto nacional ao Sagrado
Coração em reparação do espírito revolucionário que havia ensanguentado a
França da época. Eram anos em que a devoção ao Sagrado Coração encontrava cada
vez mais terreno para se enraizar no interior da Igreja, também em virtude da
recente beatificação de Margarida Maria Alacoque.
No projecto de construção da igreja, querida por Legentil e pelo seu cunhado, teve
um papel importante também Mons. Joseph Hippolyte Guibert, recentemente
investido no cargo de Arcebispo de Paris. Este também se encontrava numa
posição, por assim dizer, “desconfortável”: três dos seus mais recentes
predecessores morreram de forma violenta.
Foi o Arcebispo Guibert, porém, a aprovar, a 18 de Janeiro de 1872, o texto do
voto proposto pela dupla de devotos leigos e foram sempre estes a escolher o
morro de Montmartre como sede do lugar de culto. Optou por este espaço na
sequência de uma visita pastoral à Paróquia de Saint-Pierre de Montmartre. Tratou-se
de uma decisão com um poderoso valor simbólico, por, pelo menos, dois motivos.
Em primeiro lugar, Montmartre havia sido transformado, no ano anterior, num
depósito de peças de artilharia para os defensores da Comuna de Paris: tratava-se,
em última análise, de um baluarte do ramo revolucionário na capital. Em segundo
lugar, este foi o terreno sobre o qual foi derramado o sangue de São Dionísio,
o primeiro Bispo de Paris, decapitado, em razão da sua fé, durante as
perseguições contra os cristãos, pelo Imperador Décio (251) ou talvez pelo Imperador
Valeriano (258).
Uma vez escolhido o lugar, rapidamente se tornou meta de peregrinação. O estaleiro
havia sido aberto recentemente e seriam necessárias décadas para que a obra
pudesse ser considerada concluída. Todavia, o arcebispo providenciou a
construção de uma capela provisória, com capacidade para acolher mais de cem
fiéis de cada vez. Essa deveria ajudar os peregrinos a conhecerem e apreciarem Montmartre
como possível nova etapa para as suas viagens com motivo votivo ou penitencial.
A construção foi concluída na véspera da Primeira Guerra Mundial e foi consagrada
em 1919. No sexto ano de pontificado, Bento XV assinou a carta Amor ille
singularis, destinada ao Cardeal Leone Adolfo Amette, Arcebispo de Paris. Lêem-se
estas palavras: «O amor absolutamente especial que a Sé Apostólica sempre
nutriu pela França significa que, à medida que se aproxima a consagração solene,
em Montmartre, da basílica dedicada ao Santíssimo Coração de Jesus, tal solenidade
mostra-se-Nos como uma festa de família e queremos lá enviar um Nosso Legado que
Nos represente durante o sagrado rito».
Rino Zabiaffi
Através de Radio Roma Libera
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