A fé católica foi, e é, a religião mais
perseguida em absoluto: o ódio nos seus confrontos produziu injustiças,
massacres e mártires de proporções imensas. Entre os abusos e os vexames, também
o ter dispersado os restos mortais, um tema pouco falado, mas que teve um
impacto notável e em diferentes períodos da história, em particular na França
jacobina e na Inglaterra anglicana, quando os revolucionários vilipendiaram e
destruíram locais de culto e os relativos túmulos aí guardados com os restos
mortais de soberanos ou aristocratas pertencentes à Santa Igreja Romana, dos
quais se quiseram apagar vestígios e/ou devoções. Entre estes, Santa Margarida
da Escócia (1045-1093), da Casa Real de Wessex, da qual, no calendário Vetus
Ordo, a celebração ocorre a 10 de Junho por vontade do Papa Inocêncio XII
(1615-1700).
Muito provavelmente nascida na Hungria, onde o pai, Eduardo, estava exilado
para fugir de Canuto (994-1035), que, em 1016, expulsara o seu pai, Edmundo II
da Inglaterra (988-1016), regressou à pátria, com a família, em 1057. A sua
chegada coincidiu com a falhada Revolta dos Condes, na Nortúmbria, em 1068, e,
dois anos depois, uniu-se em matrimónio com Malcolm III da Escócia. Turgot, Bispo
de St. Andrews, primeiro biógrafo de Margarida, regista o facto de que a rainha
foi muito influente na mudança benevolente dos comportamentos do consorte, sobretudo
através da leitura das Sagradas Escrituras; além disso, foi muito activa na
reforma das práticas das igrejas locais, fazendo-as conformar-se às da Igreja
de Roma. A sua vigorosa actividade apostólica foi uma inspiração para o Beato
Lanfranco (c. 1005-1089), futuro Arcebispo de Cantuária.
Margarida foi catequista, além de guia atenta e perspicaz para o esposo e para
os filhos, dois dos quais serão canonizados como ela: Edgar (depois de
1070-1100) e David (1085-24 de Maio de 1153). Diz a tradição que, antes de
comer, lavava os pés aos pobres e cuidava dos órfãos e dos necessitados; para além
disso, levantava-se à meia-noite para assistir às cerimónias religiosas e,
entre as outras iniciativas de caridade, convidou alguns monges da Ordem de São
Bento a transferirem-se para a Abadia de Dunfermline (1072).
Para facilitar o acesso dos peregrinos à abadia, ordenou o estabelecimento de
uma barcaça para os levar a ambos os lados do estuário do Forth, mandou restaurar
a Abadia de Iona e foi muito piedosa. Mulher de grande oração, adorava bordar os
sagrados paramentos e dedicar-se às leituras devocionais, dedicação que também
a levou a decorar alguns dos seus livros em ouro e prata: um deles, um pequeno Evangelho
de bolso com elegantes imagens dos Evangelistas, é conservado na Biblioteca
Bodleiana de Oxford. Margarida, que gastou a sua vida de fé na caridade, no amor
pela Igreja e nas ortodoxas reformas religiosas, foi elevada à honra dos
altares, em 1250, pelo Papa Inocêncio IV (c. 1195-1254), pelas suas virtudes em
grau heróico, e, em 19 de Junho desse ano, foi transladada para a Abadia de
Dunfermline.
Com a Revolução Protestante da Escócia, liderada pelo teólogo John Knox
(1513-1572), redactor da liturgia reformada Book of Common Order, assim colaborador
activo do herege francês João Calvino (1509-1564), interromperam-se as relações
entre a Escócia e o papado, e, em 1560, foi fundada a Igreja Reformada, que
repudiou a autoridade do Sumo Pontífice, proibiu a celebração da Santa Missa e
se levantou contra a hegemonia política francesa.
Com a morte do primeiro marido, o Rei Francisco II da França (1544-1560), Maria
da Escócia (1542-1587) regressou, em 1561, à Escócia, onde a aguardava um
confronto com a nova religião protestante, instituída durante a sua ausência.
Sendo uma soberana muito tolerante, o poder dos Lordes protestantes cresceu a
tal ponto que foram capazes de instigar revoltas contra ela, de modo que, em
1568, fugiu para a Inglaterra, na esperança de que a prima anglicana, Isabel I
(1533-1603) da Inglaterra, a pudesse ajudar, mas, ao invés disso, mandou-a
imediatamente prender e manteve-a na prisão durante quase vinte anos,
considerando-a inimiga e rival, visto que os legitimistas ingleses não
reconheciam Isabel como legítima herdeira de Henrique VIII.
Eis que a Rainha da Escócia se tornou o fulcro e a alma do catolicismo inglês e
muitos complôs foram organizados em seu nome para assassinar Isabel e elevá-la
ao trono. A Rainha da Escócia tornou-se o símbolo da Contra-Reforma em solo
inglês, apoiada pelo próprio Papa São Pio V (1504-1572), que excomungou Isabel,
que definiu «serva de pessoas ignóbeis, que se afirma ser Rainha da
Inglaterra», com a bula pontifícia Regnans in excelsis, de 25 de Fevereiro
de 1570, com a qual declarou a soberana herética, portanto, excomungada e
deposta do seu trono. Privando-a de todos os poderes e direitos, desvinculou os
seus súbditos de qualquer obrigação ou juramento de fidelidade e obediência.
A eclosão da chamada “revolta dos papistas”, em 1569, foi a ocasião certa para
o Papa Ghislieri, de quem recordamos a recente biografia Pio V. Storia di un
papa santo (Lindau), escrita por Roberto de Mattei, para a publicação da
bula: um acto que dava força aos católicos ingleses, em particular do Norte da
Inglaterra, que, liderados pelo Duque de Norfolk (1536-1572, pretendente da mão
de Maria da Escócia), pelos Condes de Westmorland e de Northumberland, tinham como
objectivo a deposição de Isabel I Tudor e a coroação de Maria da Escócia.
O acto papal foi inútil face à fúria de Isabel contra os católicos em geral e
contra a Ordem dos Jesuítas em particular; o que se fez por sua vontade contra
a catolicidade foi devastador e de uma crueldade inaudita, que não poupou a
vida da prima e a sua decapitação foi um duro golpe à autoridade divina do
poder temporal de todos os soberanos da Europa: pela primeira vez na história,
uma «rainha consagrada por Deus» foi julgada e condenada à morte. O mesmo
acontecerá com Luís XVI da França (1754-1793), na Praça da Revolução, hoje
Place de la Concorde.
Relíquias, restos mortais e despojos dos católicos tornaram-se, para os
revolucionários ingleses e franceses, objecto de vilipêndio, de desconsagração,
de profanação. Ocorria destruir para não deixar memória e não perpetrar actos
devocionais e de culto, de tal modo que os restos mortais de Santa Margarida da
Escócia desapareceram, como os de tantos outros. Mas um dia, graças à Justiça
de Deus e ao Redentor, aqueles restos ressuscitarão.
Cristina Siccardi
Através de Corrispondenza Romana
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