A videira na Bíblia é sinónimo de fecundidade:
é a superabundância da Terra Prometida, é uma vida marcada pela paz e pela
serenidade. É uma bênção. No Novo Testamento, a videira – verdadeira, aliás – é
Jesus: os ramos, todos os crentes, dependem do vínculo com Ele. Que só
permanecendo nesta contínua relação podem dar, cada um, o seu fruto.
A identificação iconográfica Cristo-videira apareceu, pela primeira vez, no
século XV, na ilha de Creta e no Monte Atos, pela mão dos iconógrafos
bizantinos fugidos da Constantinopla recém-conquistada pelos Turcos: imaginaram
Jesus abençoando no centro de uma árvore da qual partem dois ramos, sinal da
dupla natureza, divina e humana, do Salvador. Entre as doze espirais, que se
desenvolvem paralelamente a partir da madeira, aparecem os Apóstolos, quais representantes
de toda a Igreja. Poucas décadas mais tarde, Lorenzo Lotto recuperou essa
iconografia, transformando-a com uma surpreendente capacidade inventiva.
O mestre actuava em Bérgamo quando o seu amigo Giambattista Suardi, refinado
expoente da aristocracia local, o convocou para a sua casa de campo, confiando-lhe
a decoração a afresco da capela contígua. A comissão, com o relativo programa
iconográfico, deveria significar a clara tomada de posição por parte dos nobres
em relação à iminente ameaça protestante: o conde queria demonstrar, assim, a
sua lealdade à Igreja de Roma.
O oratório tem uma estrutura simples, com uma planta rectangular que desemboca numa
abside semicircular. As vigas expostas do telhado inclinado entrelaçam-se,
ilusionisticamente, por uma falsa pérgula entre a qual se projecta um luminoso
céu azul: alegres querubins brincam com rolos cujas citações bíblicas e
litúrgicas aludem ao tema da vinha e ao valor eucarístico do vinho.
“EGO SUM VITIS VOS PALMITES” (“Eu sou a videira, vós os ramos”), pode-se ler
claramente na inscrição sobre a parede esquerda, àquela a que outrora, antes da
reestruturação do século XIX, os fiéis se encontravam diante atravessada a soleira
da capela. Abaixo, um Cristo monumental escancara os Seus braços de onde partem
longos ramos de videiras que dão vida a espirais, dez por exactidão, nas quais
se inserem figuras de santos e santas. E de Doutores da Igreja: Ambrósio e
Jerónimo estão em ambas as extremidades, empenhados na luta contra a heresia
representada por enganadores vindimadores que, subindo as escadas, tentam cortar
os ramos, mas são derrubados e atirados para trás. A arma utilizada pelos dois Santos
são as Sagradas Escrituras, que ambos manejam com resoluta firmeza.
O triunfo da Fé é a chave de leitura desta particular escolha iconográfica, que
se completa com as Histórias das Santas Bárbara e Brígida nas paredes. Porque o
que realmente quisemos enfatizar aqui é a continuidade entre Cristo e a Sua
Igreja, tornada visível e tangível pelos frutos que dá: as vidas de Bárbara e de
Brígida são disso um exemplo brilhante, que Lotto relata, omitindo tons
heróicos e diminuindo os episódios individuais, com a vivacidade narrativa que
distingue o seu estilo, numa dimensão familiar e quotidiana. Admoestação a cada
um de nós.
Margherita del Castillo
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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