Em plena Sexta-Feira Santa, o portal
Dies Iræ, a pedido de Mons. Carlo Maria Viganò, traduziu e publica,
em exclusivo para língua portuguesa, uma profunda meditação de Sua Excelência
para este dia de silêncio e de recolhimento orante. Somos convidados a
unir-nos, nesta hora, à Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por meio dessa, à
Paixão da Santa Igreja.
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2 de Abril de 2021
Feria VI in Parasceve
Esta é a vossa hora e o domínio das trevas.
Lc 22, 53
Os textos da liturgia do Sagrado Tríduo atingem-nos, como uma chicotada, pela
crua brutalidade dos tormentos a que o Salvador foi submetido por vontade do
Sinédrio, por ordem do Procurador Romano. A multidão, instigada pelos sumos
sacerdotes, invoca o sangue inocente do Filho de Deus sobre si e sobre os
próprios filhos, renegando, no arco de poucos dias, o triunfo que Lhe foi tributado
com a entrada em Jerusalém. As aclamações e as hosana transformaram-se
em crucifige e os ramos de palmeira tornam-se chicotes e bastões. Como
podem decepcionar as multidões: capazes de tributar honras com a mesma
convicção com que, pouco depois, decretam a condenação à morte.
Quem são os protagonistas e os responsáveis por esta condenação? Judas, Apóstolo
entre os Doze, ladrão e traidor, que, por trinta moedas, entrega o Mestre à
autoridade eclesiástica para que o prenda. O Sinédrio, que é a autoridade
religiosa da Lei Antiga, ainda em vigor no momento da Paixão. As falsas
testemunhas, pagas ou à procura de notoriedade, que acusam Nosso Senhor, contradizem-se
umas às outras. O povo, ou melhor, a multidão pronta para as manifestações de
rua que se deixa guiar por poucos manipuladores habilidosos. O Procurador
Pôncio Pilatos, representante do Imperador na Palestina, que emite uma sentença
injusta, mas com autoridade oficial. E toda aquela aglomeração de subalternos sem
nome que se enfurece, com inaudita crueldade, contra um inocente, pelo simples facto
de que tal se espera deles: guardas do Templo, soldados do Sinédrio, soldados
romanos, turba violenta.
Nosso Senhor é condenado à morte, apesar da Sua inocência ter sido reconhecida
pelo legítimo Magistrado: Accipite eum vos et crucifigite; ego enim non
invenio in eo causam. Pilatos não quer importunar-se com os sumos
sacerdotes, nem ter a multidão contra, que podem manobrar, alavancando o ódio em
relação aos Romanos, que ocupam militarmente a Palestina. Ele sabe o desprezo
que têm por ele os levitas e os anciãos do povo, considerando-o um pagão de
quem se afastar, a ponto de não se quererem contaminar entrando no Pretório:
ficam de fora, a controlar se o poder temporal que os oprime se torna cúmplice
deles ao condenar por blasfémia, ou seja, por um crime de natureza religiosa o
seu Messias. Mais: para mandar matar, sem condenação, um inocente. Innocens
ego soma um justi hujus sanguine justi hujus, diz Pilatos. Assim, a
autoridade civil, por temor diante da arrogância e da chantagem de um motim,
renuncia a exercer a justiça; assim, a autoridade espiritual, para não perder o
poder que havia monopolizado, esconde as profecias, insiste em não reconhecer o
Messias prometido, apesar das contínuas confirmações da Sua divindade, e
conspira para matar Jesus Cristo porque, dizendo a verdade, Ele proclamou-se
Deus. Os príncipes dos sacerdotes ameaçam Pilatos: Si hunc dimittis, non es
amicus Cæsaris, e chegam a submeter-se ao poder imperial para mandar matar
o seu Rei: Non habemus regem, nisi Cæsarem. Mas não era Herodes o rei da
Judeia?
Até na Cruz – onde o Senhor entoa a antífona do próprio Sacrifício com as
palavras do Salmista: Deus meus, Deus meus: ut quid me dereliquisti? –
os que conheciam de memória as Sagradas Escrituras fingem não reconhecer
naquele grito solene a última advertência à Sinagoga, presságio da abolição do
sacerdócio levítico e da iminente destruição do templo, quarenta anos depois,
pelas mãos de Tito. No Salmo 21, David prediz o que os Hebreus tinham diante dos
seus olhos e que já não eram capazes de compreender por causa da sua cegueira,
e aquela advertência ouvi-la repetir, hoje, nos Impropérios da liturgia de Parasceve,
incrédulos pela infidelidade do povo eleito e atormentados pela repetição, não
menos dolorosa, da infidelidade do novo Israel, dos seus pontífices, dos seus ministros.
Não há uma única palavra na liturgia do Tríduo Pascal que não soe como uma
acusação dolorosa e sofredora; a acusação do Senhor que vê cumprir-se na traição
de Judas e do seu povo o acto com o qual o poder religioso e o civil se aliam
contra o Senhor e o Seu Cristo: Astiterunt reges terræ, et principes convenerunt in unum, adversus Dominum, et
adversus Christum ejus.
Diz Nosso Senhor: Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me
odiou a mim. Se viésseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não
vindes do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do mundo, por isso é que o
mundo vos odeia. Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é mais que o
seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Com
esta advertência, o Salvador recorda-nos que a Sua santíssima Paixão deve cumprir-se
também no Corpo Místico – Se me perseguiram a mim, também vos hão-de
perseguir a vós –, seja nos indivíduos ao longo dos séculos, seja na Igreja
como instituição no fim dos tempos. E é significativa a correspondência entre a
Paixão de Cristo e a Paixão da Igreja.
Esta correspondência parece-me ainda mais evidente nesta hora de trevas, em que
o poder do novo Sinédrio infiel e corrupto se aliou com o poder temporal no
perseguir Nosso Senhor e quantos Lhe são fiéis. Ainda hoje os príncipes dos
sacerdotes, sedentos de poder e desejosos de agradar ao império que os mantém
subjugados, recorrem a Pilatos para fazer condenar os Católicos, acusando-os de
blasfémia por não quererem aceitar a traição dos seus líderes. Os Apóstolos e
os Mártires de ontem revivem nos apóstolos e mártires de hoje, a quem, por
enquanto, é negado o privilégio do martírio cruento, mas não a perseguição, o
ostracismo, o escárnio. Encontramos Judas, que vende ao Sinédrio os bons
pastores; encontramos as falsas testemunhas, os biltres, os instigadores da
multidão, os guardas do templo e os soldados do Pretório; encontramos Caifás que
rasga as vestes, Pedro que renega o Senhor e os Apóstolos que fogem e se escondem;
encontramos quem coroa de espinhos a Igreja, quem a esbofeteia e dela escarnece,
quem a flagela e a expõe ao ludíbrio; quem lança sobre ela a cruz dos
escândalos dos seus ministros, os pecados dos seus fiéis; ainda hoje há quem
mergulhe a esponja no vinagre e quem trespasse o costado da Igreja com uma
lança; ainda hoje há uma veste inconsútil e quem a tire à sorte. Mas, como
ontem, também hoje a Mãe da Igreja e um Apóstolo ficarão ao pé da cruz,
testemunhas da passio Ecclesiæ, como outrora foram testemunhas da passio Christi.
Cada um de nós, nestas horas de silêncio e de recolhimento, examine-se a si
mesmo. Perguntemo-nos se queremos estar, na acção litúrgica dos últimos tempos,
entre aqueles que, ainda que só por conformismo, olharam para outro lado,
abanaram a cabeça, cuspiram no Senhor aquando da Sua passagem para o Calvário.
Perguntemo-nos se nesta sagrada representação teremos a coragem de limpar o Rosto
ensanguentado de Cristo na imagem devastada da Igreja, se saberemos, como o
Cireneu, ajudar a Igreja a carregar a sua cruz, se, como José de Arimateia, lhe
ofereceremos um lugar digno no qual a depor até que seja ressuscitada.
Perguntemo-nos quantas vezes já esbofeteamos Cristo, tomando o partido do
Sinédrio e dos sumos sacerdotes, quantas vezes pusemos os respeitos humanos antes
da nossa Fé, quantas vezes aceitámos trinta moedas de prata para trair e
entregar o Salvador, nos Seus bons ministros, aos príncipes dos
sacerdotes e aos anciãos do povo.
Quando a Igreja clamar o seu Consummatum est sob um céu negro, enquanto
a terra estremecerá e o véu do templo se rasgará de alto a baixo, o que falta aos
sofrimentos de Cristo (Col 1, 24) cumprir-se-á no Corpo Místico. Esperaremos a
deposição da cruz, a composição no sepulcro, o silêncio absorvido e mudo da
natureza, a descida ao Inferno. Também neste caso haverá os guardas do templo a
vigiar para que o pusillus grex não ressurja e haverá quem dirá que vieram
os seus seguidores para roubá-lo.
Virá também para a Santa Igreja o Sábado Santo; virá o Exultet e virá o Alleluja,
depois da dor, da morte e da escuridão do túmulo. Scimus Christum surrexisse
a mortuis vere: sabemos que o Seu Corpo Místico também ressuscitará com
Ele, justamente quando os Seus ministros pensarem que está tudo perdido. E reconhecerão
a Igreja, como reconheceram Nosso Senhor in fractione panis.
Este é o meu desejo, do mais profundo do coração, para esta Santa Páscoa e para os
tempos que nos esperam.
† Carlo Maria Viganò, Arcebispo
1 Comentários
Amém, Amém, Amém,
ResponderEliminarDeus Seja Louvado, e Sua Mãe Maria Santíssima.
e Nosso Anjo Custódio, nos livre de todo o mal, defenda, guarde, governe e ilumine.
Rezemos esta Oração de São Bento, também nas tentações.
A Santa Cruz Sagrada, seja a minha Luz, não seja o dragão o meu guia, retira-te satanás, nunca me aconselhes as coisas más, é mau o tu ofereces, bebe tu, do teu próprio veneno.
Invoca Maria SS, e faz muito bem, O Sinal da Cruz.
Neste dia, propósito, Silêncio estejamos com Maria SS, na Sua dor de Soledade, enquanto o Corpo do Senhor repousa, no túmulo, o Seu Espírito desceu à Mansão dos Mortos, ao encontro do nosso Pai Adão e Eva, a ovelha perdida que Jesus fala no Evangelho.
uma leitura de hoje na Liturgia das Horas, nos descreve esta passagem.
A descida do Senhor ao reino dos mortos;
no Sétimo dogma do Credo
Baixou aos infernos.
e também no Salmo 23 dois dos seus versículos.
Levantai, ó portas, os vossos umbrais....
Sofia
«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
Para esclarecimentos e comentários privados, queira escrever-nos para: info@diesirae.pt.