«Enquanto conversavam e discutiam,
aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho» (Lc 24,
15).
Três comensais e um estalajadeiro. Uma mesa posta sobre uma refinada toalha adamascada.
Enquanto a luz, que vem, como sempre, da esquerda, enfatiza as cores e projecta
sombras na parede, criando claro-escuros que ajudam a acentuar a dramaticidade
do momento. Estamos em Emaús, numa estalagem mais do que digna, considerando a fineza
dos detalhes dos pratos: é aqui que Caravaggio imagina ter-se consumado a ceia
entre o “forasteiro” e os dois viajantes que regressavam de Jerusalém, de que
fala o Evangelho de Lucas. A célebre tela, realizada em 1601 e guardada em
Londres, antecipa, em alguns anos, a segunda versão caravaggesca do mesmo tema,
actualmente em Brera. Das duas, a de Londres é, certamente, mais rica e complexa.
Merisi capta o momento culminante do episódio evangélico, o momento em que o Ressuscitado
se revela aos olhos dos dois homens, até então simples companheiros de viagem. É
jovem, Cristo, e sem barba, como um Bom Pastor paleocristão: é, assim sendo, compreensível
que não tenha sido reconhecido por quem guardava nos olhos, e no coração, uma
memória diferente d’Aquele que acabara de ser crucificado. Afinal, os
caminhantes são pessoas humildes, como se pode ver pelas roupas que vestem: o
da esquerda tem o casaco desgastado e furado. Caravaggio insiste com a luz neste
particular, assim como ilumina a concha pregada no vestuário do outro discípulo
– provavelmente Cléofas –, o que, evidentemente, faz dele, e deles, peregrinos.
Mas basta um gesto e tudo muda: Jesus estende o braço direito, a mão abençoa o
pão, símbolo eucarístico por excelência, pousado sobre a mesa. O espanto e a
consciência dos comensais traduzem-se sobre a tela no ímpeto do primeiro, que
agarra os braços da cadeira para se levantar, e nos braços abertos do outro,
funcionais ao pintor para retratar a profundidade do espaço. O único que parece
não captar o alcance do momento é o anfitrião, que observa a cena com olhar
distante.
Mas tudo fala d’Ele: a jarra de vinho e a garrafa cheia de água são símbolos,
respectivamente, da natureza divina e humana de Jesus, a cujo sacrifício alude
o prato de carne no centro da mesa. A mesma toalha branca, de resto, lembra um
altar. E na orla, a balançar, está uma belíssima composição de frutas, na gíria
pictórica uma natureza morta, que fala da precariedade da existência humana,
que, sem a Ressurreição, permaneceria, de facto, um fim em si mesma.
Caravaggio descreve, nos mínimos detalhes, a contingente realidade tal como ela
aparece. Que é, pois, o único cenário possível em que se possa cumprir o que
realmente aconteceu: Cristo que, ressuscitando, vence a morte, torna-se,
finalmente, companheiro do homem, partilhando com ele a simplicidade da vida
quotidiana.
Margherita del Castillo
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
1 Comentários
Estes dois discípulos, eram mesmo Cleofas e o mesmo S. Lucas, que depois em reunião dos Apostólos, foi o escolhido entre Lucas e José de Arimateia, a votação caiu em S. Lucas, para preencher o lugar vazio de Judas escariotes que vendeu Jesus, e depois em desespero se suicidou, para sua desgraça eterna.
ResponderEliminar«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
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