As lições que se tiram da leitura da
Paixão do Senhor são inesgotáveis e abrangem todas as direcções da vida
humana. Rios de tinta foram derramados para descrever e comentar o processo
pelo qual o Senhor Jesus foi condenado à morte. Queremos apreender alguns
detalhes daquele dramático processo, objecto de estudos até aos nossos dias.
Do evangelista São João (11, 47ss) sabemos que os chefes da nação judaica, enfurecidos
contra o Senhor, que acabava de ressuscitar Lázaro, aconselharam-se a
eliminá-lo: «Que havemos nós de fazer, dado que este homem realiza muito
sinais miraculosos? Se o deixarmos assim, todos irão crer nele e virão os ramos
e destruirão o nosso lugar santo e a nossa nação». Nesta afirmação escondia-se
a mais subtil hipocrisia, pois os Judeus, se Cristo tivesse sido um messias
político – o que eles bem sabiam não corresponder à verdade –, teriam sido os
primeiros a segui-lo para se libertarem do jugo romano. O sumo sacerdote
naquele ano, Caifás, pronunciou, então, a primeira sentença de morte: «Convém
que morra um só homem pelo povo e não pereça a nação inteira» (Jo 11, 50). «Com
a astúcia mais diabólica – comenta o P. Marco Sales –, Caifás, fingindo-se
não movido por ódio contra Jesus, mas por razão de Estado, isto é, por zelo
pelo bem público, sentencia ser melhor que um homem, isto é, Jesus, embora
inocente, vá para a morte em vez de ver toda a nação perecer». A partir
daquele dia – conclui São João –, decidiram matá-lo (v. 53), quer dizer, foi
decretada a morte do Justo.
A seguir à traição de Judas, o Senhor foi submetido a dois processos: um
religioso, perante Anás e Caifás, e um civil, perante Pilatos.
O primeiro processo, alinhavado pela autoridade judaica, ocorreu à noite: o
procedimento era ilegal porque deveria ser feito durante o dia e na presença de
testemunhas, mas estes, em plena noite, foram surpreendidos na sua impostura
(cf. Mt 26, 59ss). Caifás, então, implorou solenemente ao inocente Jesus (algo
contrário à lei mosaica que, neste caso, anulava a confissão do acusado) que
lhe dissesse se Ele era o Filho de Deus. Jesus, então, afirmou solenemente a Sua
divindade perante o Sinédrio e, por isso, foi considerado digno de morte. Durante
o resto da noite, o divino Cordeiro é deixado à mercê dos abusos e dos
escárnios dos Judeus, que o ultrajam cobrindo-o de injúrias.
Mas como a Palestina, à época, dependia de Roma, a única que tinha o poder de
condenar à morte, ocorria encaminhar o caso a Pilatos, procurador romano, para
obter, da autoridade romana, a ratificação da condenação. Jesus foi, pois,
conduzido ao Pretório, onde os Judeus não entraram para não serem contaminados
antes da Páscoa. Estranho legalismo: temem contaminar-se entrando na casa de um
pagão, mas não têm medo de matar um inocente! Estava, pois, para iniciar o
julgamento político de Cristo e neste novo tribunal ocorria levar contra
Ele acusações políticas. Estas, em síntese, foram três. Os Judeus acusaram
Cristo de: 1. ser um sedutor de multidões; 2. proibir o pagamento do tributo a
César; 3. afirmar ser rei. Pilatos entendeu imediatamente a falsidade das duas
primeiras acusações e deteve-se apenas na última. Quando Pilatos perguntou a
Jesus se era rei, Jesus – num maravilhoso colóquio – responde que é, mas
explica o significado da Sua realeza: «O meu reino não é deste mundo»,
disse, e, de tal modo, retrazia a questão ao terreno religioso. Satisfeito com
a resposta, Pilatos declara-o desmerecedor de qualquer condenação. Tenta,
naquele momento, libertar Jesus com três expedientes. Em primeiro lugar, manda-o
a Herodes, já que Jesus vinha da Galileia e Herodes era tetrarca daquela
região, mas esta primeira tentativa falhou, não encontrando Herodes qualquer
ponto de acusação. Depois, confrontou o Salvador do mundo com um homicida,
Barrabás, remetendo à multidão a escolha, mas também essa tentativa resultou vã.
Finalmente, fê-Lo flagelar. Tratava-se de suplício atroz reservado aos
escravos, no qual, muitas vezes, a vítima perdia a vida. Depois dessa terrível
tortura, Jesus foi apresentado à multidão vestido com uma túnica escarlate, com
uma coroa de espinhos e um bastão como ceptro. Ousarão ver nesse rei de farsa um
competidor de César? Pilatos já havia cometido uma injustiça ao enviar Jesus
inocente a Herodes; mas, condenando-o à flagelação, cometera uma outra bastante
pior. Embora esperasse, desse modo, apaziguar os Judeus, na realidade – mostrando
a sua indecisão –, tornou-os mais ousados ao exigir a morte do inocente
Jesus.
Os Judeus trouxeram de volta, então, a acusação sobre o título de Filho de
Deus, que devia ser a única causa da Sua morte. Pilatos tenta um último
expediente e, com gesto simbólico, lava as mãos para mostrar aos Judeus que,
diante do seu tribunal, Jesus é inocente. «Com este acto – explica Sales
–, Pilatos faz uma nova rendição de si mesmo ao fanatismo do povo. Se Jesus
é justo, porque é que o juiz que deve fazer triunfar a justiça o abandona nas
mãos dos seus inimigos?». Interpelou a multidão uma segunda e uma terceira
vez, protestando a inocência de Jesus, com o resultado de ouvir reiterada a Sua
condenação à morte. «De novo, Pilatos dirigiu-lhes a palavra, querendo
libertar Jesus. Mas eles gritavam: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Pilatos
disse-lhes pela terceira vez: “Que mal fez Ele, então? Nada encontrei nele que
mereça a morte. Por isso, vou libertá-lo, depois de o castigar. Mas eles
insistiam em altos brados, pedindo que fosse crucificado e os seus clamores
aumentavam de violência. Então, Pilatos decidiu que se fizesse o que eles
pediam» (Lc 23, 20-24).
Pilatos era um homem inseguro, cuja consciência pagã supersticiosa, apoiada pelos
sonhos da esposa, Cláudia, temia um possível castigo dos deuses. Por outro
lado, temia ainda mais a denúncia a César, por parte dos Judeus, se não tivesse
cedido aos seus pedidos. Por isso – nota o P. Marco Sales –, «em vez de
fazer triunfar a justiça, faz-se ele mesmo cúmplice da iniquidade e, abafando a
voz da consciência, deixa-se guiar pela razão de Estado. O temor de ser acusado
a César como muito condescendente na defesa e à autoridade do império, torna-o
um dócil instrumento dos instintos selvagens da multidão».
Acredita-se commumente que grande parte da responsabilidade pelo deicídio recai
sobre as autoridades judaicas e sobre Pilatos, pagão, a de um homicídio. Mas
qual foi a fraqueza e o erro de Pilatos?
Os príncipes dos sacerdotes tinham visto bem as hesitações de Pilatos e,
portanto – quando perguntou quem libertar, se Jesus ou Barrabás –, incitaram a
multidão a pedir Barrabás. A este ponto, vistos frustrados os seus planos,
Pilatos – escreve o P. Marco Sales – «comete a suma imprudência de interrogar
directamente o povo sobre a sorte de Jesus». O que farei eu de Jesus,
chamado o Cristo? Disseram todos: seja crucificado (Mt 17, 22-23). Pilatos
declina a sua responsabilidade adoptando um princípio democrático, remetendo
uma decisão, que lhe pertencia exclusivamente, a um povo furioso e possesso,
instigado pelas autoridades judaicas. Pouco antes, o Senhor Jesus, na Sua
conversa com Pilatos, chamava-o discretamente ao seu dever. Disse-lhe, então,
Pilatos: «Não me dizes nada? Não sabes que tenho o poder de te libertar e o
poder de te crucificar?». Respondeu Jesus: «Não terias nenhum poder
sobre mim, se não te fosse dado do Alto. Por isso, quem me entregou a ti tem
maior pecado». É como se dissesse – comenta Martini: «nem de César, nem
dos meus inimigos terias o direito de fazer algo contra mim, se por especial
conselho da providência divina não te fosse dado o arbítrio da Minha vida.
Assim, sustenta modestamente a dignidade do Seu ser e exorta Pilatos a não temer
o furor daquela pouca multidão a ponto de se esquecer daquela potestade
infinitamente superior, à qual estava também ele sujeito».
Mas as palavras do Salvador não atingiram o coração do procurador romano. E o
nome de Pilatos, que esperava, com um gesto simbólico, declinar toda a
responsabilidade pelo homicídio de um inocente, foi – por uma irónica
disposição da Providência – destinado a permanecer registado no Credo da
Igreja Católica até ao fim dos tempos, tristemente conhecido por ter condenado à
morte, com um procedimento democrático, o Filho de Deus.
Cristiana de Magistris
Através de Corrispondenza Romana
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