Tentamos concentrar-nos sobre as tantas
leis em vigor actualmente. Obedecemos-lhes por medo das sanções, ou porque
quase sempre foi assim, ou porque o parlamento as votou. Inversamente, derrogámo-las
porque a vantagem da derrogação supera a desvantagem da sanção, ou porque
queremos revolucionar as leis até agora consolidadas, ou porque não acreditamos
neste parlamento e queremos um outro. Em todos esses casos, porém, evitamos
abordar a questão da lei apenas pelo que é realmente importante, isto é, se é justa
ou não. E a justiça da lei não se dá nem pelo temor das sanções, se não for
respeitada, nem pelo facto de se ter feito sempre assim, nem pelo voto de um
parlamento.
Tommaso Scandroglio dedica um livro [Legge ingiusta e male minore. Il voto ad una legge ingiusta al fine di limitare i danni. Editora Phronesis, pp.
443] ao tema da lei justa e da lei injusta, e analisa por que vias seja justo
ou injusto lutar contra uma lei injusta.
A expressão “lei injusta” é, em si, uma contradição. Santo Agostinho afirmava
que nunca havia encontrado uma lei que não fosse justa; na verdade, uma lei
injusta nem é sequer uma lei. São Tomás também sustentava que uma lei injusta
não só não obriga a consciência a respeitá-la, mas vincula-a a não respeitá-la,
precisamente, porque não é sequer uma lei. Mas, para Hobbes, não é a justiça a
fazer a lei, mas o poder e, portanto, cada lei, pelo simples facto de ser
promulgada pelo poder, é justa. Neste ponto encontramos o positivismo jurídico
ao estilo de Kelsen, que vê nas leis apenas factos jurídicos válidos porque são
consequentes a outras leis fundamentais factualmente propostas, e o
historicismo, segundo o qual em todas as leis acabam por coincidir vigência e
validade, dado que o único facto jurídico e a sua razão universal coincidem
sempre, mesmo que em forma dialéctica.
A lei é uma ordem da razão. Se cria desordem, não alcança o propósito, se cria
ordem, sim. A lei – seja natural, moral ou jurídica, embora com grandes diferenças
entre as três – é uma prescrição, diz “deves” ou “não deves”. A lei é, pois,
finalística, pois ordena (e corrige a desordem) para permitir que as coisas
alcancem a sua finalidade. Sem finalidade, de facto, não há ordem.
Então, onde é que a razão encontra a ordem finalística a cujo serviço se deve
pôr? Na mente do legislador? No voto de uma assembleia? Na posição de um poder?
Não seriam ordens válidas para todos e sempre? Scandroglio explica-o bem: a lei
humana (ou positiva, como dizem os juristas) funda-se na lei natural, que se
refere ao fundamento original da lei eterna. Aqui, o conceito de lei injusta encontra
sentido. É uma lei humana não justificada, não legitimada pela sua
correspondência à lei natural. A tragédia é que se a lei é apenas humana, a lei
pode ser manipulável e disponível para que a justiça e a injustiça se confundam,
e entre o carrasco e a vítima não haja diferença. Se for fundada na lei
natural, não está à disposição de ninguém.
A parte mais consistente do livro de Scandroglio não é, todavia, aquela
dedicada aos problemas que, agora, expus brevemente e que são também uma
premissa absolutamente necessária. É, pelo contrário, a parte que examina o
voto dado a uma lei injusta para limitar os danos. Aqui, entramos no concreto
das lutas contra as leis injustas que, muitas vezes, são levadas a cabo, no
entanto, segundo modalidades que são elas próprias injustas. Isso acontece,
sobretudo, quando se quer corrigir uma lei para evitar o mal maior e reduzir o
dano, mas, deste modo – aponta Scandroglio, com uma análise detalhada dos casos
mais concretos –, não se evita o mal maior, apenas se atrasa.
A doutrina do mal menor enganou – responsavelmente, ou não, pelas suas
consciências, esse é um outro discurso – muitos deputados católicos e levou-os
a querer fazer o bem através do mal. A doutrina do mal menor, de facto, é uma
aplicação da doutrina mais geral segundo a qual se pode fazer o mal para obter
um bem. Algo que Scandroglio nega, com a ressalva, no entanto, de entrar no
mérito das várias possibilidades e situações para não se generalizar excessivamente
sem considerar as diferenças e distinções. Neste sentido, uma das partes mais
importantes do livro é, certamente, a análise ética e jurídica do uso adequado
do parágrafo 73 da encíclica Evangelium vitæ, de João Paulo II, cujo texto tem sido frequentemente
utilizado para justificar, nas salas parlamentares, escolhas de voto incompatíveis
com a justiça.
Duas tendências do pensamento ético e jurídico concorrem, hoje, para colocar
muitos obstáculos a uma correcta concepção da acção de luta contra as leis
injustas. A primeira é que não existam os mala in se ou intrinsece
mala, ou seja, acções que são sempre más, incorrigivelmente contrárias à
lei natural e, por conseguinte, que não se podem propor pela lei positiva. Da
sua justificação, o legislador deveria abster-se sempre de modo inegociável e
do mesmo modo deveriam ser sempre combatidas. A segunda – ligada, aliás, à
primeira – é que, tanto na moral quanto no direito, existam apenas leis
imperfeitas. Esta é uma tendência muito evidente na teologia moral de hoje e, assim
sendo, também na concepção católica dos problemas jurídicos. O motivo é o
abandono da dimensão natural pela dimensão totalmente histórica e experiencial.
A lei é considerada um ideal regulador, logo, um ideal em relação ao qual as leis
realmente promulgadas podem ser apenas uma aproximação. Scandroglio esclarece estas
problemáticas examinando-as de dentro das formas lícitas (ou ilícitas) para
lutar contra as leis injustas.
Stefano Fontana
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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