Na carta apostólica Patris Corde,
redigida por ocasião do 150.º aniversário da declaração de São José como padroeiro
da Igreja Universal, o Papa Francisco escreve: «Na sociedade actual, muitas
vezes os filhos parecem ser órfãos de pai. A própria Igreja de hoje precisa de
pais. Continua actual a advertência dirigida, por São Paulo, aos Coríntios:
“Ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais” (1
Cor 4, 15); e cada sacerdote ou bispo deveria poder acrescentar como o Apóstolo:
“Fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho” (4, 15). E aos Gálatas
diz: “Meus filhos, por quem sinto outra vez dores de parto, até que Cristo se
forme entre vós!” (Gl 4, 19)».
Os filhos, muitas vezes, não têm pai porque as instâncias predominantemente de
matriz feminista criaram uma trágica distorção do ser mãe e, portanto, do ser
pai, minando o conceito de família na sua essência natural. Também a Igreja foi
minada pela revolução feminista e, como todas as revoluções, traz consigo
destruição e escombros. Somos uma sociedade, muitas vezes, órfã de pais, é
verdade, e observamos todos os efeitos nas novas e extraviadas gerações; mas também
não queremos permanecer órfãos da autoridade que guarda e defende a Fé, o
Vigário de Cristo. São José, declarado padroeiro da Igreja, pelo Beato Pio IX, a
8 de Dezembro de 1870, é modelo para todos os pais cristãos, é o pater
familias por excelência: paternidade autoritária, protectora, estável,
segura, sábia. São João Crisóstomo afirma que São José, desde o momento em que acolheu
a esposa Maria, «tornou-se ministro de toda a economia [do mistério]» (Matthaeum,
5, 3: PG 57, 57-58). São Jerónimo afirma que «permaneceu virgem aquele que mereceu
ser chamado pai do Senhor» (Adversus Helvidium, 19: PL 23, 213).
Santo Agostinho, por outro lado, declara com convicção: «José é esposo
(maritus) de Maria, sua cônjuge não pelo amplexo carnal, mas pelo afecto (non
concubitu, sed afetu); não pela união dos corpos, mas – o que mais vale (quod
est charius) – pela comunhão das almas (copulatione animorum)» (Contra
Faustum, 23, 8: PL 42, 470; cf. Contra lulianum, 5, 12 : PL 44,
810); ademais: «Como Maria era castamente esposa, José era castamente
esposo; e como Maria era castamente mãe, José era castamente pai... Porquê pai?
Porque tanto mais verdadeiro pai, quanto mais casto pai (tanto firmius pater,
quanto castius pater). O Senhor não vem, portanto, do sémen de José, mesmo que
se acreditasse nisso; e, todavia, à piedade e à caridade (pietati et charitati)
de José, nasceu um filho da Virgem Maria, que também é Filho de Deus» (Sermo
51, 16.20: PL 38, 348.351; cf. De consensu Evang., 2.1: PL 34, 1071,
s.).
Walafrido Strabo associa José, Maria e Jesus: «Os pastores encontraram Maria,
José e o Menino: por meio destes três, o mundo foi salvo» (Lc 2, 16: PL
114,896). Deve-se a São Bernardo a comparação entre o José do Antigo Testamento
e José de Nazaré, utilizado pelo Breviarium Romanum como leitura do
segundo nocturno para a festa de 19 de Março (Homilia II super Missus est:
PL 183, 69s.). São Tomás estabeleceu os fundamentos da teologia josefina: o
primeiro diz respeito ao matrimónio verdadeiro e perfeito entre José e Maria,
quanto à essência e primeira perfeição, mas não quanto ao uso (Summa
Theologiæ, III, q. 29, a.2 ; IV Sent., dist.
30, q. 2, a.2); o segundo trata da virgindade perfeita conservada por José ao
longo da sua existência (Ad Gal., c. 1, lect. 5; Super Mt. 12, 46
e s.; Super Io., cap. 2, lect. 3; cf. Summa Theologiæ, III, q. 28, a.3 ad 5); o terceiro diz respeito ao voto de
virgindade, tanto em Maria quanto em José, condicionado antes do matrimónio,
absoluto depois (IV Sent., dist. 30, q. 2, a. 1; Summa Theologiæ,
III, q. 28, a. 4 in c. et ad 1 et 3).
Outros desenvolvimentos
teológicos devem-se à escola franciscana: de São Boaventura a São Bernardino de
Sena, passando por Pietro di Giovanni Olivi, Ubertino de Casale e Bartolomeu de
Pisa. Mas não esqueçamos a obra de Santa Teresa de Ávila (†1582), que «honrou, com uma
incrível devoção, a exímia dignidade de São José, pregou o seu patrocínio,
promoveu o seu culto», como dizia o Papa Leão XIII, intitulando ao «glorioso
pai» o seu primeiro mosteiro de Ávila (1562) e, depois, dez outros, que se
tornaram centros de irradiação de devoção àquele que, homem justo e puro,
descendente do Rei David, teve a honra, na Terra, do poder paternal de Jesus:
Medina del Campo (1567), Magalón (1568), Toledo (1569), Salamanca (1570),
Segóvia (1574), Beas de Segura (1575), Sevilha (1575), Caravaca (1576), Palência
(1580), Burgos (1582). Argumentava a reformadora do Carmelo: «Qualquer graça
pedida a São José será, certamente, concedida; quem quiser crer, deve fazer a
prova para que seja persuadido». E ela teve demonstrações inúmeras vezes.
O P. Maria Giovanni Giuseppe Lataste, dominicano da província francesa, falecido
a 10 de Março de 1869, ofereceu a própria vida para que São José fosse
declarado padroeiro da Igreja Universal e que o seu nome fosse incluído no
Cânone, como está escrito na Vita del Reverendissimo Fr. Alessandro Vincenzo
(V. 4), Mestre-Geral da Ordem, escrita pelo P. Giacinto Maria Cormier, O.P. Revelou-o
Pio IX ao próprio P. Jandel, que lhe entregara a carta onde o P. Lataste
confessava ao Pontífice o seu propósito. Acrescentou o Papa Mastai-Ferretti: «Recebemos
mais de 500 cartas, nas quais nos pediam para declarar São José Padroeiro da
Igreja; mas o P. Lataste apenas ofereceu a sua vida».
A devoção do Beato Pio IX a Nossa Senhora, devoção que encontrou a sua máxima
expressão na definição da Imaculada Conceição, de 8 de Dezembro de 1854, não
deveria ser separada daquela para com São José, testemunhada pela presença da
figura do São José no grandioso afresco da Sala da Imaculada, realizado por
Francesco Podesti, onde o santo é colocado, imediatamente antes de São Pedro, ao
lado de Jesus; além disso, na alocução consistorial Maxima quidem (9 de Junho
de 1862), Pio IX invocou, pela primeira vez, São José antes dos nomes dos
apóstolos Pedro e Paulo. Enquanto, no discurso de 29 de Junho de 1867, declarou:
«Maria e José saíram do coração dos homens e, até recuperarem o poder que
ali exerciam, o mundo não se salvará. Mas espero bem nos próximos anos. São
José é mais conhecido, mais amado, mais honrado; ele salvar-nos-á».
Como se podem conciliar as reivindicações feministas dentro da Igreja? É impossível,
porque a Igreja é uma instituição terrena e sobrenatural que deve espelhar a Esposa
mística de Cristo, onde a estabilidade não pode ser prejudicada: Maria é a sua
Mãe e São José é o seu Pai. O modelo de referência das religiosas feministas
não é, por conseguinte, a Sagrada Família, mas as mulheres das fés protestantes,
como fez, por estes dias, a Ir. Nathalie Becquart, nomeada, pela primeira vez,
subsecretária do Sínodo com direito a voto, que declarou: «Um apelo para
todas as mulheres. O Papa ouviu a voz de quem pede uma maior presença feminina».
E acrescentou: «É muito importante chegar a uma mudança de mentalidade. É um verdadeiro desafio e continua em curso porque vimos de uma experiência de cunho patriarcal».
A religiosa francesa, missionária xaveriana, pensa que, com a sua nomeação, o
Pontífice quis «ouvir as vozes e os desejos de quem pede uma maior presença
das mulheres na Igreja a todos os níveis. Creio que isso também se enquadre na
visão eclesiológica do Papa, que leva em conta a importância do sensus fidei do
povo de Deus. Aqui, sim, penso que a minha nomeação possa ser lida como uma
intenção de incluir a consideração do sensus fidei nas estruturas». Mas a
Ir. Becquart saberá o que significa sensus fidei? Ou distorce o seu significado,
como costuma acontecer na linguagem neo-modernista e como também acontece na
interpretação de santos, incluindo São José, padroeiro da Igreja?
O sensus fidei é um dom que o baptizado recebe, tornando o filho de Deus
capaz de ser consciente da Fé que foi transmitida, de geração em geração, na
Igreja, com os seus patriarcais – segundo a ordem divina (que beleza!) – pastores
e, precisamente, graças a esta graça do Espírito Santo é capaz de advertir
quando os princípios doutrinários são ameaçados, logo, quando vemos, por
exemplo, que o Papa escuta as reivindicações feministas, o sensus fidei
de muitos baptizados e baptizadas alarma-se. Mas o padroeiro da Igreja, como
sempre, não desamparará os órfãos orantes.
Cristina Siccardi
Através de Corrispondenza Romana
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