O portal Dies Iræ tem a grata alegria de
disponibilizar a entrevista que realizou ao português José Sepúlveda, residente
no Brasil e discípulo do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, destacado líder
católico no Brasil do século XX e referência, a nível mundial, para inúmeras
gerações de contra-revolucionários.
José Carlos Sepúlveda da Fonseca, português residente no Brasil desde 1978, é
discípulo do eminente líder católico Plinio Corrêa de Oliveira, de quem recebeu
a sua formação espiritual e intelectual e com o qual colaborou, proximamente,
em diversos trabalhos, sobretudo no seu último livro Nobreza e elites
tradicionais análogas, nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza
romana. Ainda sob a sua liderança, militou activamente na Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família, Propriedade – TFP. É sócio do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, com sede em São Paulo, e,
desde 2012, é Presidente da Associação Lusa pela Tradição, Família e
Propriedade, com sede em Coimbra. Analista político, palestrante, colabora com
as revistas Catolicismo e Terça Livre; com uma conta no Twitter
com mais de 120.000 seguidores, mantém um
canal próprio no YouTube; mantém,
igualmente, o programa semanal Radar da Mídia, no canal Terça Livre e a Análise da Semana, no canal PHVox; é autor
de diversos blogues, entre os quais Radar da Mídia e um dedicado ao pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira.
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1. Começamos por lhe agradecer por tão gentilmente ter acedido ao nosso pedido
para que esta entrevista, há tanto tempo desejada, se tornasse realidade.
Podemos pedir-lhe que, brevemente, nos fale do apostolado que desenvolve no
Brasil?
A alegria é toda minha de poder
atender ao vosso pedido. O Brasil vive, há alguns anos, um fenómeno que é de
difícil compreensão, se nos ativermos apenas às notícias dos media. Após um
longo período de letargo mais ou menos generalizado na opinião pública,
começaram a manifestar-se reacções de porte ao esquerdismo dominante na
cultura, na política, na economia e até nos ambientes religiosos. O domínio do
Partido dos Trabalhadores, com os Presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff, e
os imensos escândalos de corrupção, de fundo ideológico, contribuíram para esse
despertar: políticas agressivas no campo moral, como imposição de educação
sexual e ideologia de género nas escolas, tentativas de fazer aprovar o aborto,
agressões ao direito de propriedade alimentaram essas reacções, de naturezas e
de profundidades diversas. Atenho-me aqui ao surgimento de grupos de jovens,
por todo o Brasil, que passaram a empenhar-se nos estudos e nas acções de
carácter conservador, uns com vertentes mais acentuadamente religiosas outros
com notas mais político-sociais. Dentre estes, alguns empenharam-se em conhecer
e aprofundar o pensamento e a acção especificamente contra-revolucionária de
Plinio Corrêa de Oliveira e da sociedade por ele fundada, a TFP. Tenho tido a
alegria de colaborar com diversos destes grupos. Além disso, hoje posso, como
discípulo do Prof. Corrêa de Oliveira, difundir, nas redes sociais e em canais
de YouTube, a sua vida de católico militante, os seus ensinamentos e as suas
análises sempre tão actuais.
2. Na obra Christus Vincit, Mons. Athanasius Schneider, Bispo
auxiliar de Maria Santíssima em Astana, referindo-se ao apostolado que,
actualmente, vem sendo desenvolvido através dos meios digitais de comunicação,
assume que vê «a internet e as redes sociais como instrumentos providenciais
que oferecem, aos leigos desejosos de defender a fé, uma possibilidade única de
agregação». O que lhe parece?
Essa afirmação de Mons. Athanasius Schneider parece-me bem precisa na
descrição do que acontece em diversas partes do mundo e, de modo muito especial,
no Brasil. Neste momento, por exemplo, há uma empenhada acção de esclarecimento
e um sério debate nos meios católicos a respeito da V Campanha da Fraternidade
Ecuménica, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O
documento, elaborado sob a direcção de uma pastora luterana, que contém graves
erros doutrinários que chocam de frente com as verdades católicas, causou muita
perplexidade e indignação. Diversos canais de leigos alimentaram, com análises
sérias e documentadas, esta controvérsia. Inclusivamente, pude fazer no meu
canal pessoal um vídeo a respeito dos fundamentos doutrinários de tal documento
e do contexto histórico no qual apareceu.
3. Em Terra de Vera Cruz, temos constatado que se têm largamente difundido os
vídeos que, regularmente, publica no seu canal no YouTube, que já conta com quase
35 mil subscritores. Presentemente, como é bem visível, somos inundados com abundante
informação virtual, muitas vezes oriunda dos chamados influencer que,
entre outros, congregam quantidades crescentes de jovens. Este público jovem,
não raras vezes, encontra-se sedento de Verdade, mas, na sua grande maioria,
não tem qualquer tipo de formação espiritual e doutrinal. Considera que os seus
vídeos podem fazer a diferença? Quais têm sido as reacções daqueles que o
acompanham virtualmente? Considera-se um influencer Católico?
Em 1983, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira escreveu, na Folha de S.
Paulo, o jornal de maior circulação no Brasil, um artigo em que abordava precisamente
este assunto. Ou seja, para ele um país não pode ser concebido apenas como um
conjunto de classes profissionais, pois isso equivaleria a dizer que a vida é
só trabalhar: «Pensar e, por meio do pensamento, conquistar a Verdade,
amá-LA, servi-LA, eis o grande fim da vida», dizia ele, para acrescentar,
logo em seguida, que «uma concepção a-filosófica e a-religiosa da sociedade,
meramente económica e profissionalista, dá origem ao grande desespero das
multidões contemporâneas». Está aqui, a meu ver, o cerne do fenómeno que tive
oportunidade de referir um pouco antes. Ante este desespero, é crescente a avidez
pela busca de uma formação intelectual e religiosa séria, inclusive com muitas
conversões. Esse fenómeno, uma das notas esperançosas no Brasil de hoje, não
diz respeito apenas ao público jovem, mas estende-se a diversas faixas da
opinião pública. O “despertar” de um letargo intelectual e espiritual é muito
presente nas reacções e depoimentos que quase todos os dias recebo do público
que assiste ao canal no YouTube. Os vídeos que gravo abordam diversos temas, políticos,
sociológicos, históricos, religiosos; mas tenho-me empenhado, particularmente,
em abordar temas da actualidade à luz dos princípios contra-revolucionários, introduzindo
elementos da Doutrina Católica e da vida dos Santos. É esse o empenho
específico da minha actuação, nesta verdadeira luta que se trava, hoje, na
sociedade contra as influências e as manobras revolucionárias, que visam acabar
de destruir a Civilização Cristã. Se essa actuação me faz um influencer católico, é algo que não sei
avaliar com precisão.
4. Em Revolução e Contra-Revolução, obra recentemente publicada em
Portugal, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, cujo 112.º aniversário natalício recordámos
há pouco tempo, referindo-se à iminente IV revolução, alegava que os
contra-revolucionários devem «observar, analisar e prever os novos passos do
processo, para ir opondo, tão cedo quanto possível, todos os obstáculos contra
a suprema forma da Revolução tendencial, como de guerra psicológica
revolucionária, que é a IV Revolução nascente». À luz destas palavras, de
que forma é que, presentemente, podemos e devemos «observar, analisar e
prever os novos passos do processo»?
No mencionado livro Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa de
Oliveira chama a atenção para a perda do poder persuasivo da dialéctica e da
propaganda comunista doutrinária integral e ostensiva. Com isso, a propaganda
comunista procurou, cada vez mais, fazer-se de modo camuflado, suave e lento,
ora difundindo os princípios marxistas, esparsos e velados, na literatura
socialista, ora insinuando, na própria cultura dita “centrista”, princípios
que, à maneira de germens, se multiplicam levando os centristas à inadvertida e
gradual aceitação de toda a doutrina comunista. Esta Revolução Cultural já
seria a expressão da IV Revolução, que caminharia, igualmente, para o
aniquilamento do Estado hipertrofiado, dando origem a um estado de coisas
cientificista e cooperativista. O Prof. Corrêa de Oliveira previa, ainda, que
esse caminhar para um tipo de vida “tribal” teria de passar pela extinção dos
velhos padrões de reflexão, volição e sensibilidade individuais, gradualmente
substituídos por modos de pensamento, deliberação e sensibilidade cada vez mais
colectivos. Ora, o mundo vive, nos presentes dias, um dos momentos mais
turbulentos e caóticos das últimas décadas, em que diversos destes traços da
chamada IV Revolução se vão delineando. A propósito de uma epidemia, cuja
origem e expansão continua envolta em espessas brumas, ressurgiram, no campo
revolucionário, inúmeras vozes afirmando estarmos diante da crise ideal para
dar novo incremento às agendas da esquerda de todos os matizes. Houve até quem
saudasse a presente pandemia – pandemónio, diria eu – como um “presente de
Deus” para a esquerda. Sociedades economicamente desorganizadas, como
consequência de lockdowns abusivos e
sem efectividade; poderes nacionais diluindo-se ante as exigências de
organismos internacionais, numa marcha para a utopia da República Universal;
dissolução paulatina do ordenamento jurídico das nações ocidentais, com medidas
autoritárias tomadas por governos ditos democráticos; a chamada “ciência” condicionando
todos os aspectos da existência, tornaram-se realidade. Além disso, a renúncia
à reflexão parece ter tomado conta de largas parcelas do público, acuado pelo
medo e por uma propaganda avassaladora e manipuladora. O sentimento colectivo
tem condicionado, cada vez mais, as deliberações individuais e muitos têm renunciado,
de bom grado, a liberdades fundamentais. Para não falarmos do mais grave, o
“desaparecimento” de missas, o encerramento de igrejas, a dificuldade de
receber os sacramentos, tudo isto com uma aceitação quase completa e comodista
dos clérigos e de muitos fiéis conformados com uma religião “online”.
5. Ao aproximarmo-nos da Semana Santa, quando a Santa Igreja torna presente aos
fiéis a Paixão, Morte e Ressurreição do Divino Redentor, que na sua agonia
exclamou «Pater non mea voluntas, sed tua fiat» (Mt 26, 39), constatamos, com profunda tristeza, que a Igreja
se prepara para ceder às exigências laicistas, mascaradas de prevenção
sanitária, dos Estados que, um pouco por todo o mundo, desejam o cancelamento
das celebrações religiosas. Tende-se, como é evidente, a uma propagação do
“vírus ateu”. Qual lhe parece ser a melhor resposta que nós, Católicos, devemos
dar a quem promove e a quem pactua com estas iníquas medidas?
Tive a oportunidade de fazer, há dias, um vídeo em que analisei as atitudes
do santamente heróico Arcebispo de Münster, Clemens August von Galen, no seu
enfrentamento ao regime brutal e neo-pagão implementado pelo
nacional-socialismo, na Alemanha, por Hitler e seus asseclas. Como um
verdadeiro leão – o que lhe valeu, precisamente, o cognome de Leão de Münster –
o futuro Cardeal von Galen usou a sua cátedra episcopal para proferir três
sermões que abalaram o regime e se espalharam nas próprias fileiras do
exército. Infelizmente, são muito poucos, nas fileiras eclesiásticas, os leões
que estão dispostos a fazer frente à ofensiva laicista em nome da proliferação
do “vírus ateu”. Aliás, é curioso que as ondas desta epidemia crescem e dão-se
sempre na época de importantes datas do calendário litúrgico: a primeira onda,
na Páscoa do ano passado, a segunda onda, no Natal, a terceira onda, na Páscoa
deste ano... Permitam-me que, neste momento de desolação, dê o meu conselho aos
católicos baseado nas palavras do Prof. Corrêa de Oliveira ao comentar num
artigo, do jornal Catolicismo, sobre a agonia de Nosso Senhor no Horto:
A invencibilidade do verdadeiro católico está em que, «no auge da aflição,
da humilhação, do desamparo, ele tem ainda nas mãos a arma que vence todos os
adversários. Quanto isto é verdade nas lutas da vida interior! Sem recursos
para encontrar o caminho, ou para resistir, rezamos... e acabamos por vencer. E
quanto é verdade no apostolado! Apavora-nos o ímpeto da onda paganizante?
Pensamos logo em concessões, nas quais sacrificamos o acidental por que é
acidental, o essencial secundário, porque é secundário, e, por fim, o
principal... “para evitar mal maior”». Creio que é este o principal
conselho que devemos ter presente. Mas também é nosso dever de católicos manifestar
às autoridades eclesiásticas, de modo sempre respeitoso, a nossa santa
inconformidade pela atitude incompreensível de ceder a exigências que não
apresentam fundamentos científicos certos e que só aumentam a desolação num
mundo profundamente atingido por uma crise de fé.
6. Plinio Corrêa de Oliveira escreveu que «para o homem de fé, as linhas
mestras da História são traçadas segundo critério claro e luminoso: o que foi
feito da Igreja Católica e da Civilização Cristã no curso deste milénio, deste
século, deste ano? O que será de uma e de outra no porvir?». Diante destas
interrogações, actuais como nunca, o que responderia?
Como tive oportunidade de dizer um pouco antes, poucas vezes o mundo viveu
um momento tão turbulento e de tantas mudanças. Uma corrente de utopistas não
cessa de maquinar e trabalhar para dissolver a soberania das nações, rumo a um super-governo
mundial. O “vírus chinês” calhou como uma luva no plano destes utopistas. A
desenvoltura com que uma planificação mundializante é posta em prática, não
pode deixar de assustar. Como bem nos mostrou o mundo soviético, tais imensos
edifícios políticos, artificialmente planeados e niveladores, são
necessariamente apoiados num aparato policialesco e repressor. O cidadão
soviético, sem direitos, sem liberdades, sem bens, foi, durante décadas, vítima
de uma centralização ditatorial e de uma “ordem” carcerária e policialesca,
tornando-se uma pré-figura do indivíduo-massa planetário, desejado por tais
utopistas. A propósito da chamada crise sanitária, é bom recordar que já se
fala, em países ditos democráticos, de campos de reeducação, de cerceamento das
liberdades fundamentais, como, por exemplo, o direito de ir e vir e até da
proibição da aquisião de bens considerados “não fundamentais”, além de
sofisticados sistemas de controlo dos cidadãos. Tal utopia, niveladora e
massificante, é diametralmente oposta a uma Civilização inspirada no Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, portanto, a Igreja Católica, com os seus
ensinamentos divinos, será vista, sempre mais, como a inimiga de tal “novo
normal”.
7. Para concluir, gostaríamos de lhe pedir que dirigisse uma breve mensagem aos
Católicos portugueses, em especial àqueles que, justamente, se encontram
perplexos e desorientados perante a gravíssima crise que a Santa Igreja
enfrenta e a plangente postura da Hierarquia eclesiástica.
Um dos factores de maior perplexidade nos dias que correm é a crise interna
na Santa Igreja. Ela tem um histórico, que seria longo aqui descrever, mas nos
últimos anos a ofensiva daquilo que Paulo VI qualificou como o misterioso
processo de auto-demolição acentuou-se muito. A Revolução investiu contra o que
é a própria alma do Ocidente, ou seja, o cristianismo, e, mais precisamente, a
Religião Católica, que é o cristianismo na sua plenitude absoluta. Como bem
frisa Plinio Corrêa de Oliveira, em Revolução e Contra-Revolução, o êxito
dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-estaliniano sorridente foi o silêncio
enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio
Vaticano II a respeito do comunismo. A História da Igreja presenciou muitas
crises, mas jamais uma ampla e minuciosa tentativa de demolição da Igreja, já
não mais feita por um adversário externo, mas por um adversário interno desta
envergadura. Para a Igreja e para o que ainda resta da civilização cristã, esta
auto-demolição é uma imensa derrocada que se agrava a cada dia. A perplexidade
e até a desesperança podem assaltar o coração de muitos, mas, neste momento de
suma turbulência, precisamos de ter presentes as palavras de Nosso Senhor de
que «as portas do Inferno não prevalecerão». E nós, portugueses, temos
um motivo particular de esperança. Nossa Senhora, no seu desvelo, decidiu usar
Portugal e três simples pastorinhos para advertir o mundo de todos os males de que
padece. As suas advertências foram acompanhadas de pedidos de oração,
penitência e mudança de vida. Mas Ela mesmo acenou para o facto de que, «por
fim, o meu Imaculado Coração triunfará». Esta esperança, esta certeza ilumina-nos
os passos.
1 Comentários
Ontem li uma chacota em uma rede social: "a semana santa se aproxima, se não sabes ressuscitar, não se aglomere". Refletindo numa resposta decente a tal afronta me veio a passagem em que Nosso Senhor diz: "Pois aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas o que perder sua vida por causa de mim, encontrá-la-á"
ResponderEliminar«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
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