Pouco
mais de um mês após o escândalo de Ushuaia, que indirectamente crepitou no Papa
Francisco, a Congregação para a Doutrina da Fé declarou ilícitas as cerimónias
de bênção de uniões homossexuais, sob a forma de uma resposta a um dubium.
Como indiquei num artigo anterior, as circunstâncias
gravíssimas do caso obrigavam o Papa a intervir, sob pena do seu silêncio ser
interpretado como aprovação: foi um caso no País natal do Pontífice; os
“beneficiários” foram dois Secretários do Governo local, um dos quais é trans; estiveram presentes na cerimónia
o actual Governador e a ex-Governadora que realizou o primeiro “casamento”
homossexual da América Latina; a Paróquia é central na cidade e o celebrante
era um salesiano, a Congregação mais importante de toda a Patagónia; e, o pior
de tudo, o casal declarou que o Pároco havia informado o Bispo, o que este
último negou apenas parcialmente.
Francisco não quis intervir pessoalmente, mas fê-lo através da Congregação para
a Doutrina da Fé (CDF), aproveitando a circunstância de que, «em alguns
ambientes eclesiais, se estão a difundir projectos e propostas de bênçãos para
uniões de pessoas do mesmo sexo», numa velada referência ao Caminho Sinodal
alemão. Mas o documento foi apresentado oficialmente ao Papa numa audiência e
obteve a sua aprovação explícita. Essencialmente, declara que «não é lícito
conceder uma bênção a relações, ou mesmo a relações estáveis, que implicam uma
prática sexual fora do matrimónio (ou seja, fora da união indissolúvel de um
homem e uma mulher, aberta, por, si à transmissão da vida), como é o caso das
uniões entre pessoas do mesmo sexo».
Respondendo ao dubium: «A Igreja
dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo?», o Cardeal
Luis Ladaria, Prefeito da CDF, explica que, para uma relação humana poder ser
objecto de uma bênção, é necessário que «aquilo que é abençoado seja objectiva
e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça, em função dos
desígnios de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo Senhor».
O que, obviamente, não acontece nas uniões homossexuais.
Além disso, acrescenta o comunicado, tal bênção também é ilícita «enquanto
constituiria, de certo modo, uma imitação ou uma referência de analogia à
bênção nupcial»; todavia, «não existe fundamento algum para assimilar ou
estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o
desígnio de Deus sobre o matrimónio e a família».
Alegra-nos que a Santa Sé tenha, finalmente, feito ouvir a sua voz em rápida
reacção ao que aconteceu, a 6 de Fevereiro, na Patagónia argentina, e, ainda
mais, para refutar os altos Prelados que se pronunciaram a favor da celebração
de tais cerimónias, que exprimem a clara intenção de «aprovar e
encorajar uma escolha e uma práxis de vida que não podem ser reconhecidas como
objectivamente ordenadas aos desígnios divinos revelados».
Lamentamos, porém, que o documento não diga que as uniões homossexuais estáveis são mais graves e pecaminosas do que as esporádicas – porque endurecem o
pecador no seu vício e levam-no à impenitência – e que até insinue o contrário
ao tecer elogios à «presença, em tais relações, de elementos positivos, que
em si são dignos de ser apreciados e valorizados».
Se nos alegra que a resposta ao dubium
reitere uma verdade tão evidente como a de que a Igreja «não abençoa nem
pode abençoar o pecado» (era o que faltava!), ficamos um pouco
decepcionados com a ausência de uma agravante: que se tratam de relações que
constituem uma «depravação grave» e um daqueles pecados que «bradam
ao Céu» (Catecismo da Igreja Católica, nn. 2357 e 1867).
A nossa satisfação seria plena se o Santo Padre, aproveitando o impulso desta
declaração, desse, finalmente, uma resposta aos cinco dubia, apresentados pelos Cardeais Meisner, Caffarra, Brandmüller e Burke, sobre a correcta
interpretação do capítulo VIII de Amoris
lætitia.
A reputação do Papa Francisco ficaria ainda mais comprometida se aparecesse aos
olhos dos católicos como conivente com a recepção sacrílega da Sagrada Comunhão
por parte de divorciados civilmente recasados do que se parecesse conivente
com a escandalosa “bênção” de uma união homossexual em Ushuaia.
O início do ano Amoris lætitia,
no dia 19 de Março, é uma boa ocasião para exercer o munus petrino, confirmando os seus irmãos na fé e respondendo “sim”
ou “não” às cinco perguntas feitas pelos Cardeais, cujo teor aproveitamos
a oportunidade para relembrar:
1. Pergunta-se se, de acordo com quanto se afirma em Amoris lætitia, nn.
300-305, se tornou agora possível conceder a absolvição no Sacramento da
Penitência e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia uma pessoa que, estando
ligada por vínculo matrimonial válido, convive, more uxorio, com outra
sem que estejam cumpridas as condições previstas por Familiaris consortio,
n.º 84, e, entretanto, confirmadas por Reconciliatio et pænitentia,
n.º 34, e por Sacramentum caritatis, n.º 29. Pode a expressão «[e]m
certos casos», da nota 351 (n.º 305) da Exortação Amoris lætitia, ser
aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver more uxorio?
2. Continua a ser válido, após a Exortação pós-sinodal Amoris lætitia (cf. n.º
304), o ensinamento da Encíclica, de São João Paulo II, Veritatis splendor,
n.º 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da
existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer excepção, que
proíbem actos intrinsecamente maus?
3. Depois de Amoris lætitia, n.º
301, ainda se pode afirmar que uma pessoa que viva habitualmente em contradição
com um mandamento da Lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o
adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objectiva de pecado grave
habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24
de Junho de 2000)?
4. Depois das afirmações de Amoris
lætitia, n.º 302,
relativas às «circunstâncias atenuantes da responsabilidade moral»,
ainda se deve ter como válido o ensinamento da Encíclica, de São João Paulo II,
Veritatis splendor, n.º 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a
Tradição da Igreja, segundo a qual: «as circunstâncias ou as intenções nunca
poderão transformar um acto intrinsecamente desonesto pelo seu objecto, num
acto “subjectivamente” honesto ou defensível como opção»?
5. Depois de Amoris lætitia,
n.º 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da Encíclica de São João
Paulo II, Veritatis splendor, n.º 56, assente sobre a Sagrada Escritura
e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da
consciência e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar
excepções às normas morais absolutas que proíbem acções intrinsecamente más
pelo próprio objecto?
Ou teremos de esperar por um outro escândalo na Argentina para que Vossa
Santidade se digne responder a esses distintos Prelados, dois dos quais
aguardam a sua resposta já na eternidade?
José Antonio Ureta
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