No debate sobre a liceidade moral das
vacinas, são citados dois episódios, tirados da Sagrada Escritura, que parecem contradizer-se.
Mas a contradição é apenas aparente.
O primeiro caso, narrado no Segundo Livro dos Macabeus, é o de Eleázar, que
preferiu morrer a comer carne suína (cap. 6, 18-31); semelhante escolha fizeram
os sete irmãos Macabeus (cap. 7, 1-42).
O segundo caso é o de São Paulo, que, na sua Primeira Carta aos cristãos de
Corinto, afirma que é lícito alimentar-se da carne que é oferecida, sobre os
altares, em sacrifício aos falsos deuses pagãos (1 Cor 8, 1-13).
Um exame dos dois casos ajuda-nos a definir a posição correcta dos católicos no
debate moral contemporâneo.
Eleázar era um célebre Doutor da Lei, de 90 anos, que sofreu o martírio, em 167
a.C., durante a perseguição do rei Antíoco IV Epifânio. Foi pedido a Eleázar que
demonstrasse a sua apostasia da religião nacional, comendo carne de porco
proibida pela lei hebraica, e que o fizesse publicamente, para tornar evidente
a todos a sua apostasia do culto de Jaweh. Ao ancião até se lhe abriu para que
comesse a carne proibida pela lei. Mas ele recusou constantemente e rejeitou,
inclusive, fingir que a comia, como lhe sugeriram os seus discípulos; porque
mesmo se não a tivesse realmente comido, teria, de qualquer modo, feito crer
que renegava a Lei de Deus e a fé n’Ele. O mesmo foi pedido aos Macabeus e também
eles preferiram o martírio, respondendo aos perseguidores: «Estamos prontos a
antes morrer do que violar as leis dos nossos pais» (cap. 7, 2).
A proibição da lei mosaica de comer carne suína cai, porém, com a vinda de
Jesus Cristo, que morreu para anular todo o sistema das leis hebraicas (Rm 14,
2). Um Anjo apareceu a São Pedro, que não queria comer comidas impuras, e
disse-lhe que nenhuma comida devia ser considerada contaminada, repetindo-lhe
três vezes: «O que Deus purificou não o consideres tu impuro» (At 11,
7-12).
A questão que alguns cristãos de Corinto colocaram a São Paulo não dizia
respeito à carne de porco, mas àquela oferecida aos deuses durante os
sacrifícios aos ídolos. Nos sacrifícios, de facto, as carnes imoladas eram queimadas
em parte; o resto era distribuído a sacerdotes ou vendido nos mercados
públicos. Visto que todos os açougues de Corinto usavam carne imolada aos
ídolos, perguntavam-se se o cristão que comia daquela carne cometia uma
apostasia. A alguns cristãos convertidos do hebraísmo repugnava, de facto, como
a São Pedro, o pensamento de comer algo que era considerado impuro na sua
religião precedente.
São Paulo, porém, explicou que era lícito alimentar-se da carne oferecida, sobre
os altares, em sacrifício aos falsos deuses pagãos, porque «sabemos que um
ídolo não é nada no mundo e que não há outro deus a não ser o Deus único» (1
Cor 8, 4). O que está contaminado não é a comida, diz o próprio Jesus, mas o
coração dos homens (Mc 7, 1-23; Mt 15, 10-20), do qual deriva cada mal moral. Por
isso, alimentar-se da carne sacrificada aos ídolos é moralmente lícito e não comporta
nenhum pecado. Era esta a doutrina da Igreja e um cristão instruído na sua fé
devia conhecê-la. Porém, explica São Paulo, nem todos os cristãos de Corinto eram
capazes de compreendê-lo, porque «alguns, acostumados até há pouco ao culto
dos ídolos, comem a carne como se fosse um verdadeiro sacrifício aos ídolos e a
sua consciência, fraca como é, fica manchada» (ibid. 8, 7).
O que está contaminado não é a carne, mas a consciência fraca de alguns
cristãos que, vendo outros cristãos comer a carne sacrificada aos ídolos, se
escandalizavam ou, acreditando que estavam a fazer o mal, a comiam por respeito
humano e pecavam apesar de não comerem nada, em si, ilícito. Por conseguinte,
São Paulo recomenda que que se tenha cuidado para não os escandalizar (1 Cor 8,
10-11).
Os dois episódios fazem-nos compreender um importante princípio da Teologia Moral.
Nunca é lícito praticar um acto que, em si mesmo, é ordenado para o mal. Era
este o caso do banquete sacrificial em que era pedido a Eleázar e aos Macabeus que
cometessem um acto de apostasia comendo a carne proibida.
Se não podemos nunca cumprir um acto ordenado para o mal, não somos co-responsáveis
por um acto ordenado para o mal cometido por outros e do qual não participámos.
A carne oferecida aos ídolos é, em si, boa, como qualquer bem criado. Mau é o acto
de sacrificá-la aos falsos deuses. Mas, comendo aquela carne impura, não sou
responsável por aquele acto, explica São Paulo.
Utilizar a vacinação contra o COVID não significa, de modo algum, participar no
pecado do aborto. Se, todavia, um perseguidor obrigasse um católico a comer
carne na Sexta-Feira Santa, este deveria recusar-se até ao martírio.
Assim, Eleázar e os irmãos Macabeus fizeram bem em garantir o martírio, mas não
cometiam pecado algum os cristãos que comiam a carne sacrificada aos ídolos na
época de São Paulo. Em ambos os casos, a lei era observada.
Em 1876, foi descoberto – sob o altar-mor da Igreja de San Pietro in Vincoli,
em Roma – um sarcófago paleocristão onde repousam os ossos e as cinzas dos sete
Santos Macabeus.
Peçamos a Eleázar e aos irmãos Macabeus para nos comportarmos com o seu
heroísmo quando nos for pedido para transgredir uma lei injusta e peçamos a São
Paulo para seguir as suas santas recomendações, procurando sempre e apenas, nas
nossas acções, a glória de Deus e o bem do nosso próximo.
Roberto de Mattei
Através de Radio Roma Libera
1 Comentários
Se sabemos que umas vacina é feita de abortados não devemos tomar porque "tanto é ladrão o que vai à horta como o que fica à porta" Por isso quem souber que as vacinas não feitas de bebés abortados e mesmo assim as tomar pcomete também pecado mortal. Porque abortar é um pecado mortal gravíssimo, e comer carne de porco não é um pecado. Por isso não se pode comparar esses exemplos da Bíblia com a situação atual que usam fetos abortados. Ângela.
ResponderEliminar«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
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