«Vamos subir a Jerusalém e o Filho
do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, que o vão
condenar à morte. Hão-de entregá-lo aos pagãos, que o vão escarnecer, açoitar e
crucificar. Mas Ele ressuscitará ao terceiro dia» (Mt 20, 18-19).
Há um traço comum nas quatorze telas que compõem a Via Crucis de Gaetano
Previati, conservada na Colecção de Arte Contemporânea dos Museus Vaticanos. É
uma cor: o vermelho, aquele purpurino e profundo do manto de Cristo que já diz
tudo sobre o sofrimento do Calvário, um mistério sobre o qual o mestre, como
testemunha um contemporâneo, meditara, durante dez meses, fechado no seu atelier
de Milão, depois de ter adquirido as armações necessárias e uma grande e maciça
cruz de madeira. Que, relatam sempre as fontes, Previati carregava sobre si cada
vez que lhe acontecia perder a inspiração.
É fruto da fé do pintor, pois, este ciclo, realizado, de facto, não por uma
específica encomenda e exibido, pela primeira vez, num contexto completamente secular,
como a Quadrienal de Turim de 1902. Previati já havia, aliás, enfrentado o
mesmo tema desafiador anos atrás, chegando a realizar, em 1888, os afrescos para
o cemitério de Castano Primo, removidos, depois, por motivos de conservação e,
actualmente, expostos no museu cívico local. Comparado a essa primeira versão, a
vaticana transcende a iconografia tradicional para alcançar uma visão
profundamente intensa e dramática que força qualquer um que a observe,
independentemente do seu credo, a confrontar-se com a dor de Cristo.
As telas são decididamente grandes, superdimensionadas para uma qualquer
colocação eclesial ou privada. E, como desejava o autor, devem ser vistas em
sequência, sem interrupção. O ponto de vista está tão intimamente relacionado
que as figuras parecem sair da moldura da pintura, atraindo, ao contrário, o
observador para o espaço onde se consome o drama sagrado: como se Cristo
estivesse mesmo a passar ali.
A subida ao Calvário tem início, e continua, tendo como fundo um céu canelado
pelos clarões de um intenso pôr-do-sol, que atingem os personagens amontoados
em torno de Jesus, as fisionomias deformadas, como se fossem máscaras, deste
imenso sofrimento que Nosso Senhor carrega por Si mesmo, mas que pertence a cada
Homem que recuse e negue o Seu amor. Vemo-lo, pela primeira vez, amarrado à
coluna, a cabeça já coroada de espinhos, e encontramo-lo, de estação em
estação, através das figuras que se aproximam d’Ele, do Cireneu à Virgem Maria,
com a qual o cruzar de olhares é pungente além de qualquer medida.
Jesus, sob as pinceladas materiais de Previati, cai uma primeira, uma segunda,
uma terceira vez antes de ser, por fim, crucificado. Tudo está, enfim, consumado:
os braços estendidos para o alto, pregados na cruz, confirmam-no. Do vermelho
real do início, resta apenas um indício nos brilhos distantes. Uma luz, porém,
investe o Seu corpo, rasgando a escuridão da sepultura. O ciclo vaticano fecha-se,
assim, com uma clara indicação da iminente Ressurreição.
Margherita del Castillo
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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