O jornalista e médico Nelson Castro
publicou o livro La salud de los Papas (A saúde dos Papas), que
está para sair por estes dias. Também nesse aparece uma entrevista ao Papa
Francisco, por ele concedida em Fevereiro de 2019, que o jornal argentino La
Naciòn publicou, em primeira mão, a 27 de Fevereiro. Na entrevista, muitas
são as curiosidades relativas à saúde do Pontífice, curiosidades que também se
podem transformar em reflexões sobre alguns temas de grande relevo. Aqui,
porém, queremos enfatizar as palavras finais do Pontífice que encerram a
entrevista. Castro pergunta ao Papa: «Como imagina a sua morte?». A
resposta: «Como Papa, em exercício ou emérito». Em 2014, voltando de uma
viagem apostólica à Coreia, o Papa Francisco expressou-se, desta forma, a
respeito da vexata quæstio do “Papa emérito”, surgida depois da
renúncia de Bento XVI: «Penso que o Papa emérito não seja uma excepção, mas,
depois de tantos séculos, este é o primeiro emérito [...]. Penso: há 70
anos, até os bispos eméritos eram uma excepção, não existiam. Hoje, os bispos
eméritos são uma instituição. Penso que o “Papa Emérito” já é uma instituição. Porquê?
Porque a nossa vida se alonga e, a uma certa idade, já não há a capacidade de
governar bem, porque o corpo cansa-se, talvez a saúde seja boa, mas não há a capacidade
de levar a cabo todos os problemas de um governo como o da Igreja. E creio que
o Papa Bento XVI tenha feito este gesto que, de facto, institui os Papas
eméritos. Repito: talvez algum teólogo me dirá que tal não está certo, mas eu
penso assim. Os séculos dirão se é assim ou não, veremos. Poderá dizer-me: “E
se não se sentir capaz, um dia, de continuar?”. Farei o mesmo, farei o mesmo! Rezarei
muito, mas farei o mesmo. Abriu uma porta que é institucional, não excepcional».
Não queremos aqui dobar uma meada intrincadíssima relativa ao tema da figura do
Pontífice emérito, mas apenas tentar identificar qual poderia ser a
interpretação fornecida pelo Pontífice reinante não tanto da figura do Papa
emérito, mas da natureza do próprio Papado. E fazemo-lo a partir, precisamente,
das suas palavras a respeito do “Papa emérito”. O Código de Direito Canónico,
no cânone 332 § 2, prevê a renúncia do Romano Pontífice ao ofício petrino, mas como
excepção. Por que motivo podemos afirmá-lo? Porque, ao contrário dos outros
bispos, o romano não se reforma. O seu munus é vitalício. E a história testemunha-o
bem: os casos de renúncia foram muito raros. Portanto, a norma é que, sendo-se
eleito Papa, morre-se como Papa.
Pelo contrário, o Papa Francisco, deixando a última palavra à História, que
tudo pode mudar, afirma, claramente, que o Papa emérito, de excepção, deve
tornar-se uma instituição. Em suma, tratar-se-ia de uma opção equivalente à de
permanecer «no cargo», para usar as palavras do Pontífice. Isso faz-nos
compreender que, para o actual Papa, o Pontificado é mais semelhante a um
trabalho do que a uma vocação, mais semelhante a uma posição de gestão de uma
multinacional (o termo “católico” já não significa “universal”, mas “internacional”,
adquirindo uma sonoridade mais socialistizante) do que a uma instituição de
carácter divino. Resumindo, ser Papa parece ser uma profissão e, como tal, a um
certo ponto, e por motivos pessoais, poder-se-ia deixar e decidir aposentar-se.
Abandona-se um ofício que, interpretado desta forma, já não tem uma dimensão
transcendente – o termo “pontifex” significa, literalmente, “construtor de
pontes”, entre o mundo sensível e o ultra-sensível, tarefa confiada, na antiga
Roma, a um sacerdote – mas apenas imanente.
Esta visão pragmática do Papado é absolutamente coerente com a orientação
cultural do actual Pontificado, tão impregnado de impulsos historicistas que
querem desencadear processos sem metas (Bento XVI, segundo Francisco, «abriu
uma porta» que, nos séculos futuros, poderá permanecer aberta ou fechar-se)
e próprios das filosofias fenomenológicas. O horizonte em que se coloca a
figura do Pontífice é asfixiado porque fechado apenas numa perspectiva só
temporal, só secular. A fé perdeu transcendência, a moral perdeu metafísica. Se
estas são as premissas culturais, as conclusões, quanto à interpretação da
figura do Papa, só podem ser consistentes com tais premissas: a Igreja é,
substancialmente, uma ONG ou uma empresa, para o topo da qual é nomeado um
presidente ou um administrador delegado (o Papa já não é vigário, mas delegado
de Cristo na Terra), que, por razões de idade e por motivos de saúde, pode
reformar-se. O Papado é reduzido ao seu mero exercício, entre outras coisas, privado
de inspiração divina e ligado apenas às capacidades psicofísicas de governo, e desaparece
a figura do «doce Cristo na Terra».
Tommaso Scandroglio
Através de Corrispondenza Romana
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