Não se sabe o que leva um Papa a
dedicar continuamente homilias e catequeses para “reabilitar” Judas e
desacreditar a Sempre Virgem Maria. Certamente, não se pode evitar que um
tratamento tão diverso se torne, aos ouvidos católicos, pelo menos um pouco dissonante;
para não dizer inquietante. O facto está que o Papa Francisco, na passada quarta-feira, véspera da Solenidade da Anunciação, voltou, uma vez mais, a
depreciar o título de Co-Redentora; já o tinha feito a 3 de Abril de 2020, dia
em que se comemoravam as Sete Dores de Maria, e a 12 de Dezembro de 2019,
memória litúrgica da Virgem de Guadalupe: sempre pontualmente na
véspera ou no dia de festas marianas.
A nota dominante destas intervenções é, infelizmente, sempre a mesma
superficialidade e unilateralidade na selecção e interpretação de passagens das
Escrituras e dados da Tradição. Vejamos, por exemplo, a escolha do ícone Hodegétria.
O Papa menciona-o para afirmar algo que contradiz o próprio sentido da
iconografia mariana. Afirma que o significado destes ícones seria o seguinte: «Maria
está totalmente voltada para Ele, a ponto de podermos dizer que é mais
discípula do que mãe [...]. Este é o papel que Maria desempenhou ao
longo da sua vida terrena e que conserva para sempre: sendo a humilde serva do
Senhor, nada mais».
Na realidade, quando se vai ver este tipo de ícone, encontra-se praticamente
sempre o duplo diagrama MP ΘY (abreviatura de Meter Theou),
respectivamente à esquerda e à direita da cabeça de Nossa Senhora (em relação a
quem olha para o ícone). A Hodegétria não é, de forma alguma, uma
simples discípula e humilde serva que indica Jesus, mas a Theotókos, no
sentido próprio deste termo, como foi definido em Éfeso e especificado na
diatribe entre São Cirilo e Nestório, e como, mais tarde, foi novamente
retomado, pelo Concílio de Calcedónia, numa função anti-monofisita. A intenção
de ambos os Concílios Ecuménicos não era, de modo algum, elogiar a Mãe de
Jesus, exagerando um pouco, movidos pelo afecto, como declarou Bergoglio em
referência aos títulos marianos. Se assim fosse, os dois Concílios teriam
poupado os vários anátemas e os Padres Conciliares ter-se-iam cumprimentado com
uma palmada nas costas, talvez escarnecendo com o que Cirilo lhe tivesse desferido...
Mas não. Para aqueles Concílios, os títulos marianos tinham um conteúdo
teológico bem preciso. São João Damasceno, intérprete e pai da tradição
bizantina, deixa bem claro que «só o nome Theotókos contém todo o mistério
da economia da salvação». Por sua vez, o Tomás de Aquino do Oriente, São
Gregório Palamas, não parece concordar em nada com a ideia de que os títulos
marianos nada mais são do que uma série de afectuosos exageros derramados sobre
uma graciosa discípula: «Desejando criar uma imagem da beleza absoluta e
manifestar claramente, aos anjos e aos homens, a força da sua arte, Deus fez
Maria toda bela. Ele reuniu nela as particulares belezas distribuídas às outras
criaturas e constituiu-a comum ornamento de todos os seres visíveis e
invisíveis: ou, melhor, fez dela como a síntese de todas as perfeições divinas,
angelicais e humanas, uma beleza sublime que enobrece os dois mundos, que se
eleva da terra até ao céu e que supera até este último».
Expressões que nos fazem compreender como Maria Santíssima supera toda a ordem
da criação e se coloca, pela graça, na esfera de Deus, embora não sendo Deus.
Gregório menciona, com uma imagem, aquela ordem hipostática, na qual a Toda
Santa foi colocada por Deus. De facto, «Maria é como a linha divisória entre
o criado e o incriado. Só ela recebeu os dons divinos sem medida e Deus colocou
tudo nas suas mãos: ela é o lugar de todas as graças, a plenitude do bem, a
imagem viva de todas as virtudes; só ela foi cheia dos carismas do Espírito
Santo e é exaltada sobre todas as criaturas pela sua união com Deus».
Textos como estes testemunham a consciência do excesso não das nossas palavras,
mas da grandeza do mistério de Maria. Por isso, afirma-se De Maria numquam
satis.
A interpretação do Papa Francisco do ícone Hodegétria está, pois,
claramente em contraste com o próprio ícone e com o contexto teológico em que
vive a iconografia bizantina. E, de facto, ao lado deste tipo iconográfico, há
outros que testemunham o excepcional e inatingível mistério da humilde Serva de
Nazaré; pense-se na Panagia Platytera ou Platytera ton ouranon (“mais
ampla que os céus”), na Pantanassa (“Rainha do Universo”) ou na Ypsilotera
ton ouranon (“mais alta que os céus”).
O que espanta, ainda nesta “terceira edição” das intervenções contra a Co-Redenção
mariana, é a forma como o Papa Bergoglio ignora ou decide não levar em
consideração a presença do termo Co-Redentora e do cerne da doutrina que lhe
diz respeito na história da Mariologia. Fala disso como se a singular
participação de Maria na obra da Redenção, subjectiva e objectiva, fosse uma recente
invenção de algum fanático isolado.
Autores medievais, como São Bernardo de Claraval, que a denomina “reparadora”,
e Arnaldo de Chartres, que não hesita em afirmar que «Cristo e Maria
realizaram a obra da Redenção humana», retomam, desenvolvem e relançam a
reflexão patrística sobre Maria, Nova Eva; o século XVII é, então, o século da
sistematização da doutrina sobre a Co-Redenção mariana, até chegar, no século
XX, à presença do título de Co-Redentora nos documentos das Congregações
Romanas e nos discursos dos Papas. Bento XV, na Carta Apostólica Inter
Sodalicia (1918), explica, com extrema clareza, que, pelo sofrimento vivido
por Maria, juntamente com o seu Filho, que Ela mesma oferece em imolação, «pode-se
afirmar, com razão, que ela, juntamente com Cristo, redimiu o género humano».
Por isso, Pio XI, a 30 de Novembro de 1933, não hesita em ser o primeiro Papa a
usar o título de Co-Redentora: «O Redentor não podia, por necessidade, não
associar a sua Mãe à sua obra e, por isso, nós invocámo-la com o título de Co-Redentora».
O capítulo VIII de Lumen Gentium contém, na sua essência, a doutrina da Co-Redenção
mariana, embora os Padres Conciliares tenham preferido não utilizar o termo. No
entanto, a nota explicativa da sub-comissão teológica, conforme relatado em Lo
schema mariano al Concilio Vaticano II, do P. Giuseppe M. Besutti, texto imprescindível
para compreender a Mariologia do Concílio, especifica que o título de Co-Redentora
era «absolutamente verdadeiro em si mesmo».
O mariólogo belga Jean Galot, intervindo numa conferência internacional
organizada pela Congregação para o Clero, a 28 de Maio de 2003, esclarecia,
mais uma vez, com base no texto de LG, que «a Co-Redenção significa uma cooperação
na Redenção. Não significa uma igualdade de Maria com Cristo, porque Cristo não
é Co-Redentor, mas Redentor e o único Redentor. Maria não é Redentora, mas Co-Redentora,
ao unir-se a Cristo na oferta da Sua Paixão. Assim, o princípio da
singularidade do Mediador fica totalmente salvaguardado [...]. O
Concílio nega que esta unicidade seja ameaçada pela presença mediadora de
Maria. Atribuindo à Santíssima Virgem os títulos de Advogada, Auxiliadora,
Resgatadora, Medianeira, afirma que “a mediação única do Redentor não exclui,
antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única
fonte” (LG, 62). O título de Co-Redentora não pode, portanto, aparecer como uma
ameaça ao poder soberano de Cristo, porque emana deste poder e nele encontra a
sua energia».
Luisella Scrosati
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
1 Comentários
Fico tão triste, quando bergólio, fala da SS. Virgem desta forma.
ResponderEliminarQuanto não ficará triste o Céu e sobretudo o Filho Santíssimo, todo o Céu e os justos da Terra, com os dizeres de bergólio.
Não é um leigo qualquer, é o que na terra, devia representar, o próprio Cristo.
Como ousa de forma reiterada, ofender, escandalizar, os verdadeiros fiéis Cristãos, da Sua Mãe SS.
Senhor, Tende Misericórdia,
Não releveis, Senhor, mais estas ofensas, contra Vossa SS. Mãe e Senhora Nossa.
Olhai, benignamente para o resto da Humanidade que em Vós e na Vossa SS. Mãe, confia.
Como Senhora Co-Corredentora, Senhora de Misericórdia, Senhora de Piedade, Porta do Céu, Estrela da Manhã, Refúgio dos Pecadores, Consoladora dos Aflitos, Auxilio dos Cristãos, Rainha do Céu e da Terra.
Amém.
«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
Para esclarecimentos e comentários privados, queira escrever-nos para: info@diesirae.pt.