«E o Verbo fez-se homem e veio
habitar entre nós» (Jo 1, 14).
Ansano é o protector de Sena que, colónia romana, no alvorecer do século IV,
foi evangelizada pelo santo, que, desde muito jovem, foi ao encontro do
martírio pela sua fé em Cristo. Mil anos depois, foi-lhe dedicado um altar no
braço esquerdo do transepto da nova Catedral da cidade, para a qual, em 1333,
foi encomendada uma das primeiras pinturas, de tema evidentemente mariano,
sendo a Catedral dedicada a Nossa Senhora da Assunção: a Anunciação, de Simone
Martini, que aqui contou com a colaboração do cunhado, Lippo Memmi; no final do
século XV, foi substituída in loco por um retábulo mais adequado aos
ditames estilísticos da Contra-Reforma. Aquela que é considerada a obra-prima
do mestre de Sena e, talvez, de toda a pintura gótica italiana – senão europeia
– admira-se agora na Galeria degli Uffizi, da qual é, sem dúvida, uma das obras
mais emblemáticas.
Trata-se, antes de mais nada, de um tríptico organizado dentro de uma elaborada
moldura, também ela renovada nos tempos modernos. Ansano, por um lado, e Máxima
(por alguns identificada como Margarida), por outro, não são apenas testemunhas
do Acontecimento que se desenrola no painel central, mas também actuam como
intermediários que difundem ao mundo o anúncio daquele facto extraordinário,
pelo qual ambos deram a vida. Acontecimento já tinha sido profetizado, no
Antigo Testamento, por Jeremias, Ezequiel, Isaías e Daniel, que, aliás,
espreitam dos medalhões do registo superior, segurando pergaminhos que referem
as suas palavras alusivas ao mistério da Encarnação.
Em posição central e elevada, provavelmente, estava, originalmente, o Pai
Eterno, alinhado com a pomba do Espírito Santo, que aqui aparece rodeada de
querubins. De tão grande fonte, portanto, jorra o anúncio de que a criatura
celeste em primeiro plano é simples portadora: Gabriel, elegantíssimo com o seu
manto de tecido escocês, cujas abas, ainda flutuantes no ar, revelam a incipiente
chegada, leva entre as mãos um ramo de oliveira, em sinal de paz. Guardados num
vaso precioso, colocado em profundidade, estão também os lírios, símbolo, por
excelência, da pureza da Virgem e sinal da presença do Filho de Deus que neste instante
se faz carne no ventre da Mãe.
Profere palavras, o arcanjo, que atravessam o espaço da mesa esculpida no ouro
da pintura e chegam a Maria como se fossem um raio de luz: “Ave, grátia plena;
Dóminus técum”. A humanidade da jovem mulher está toda naquele gesto de
relutância e de medo que a leva a cobrir o rosto com o manto, recuando
ligeiramente com os ombros enquanto mantém o olhar fixo no do misterioso
visitante. Foi apanhada de surpresa enquanto estava imersa na leitura do livro
que ainda segura na mão esquerda: as Sagradas Escrituras, provavelmente, e,
talvez, as próprias páginas em que era predito o iminente acontecimento.
O ouro, uniformemente espalhado por toda a superfície, acentua a sacralidade da
atmosfera em que se movem os protagonistas, descrita com linhas sinuosas como
exigido pelo estilo gótico. O anjo parece diáfano, com a sua veste branca e os traços
faciais delicados. É dele que parece irradiar todo esse esplendor. Que alcança
e envolve Maria, emoldurada pelo azul profundo do seu manto e sentada num
precioso assento: é uma Rainha, agora, porque futura Mãe do Rei.
Margherita del Castillo
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
1 Comentários
Que belíssimo
ResponderEliminar«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
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