Ontem, com a imposição das Cinzas,
que nos recordam a fragilidade e a mortalidade do género humano – sedento da verdadeira
misericórdia de Deus –, no qual nos incluímos, começou o tempo penitencial da
Quaresma, que nos conduzirá à gloriosa Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, o
Cordeiro que foi imolado para nos redimir das tantas e tão graves culpas que
cometemos sempre que pecamos.
No mesmo dia, a Congregação para o Culto Divino (CCD), liderada pelo conservador
Cardeal Robert Sarah, enviou aos bispos de todo o mundo uma nota com indicações
para as celebrações da Semana Santa. E é importante, mesmo que brevemente, analisar
o documento:
1. A CCD relembra que se mantém válido o decreto que foi emitido, por mandato
do Santo Padre, a 25 de Março de 2020, e que traça as indicações para as
celebrações da Semana Santa. Assim sendo, omite-se, no Domingo de Ramos, a tradicional
procissão, que relembra a entrada triunfal de Nosso Senhor em Jerusalém, confinando-se
a mesma ao interior das catedrais e igrejas paroquiais. A Missa Crismal, por
sua vez, pode ser adiada, pelo respectivo bispo diocesano, para «data mais
adequada». Sobre a Quinta-feira Santa, ordena a CCD, sempre por mandato do
Santo Padre, que seja omitido o gesto do lava-pés, que faz questão de referir
que é opcional. A somar a isso, não se realizará a transladação do Santíssimo
Sacramento, que se deve conservar no Sacrário. Em plena Sexta-feira Santa, dia
da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, omitir-se-á, uma vez mais, o acto de adoração
ao Sagrado Lenho, exteriorizado por um beijo. Também a liturgia da Vigília
Pascal sofreu alterações, reduzindo-se a liturgia baptismal à «renovação das
promessas baptismais». Primeira conclusão: reduz-se tudo ao mínimo,
continua-se a percorrer o caminho do falso despojamento e da “liturgia
pobrezinha”.
2. Na nota de ontem, a CCD mencionou as redes sociais e os meios de comunicação
social como essenciais para a ligação entre os Pastores e as suas comunidades,
e apela a que os fiéis se unam, à distância, às celebrações, transmitidas pelas respectivas
dioceses, enquanto sinal de unidade. Segunda conclusão: nada de mais obtuso,
considerando que, pelo menos em Portugal, mesmo após o reinício das celebrações
públicas, aquando do primeiro confinamento, muitos dos Pastores se acomodaram
às “missas online” e chegaram, inclusive, ao ponto de pedir aos fiéis para
ficarem em casa. Um sinal de unidade não pode, por nada, passar por isto!
3. A CCD, do conservador Sarah, insiste na necessidade de se atentar às
exigências e indicações sanitárias em vigor nos diversos Países.
Terceira conclusão: em Portugal, os ilustres prelados anteciparam-se a Roma e
privaram os fiéis da Missa e dos Sacramentos há mais de um mês, mesmo que o Governo socialista não tenha dito uma palavra para proibir as celebrações. Acumulam “tesouros
na terra”.
4. No último ponto, a CCD encoraja à preparação de subsídios para a oração em
família. Quer dizer, segue-se à risca o “abençoado” Vaticano II, qual acto
fundador da verdadeira, aberta, ecuménica e fraterna Igreja, caindo-se quase na
tentação de dizer que, para um católico que se preze, seria mais fácil viver
sem o Sol do que sem o Concílio Vaticano II. Quarta conclusão: os Mandamentos já
não são o que eram, a doutrina da Igreja está desactualizada e os ensinamentos
dos Padres da Igreja, afinal, não eram tão católicos quanto se diziam ser. Agradeçamos,
pois, a São João XXIII e a São Paulo VI por nos terem trazido aquela luz que faltava. E louvemos, sem fim, a gloriosa “hermenêutica da continuidade”. Parece
que Nosso Senhor não foi perfeito aquando da criação da Santa Madre Igreja e
todos os Concílios foram mal feitos. Excepto um, claro. Inconcebível, dir-se-ia!
5. No parágrafo com que conclui a nota, a CCD agradece aos bispos por terem «respondido
pastoralmente a uma situação em rápida mudança ao longo do ano». Quinta
conclusão: também nós, católicos arrogantes e prepotentes, devemos estar gratos
aos nossos mui ilustres Pastores por continuarem a privar tantas almas da
salvação, por incentivarem, ainda que em nome da saúde pública, desprezando a da alma, ao pecado mortal, por
condenarem incontáveis moribundos a partir deste mundo sem a absolvição e os últimos
Sacramentos, por nos dizerem que, bem lá no fundo, até nos podemos “confessar a
Deus”, abdicando, por causa do COVID-19, da Confissão sacramental. Muito
obrigado! Ou, então, corremos o risco de ser açoitados!
Tudo isto são indicações do conservador Cardeal Robert Sarah. Mas, assim
sendo, o que de conservador tem este purpurado? Sabe-se que gosta da Missa
Tradicional, mas também se sabe que se tem caracterizado pela inconstância e
falta de firmeza. Vejamos três situações:
1. Em Maio de 2020, Mons. Carlo Maria Viganò, antigo Núncio Apostólico nos
Estados Unidos da América, promoveu um apelo à Igreja e ao Mundo. Esse
documento, como se veio a saber, contava, inicialmente, com a assinatura do
Cardeal Sarah que, à última da hora, não só pediu que fosse retirado o seu nome
como chegou a escrever, no Twitter, que nunca permitiu que o mesmo constasse
no documento. Graças a Deus, ficou gravado o momento em que Sarah disse a
Viganò: «Sim, dou o meu consentimento para colocar o meu nome, porque é uma
luta que devemos conduzir juntos, não apenas pela Igreja Católica, mas por toda
a humanidade». Três dias depois, Viganò recebeu, de Sarah, esta mensagem: «Excelência
Caríssima, como ainda estou em funções na Cúria Romana, uma pessoa amiga
aconselhou-me a não assinar o Apelo por si proposto. Desta vez, talvez fosse
melhor retirar o meu nome. Lamento muito. Conhece a minha amizade e a minha
proximidade à sua pessoa. Obrigado pela sua compreensão. Robert Card. Sarah».
Curioso, não?
2. Ainda em Maio de 2020, o conservador Cardeal Sarah, em entrevista a La
Nuova Bussola Quotidiana, afirmou que «o fiel é livre de receber a
Comunhão na boca ou na mão». Este é o Cardeal Sarah numa entrevista, não é
o Cardeal Sarah, que “por acaso” é Prefeito da CCD, a pronunciar-se oficialmente.
Há quase que um distúrbio intelectual sempre que fala como Cardeal da Santa Igreja
Romana ou como Prefeito de uma Congregação romana. Trata-se da mesma pessoa?
3. A 15 de Agosto de 2020, num decreto da Congregação a que preside, é dito: «Reconheça-se
aos fiéis o direito de receber o Corpo de Cristo e de adorar o Senhor presente
na Eucaristia, nos modos previstos, sem limitações que chegam mesmo a ir além
do previsto pelas normas higiénicas emanadas pelas autoridades públicas ou
pelos Bispos». Excelente, não se pode proibir a Comunhão na boca. Não é bem
assim, pelos vistos. Dois parágrafos depois, já se lê: «Um princípio seguro
para não errar é a obediência. Obediência às normas da Igreja, obediência aos
Bispos. Em tempos de dificuldade (por exemplo, pensamos nas guerras, nas
pandemias), os Bispos e as Conferências Episcopais podem dar normas provisórias
às quais se deve obedecer. A obediência guarda o tesouro confiado à Igreja.
Essas medidas ditadas pelos Bispos e pelas Conferências Episcopais caducam
quando a situação regressa à normalidade». Quer dizer, os bispos “podem”
proibir a Comunhão na boca. E a que «normalidade» se refere Sua
Eminência? Ao “novo normal” de Bill Gates, George Soros e Jorge Mario Bergoglio?
É possível, ao simples fiel leigo, como qualquer um de nós, compreender e
constatar as incongruências que, tristemente, têm caracterizado o agir do conservador
Robert Sarah que, de vez em quando, celebra uma ou outra Missa Tradicional
e escreve uns livros que fazem pensar. Contudo, no momento da verdade, na hora
em que pode e deve ser agradável a Nosso Senhor, concretamente exercendo bem e
abnegadamente a função que lhe foi confiada, vacila e desliza para o lado do
mais delirante progressismo que, na maior parte das vezes, deixa incrédulos os
fiéis e, pior, ofende gravemente Nosso Senhor Jesus Cristo. Pelos vistos, a
Eucaristia já não é o que era!
A quem, em matéria de Religião, e não só, actua deste modo, aplica-se uma
célebre citação do Apocalipse: «Conheço as tuas obras: não és frio nem
quente. Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno – e não és frio nem
quente – vou vomitar-te da minha boca» (3, 15-16). Rezemos para que não caiamos
também nós nesta tentação de não tomar posição, antes de mais, por Cristo e
pela Igreja Católica! E, com certeza, rezemos pelo conservador Cardeal Sarah.
D.C.
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