Com o 1.º
de Janeiro, festa onomástica de D. Manuel, iniciava-se o novo ano. Recebeu a
comunhão nas primeiras horas. Celebrou-se a Santa Missa e, ao acabar, pediu de
novo para ver a luz do sol, a claridade: “Corram as cortinas… Não poderiam
deixar-me diante da varanda para que eu possa ver o sol, as árvores, a luz?”.
Assim fizeram e o enfermo, embora sentindo um novo assalto da doença, começa a
gracejar ao ver-se tão gordo naquela cama onde o deitaram: “Pareço mesmo um
novelo!”. Quase que não se podia mexer e era-lhe difícil rezar. Pediu que lhe
pusessem no quarto uma imagem de Nossa Senhora, que as religiosas, que cuidavam
dele com solicitude amorosa, lhe trazem imediatamente. Entretanto, a febre vai
subindo…
D. Leopoldo Eijo Garay, Bispo de Madrid, seu velho amigo, fez-lhe uma visita
que para D. Manuel resulta muito grata e reconfortante. Os médicos reúnem-se e
chegam à conclusão de que a operação prevista em Palência se torna impossível.
No dia 2, a gravidade acentua-se até ao extremo e, no dia seguinte, todas as
esperanças estavam perdidas. Passou a manhã mergulhado num silêncio absoluto. A
língua seca, a boca aberta à procura de ar e a respiração ofegante não o deixavam
falar. Tinha o olhar cravado no Coração de Jesus. Ao meio-dia, sentiu um certo
alívio e pôde dirigir com voz clara a recitação das três Avé-Marias. Depois,
pediu para se confessar, o que fez com plena lucidez, e passou a tarde relativamente
tranquilo, mas sem vislumbres de recuperação. O padre Fernando, seu secretário,
não o deixou um único momento. Ao entardecer, disse-lhe: “Como é bom o Senhor!”.
E o doente respondeu em voz baixa: “Tão bom!”, acrescentando uma palavra em
latim: “Magnificat”. Rezaram o Cântico de Nossa Senhora: D. Manuel dizia um
versículo e os acompanhantes outro. Ao terminar, rezou ainda o Glória Patri.
Na madrugada do dia 4, a febre subiu a quarenta e o suor não o deixava. O
coração começava a falhar. Às cinco da manhã, trouxeram-lhe a comunhão – a última
do Bispo da Eucaristia! Levantou o braço direito e abençoou quantos ali se
encontravam, como se pressentisse que tinha chegado a sua última hora. O pulso
perdido e a respiração quase de agonia. Às onze horas, chegou de Sevilha o seu
irmão Francisco. Sorriu-lhe ao reconhecê-lo, mas já não pôde falar. Deu-lhe a
entender, com o olhar, a consolação que sentia com a sua vinda.
Ao meio-dia, veio vê-lo o Núncio de Sua Santidade, Monsenhor Cicognani. D.
Manuel reconheceu-o, mas, entre as dores derradeiras, só pôde dizer-lhe o seu
agradecimento com o olhar. Com muito custo ainda conseguiu murmurar: “Que bom!”.
O irmão mostrou-lhe uma estampa de Nossa Senhora da Alegria, a sua Nossa
Senhora da paróquia de São Bartolomeu de Sevilha, onde D. Manuel recebera o Baptismo.
Fitou-a com um sorriso, beijou-a e fechou os olhos. O mundo de recordações e
emoções que a estampa terá despertado no moribundo faz parte desse cúmulo de
experiências secretas que só Deus conhece. A sua irmã Antónia continuava a seu
lado e o bispo olhava detidamente para ela com uma paz cada vez maior e em
silêncio. Teve uma leve contracção a que se seguiu um vómito de sangue. Era uma
da tarde e o Bispo de Palência, o antigo Arcipreste de Huelva, o “seise” da
Catedral de Sevilha, estava com Deus. Tinha voado a adorar o seu Mestre e
Senhor, no Sacrário aberto da nova Jerusalém, aos sessenta e dois anos de
idade.
José Luis Gutiérrez García, in Uma Vida para a Eucaristia
0 Comentários
«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
Para esclarecimentos e comentários privados, queira escrever-nos para: info@diesirae.pt.