O portal Dies Iræ teve o privilégio de
entrevistar, em exclusivo, a Ministra para os Assuntos Familiares da Hungria,
Katalin Novák, no seguimento das alterações realizadas à Constituição e dos
inúmeros ataques da Europa ao Governo de Orbán que, ao longo dos seus mandatos,
tem introduzido legislação absolutamente fundamental para a defesa dos valores
da Família e da Vida. Possa esta entrevista inspirar todos aqueles que, principalmente
em Portugal, se empenham nas mais diversificadas acções e campanhas pró-Vida e
pró-Família.
1.
Senhora Ministra, começamos por lhe agradecer por nos conceder esta tão
importante entrevista e desejamos que este novo ano possa ser repleto das
bênçãos de Deus e de Santo Estêvão para a Hungria, para o Governo Húngaro e,
claro, para a senhora Ministra. Esperamos, em breve, poder recebê-la no nosso
País. Brevemente, que balanço faz de 2020, ano marcado pelo COVID-19, a nível
nacional e internacional?
Assistimos a um ano como nenhum outro. É a primeira vez, em mais de um século,
que uma pandemia coloca o Mundo de joelhos. Forçou os decisores, líderes
políticos e económicos, bem como os cidadãos, a reavaliar as suas prioridades e
a pensar sobre o que realmente importa. Também podemos concluir que, entre os
efeitos negativos da globalização, não podemos falar apenas das alterações
climáticas ou da migração ilegal, mas devemos também dirigir a nossa atenção
para os riscos relacionados com a saúde pública. Cada crise internacional mostrou
que os estados-nação continuam a ser os actores mais capazes e poderosos para
defender os interesses dos seus cidadãos. Isto foi verdade depois da crise económica
de 2008, igualmente depois da crise migratória, em 2015, e também é verdade
agora. Não importa o potencial das organizações internacionais em ajudar os
países a coordenar e mitigar os efeitos das crises, têm sido incapazes de
prever, preparar e aconselhar os governos nacionais. Os governos nacionais
puderam tomar decisões responsáveis e arriscar, e tomar
medidas quando se tratou de limitar as viagens, ajudar sectores, limitar a
liberdade de movimento, adquirir, urgentemente, equipamentos médicos e de protecção
meses antes da UE ou outros.
Na verdade, devo observar, com tristeza, que, no caso da Hungria, organizações
internacionais e adversários políticos tentaram impedir os nossos esforços de
protecção, rotulando a nossa lei de emergência, aprovada nesta Primavera, como um
retrocesso autoritário – até mentiram sobre o Parlamento, dizendo que a questão
não esteve na sessão, quando, na verdade, esteve.
2. É Ministra para os Assuntos Familiares, do Governo de Viktor Orbán, desde
Outubro de 2020. Todavia, há já longos anos que conhece de perto a política
húngara. Para além disso, é casada e tem três filhos. O que a levou a defender
tão convictamente a Nona Emenda à Constituição da Hungria, aprovada, a 15 de
Dezembro, por grande maioria parlamentar?
Como disseram, em primeiro lugar, sou a mulher do meu marido e mãe dos nossos
três filhos. Antes da minha nomeação, fui responsável, durante anos, pela
política familiar húngara. Com a alteração da nossa Lei Fundamental, registámos
coisas que são óbvias para o povo Húngaro. Há uma tendência alarmante em que
verdades básicas, que a humanidade considerou óbvias e inquestionáveis, estão,
agora, a ser contestadas. A ideologia política parece superar a ciência e a
razão. Esta tendência ainda não está presente na Hungria, as pessoas ainda
acreditam que homens são homens e mulheres são mulheres, e que não se pode
mudar o seu ADN ou fingir que é possível. Aprovámos legislação para fechar
brechas legais e determinar quem é que o Estado reconhece como homem ou mulher,
com base na biologia e na ciência, e não na ideologia social e política. Em Dezembro,
acrescentámos à Constituição que pai é homem, mãe é mulher. Mesmo que isso seja
óbvio para nós, actualmente é contestado. Queremos defender os nossos filhos e
deixá-los ser crianças sem os usarmos para qualquer base ideológica. Parte
central do pensamento do governo Húngaro é que o interesse superior da criança
e o seu bem-estar são fundamentais.
3. Um pouco por todo o Mundo, fazendo-se notar particularmente na Europa,
assistimos a uma rejeição da Cultura Cristã enquanto garante da unidade e da
coesão dos Estados. Ao invés disso, a Hungria, através do seu Governo, opta por
vincar e reforçar esta importância do Cristianismo como valor essencial para a
preservação da identidade húngara. O que move o Governo?
O estado Húngaro está profundamente entrelaçado com o Cristianismo. Tribos
húngaras chegaram, no século VIII, à Europa e os líderes Húngaros foram aceites
pelos líderes na Europa quando nos convertemos ao Cristianismo, e o Papa enviou
uma coroa para o nosso primeiro rei. Ao longo dos séculos, o Rei Santo Estêvão
I da Hungria, bem como outros reis Húngaros, foram canonizados. A Hungria
travou muitas guerras para defender o Cristianismo Húngaro e Europeu. Estamos
na fronteira do Cristianismo Oriental e Ocidental, estivemos na fronteira entre
os mundos Cristão e Muçulmano durante séculos, e estivemos na fronteira da
Guerra Fria, infelizmente, no lado Oriental, onde o império Soviético tentou
erradicar a Cristandade. A nossa história é uma história de sobrevivência para
os Húngaros, mas também uma história de sobrevivência do Cristianismo. Mesmo os
Húngaros que não acreditam em Deus entendem e reconhecem a profunda ligação
entre a identidade Cristã, a identidade Húngara e a condição do estado Húngaro.
4. Ainda no seguimento da questão anterior, mas abordando o assunto da Família
natural, isto é, constituída por um homem, uma mulher e os eventuais filhos,
qual lhe parece ser a centralidade que a Família deve ter numa sociedade? E
porquê?
As famílias são as unidades básicas de qualquer sociedade, a menor e mais
próxima comunidade de todas as comunidades. São o tecido da nossa sociedade. Se
desfizermos esse tecido, as nossas sociedades desintegrar-se-ão como um todo. É
onde as crianças experimentam e aprendem o amor, a solidariedade, mas também a
responsabilidade e o valor da comunidade. Nem todas as crianças têm a sorte de
crescer numa família feliz, mas é do interesse da sociedade e, portanto, dever
do Estado ajudar e defender as famílias. Uma sociedade onde as pessoas não
querem ter filhos, não acreditam que vale a pena reproduzir-se, está condenada
à morte. O facto de a taxa de natalidade em todos os países Europeus não
corresponder à fecundidade de reposição diz muito sobre os nossos valores e o nosso
modelo socioeconómico. Por alguma razão, os líderes Europeus não querem
reconhecer esta situação. Preocupamo-nos com as mudanças climáticas e com o
futuro do nosso planeta, mas não nos importamos com o facto de que é preciso
haver novas gerações para lhes darmos o nosso planeta. É por isso que queremos
dar oportunidade aos Húngaros de terem quantos filhos quiserem.
5. Em 2017, um partido de extrema-esquerda português, que actualmente apoia
o Governo, defendeu que os menores de idade, a partir dos 16 anos, devem poder
processar os pais caso não lhes concedam a permissão para a mudança de sexo. Já
o Governo, contra um parecer técnico e ético, aprovou a possibilidade de
mudança de sexo a partir dos 16 anos, ainda que com a autorização dos
representantes legais dos menores de idade. Assiste-se, assim, a uma
desconstrução da identidade com que cada um nasce e a uma completa rejeição e
banalização do poder de influência que a Família, e bem, pode e deve exercer
sobre os seus filhos, mormente quando menores. Que comentários que lhe merecem
medidas como estas? Há quem as proponha também na Hungria?
Há um ditado na Hungria para quem está completamente perdido: nem sabe se ele é
menino ou se ela é menina. Daí resulta também que, para uma criança, um dos
principais pontos de segurança é o seu sexo. Não existem tais propostas na
Hungria como em Portugal, mas esta tendência é, exactamente, porque aprovámos
certas medidas legislativas na Hungria. O desenvolvimento mental e físico das
crianças é algo muito frágil. Os adolescentes são, de modo especial,
vulneráveis à influência – todos os pais podem ser testemunhas
disso. Temos leis que tornam os pais responsáveis pelas acções
e pelo desenvolvimento dos filhos por um motivo. As crianças têm
responsabilidade limitada pelas suas próprias acções por um motivo. Não podem
beber álcool, conduzir um carro ou votar nas eleições abaixo de uma certa idade
por um motivo. O estado e a sociedade têm a obrigação de defendê-los e também
de proteger os seus melhores interesses. Veja-se os regulamentos de
escolaridade obrigatória, por exemplo. Não acompanhei esse debate em Portugal,
mas a sociedade portuguesa, provavelmente, passou pelos mesmos debates e
argumentos. Se foi o que a maioria apoiou, devemos respeitar. Se a opinião da
maioria mudar, será possível mudar essa legislação. Acredito que esta é uma boa
luta e uma luta que vale a pena travar, mas cada sociedade deve assumir a responsabilidade
pelo seu futuro e pelo futuro dos seus filhos.
6. Perante o actual quadro político europeu, os constantes ataques que a
Hungria sofre, um pouco a par da Polónia, podem ser vistos como uma confirmação
de que estão no caminho certo?
Se somos atacados pela esquerda, deve isso significar que não estamos a
procurar ideologias de esquerda, mas valores conservadores. É para isso que
fomos eleitos. Há alguns anos, um comunista português liderou esse esforço, no
Parlamento Europeu, contra a Hungria. Fomos reeleitos duas vezes desde então.
Essas são questões que cada pessoa deve decidir por si mesma. A Hungria
testemunhou quatro décadas de imposição do modelo comunista e socialista. As pessoas
que viveram num país socialista nunca compreendem por que motivo o socialismo
ainda possa ser um sonho romântico para muitos na Europa Ocidental. Na Hungria,
os governos socialistas destruíram o país, com consequências duradouras, em
1919, 1989 e 2009. Sentimos o efeito e sofremos as consequências de todos os
três até hoje.
7. Em Portugal, temos acompanhado com muito interesse toda a acção do
Governo Orbán, sobretudo em matérias que dizem respeito à liberdade religiosa,
à Família e à imigração. A invasão muçulmana à Europa, com os seus milhares de
migrantes ilegais, é um dos factores que, a seu ver, levam à adopção de
políticas absolutamente anti-Família natural e anti-Matrimónio? Que resposta
deu a Hungria perante tal cenário? E, em concreto, o seu Ministério?
A esquerda não acredita no papel das nações e dos estados-nação ou da
identidade. Desejam substituir os valores e a identidade tradicionais por uma
nova identidade despojada de herança. Vimos várias tentativas disso na
história.
Rejeitar os valores familiares e promover a imigração andam de mão dada. Se a
família, a maternidade e o património comum não têm valor, os imigrantes
ilegais não representam nenhum risco e a imigração em massa é apenas uma
questão de números exigidos no mercado de trabalho. As famílias saudáveis já
não são necessárias porque a reprodução não tem importância e a imigração pode
resolver a demografia. É uma visão muito materialista e não a partilhamos. Se
as famílias e a reprodução já não estão ligadas, então família, casamento e
sexualidade podem ser o que se quiser e não passam de uma questão de moda e
ideologia. Na Hungria, acreditamos que vale a pena proteger e transmitir a nossa
cultura e herança às gerações futuras, por isso concentramo-nos na construção
de uma sociedade onde o casamento é definido como uma união entre um homem e
uma mulher, onde as famílias são definidas pelo casamento ou pela relação progenitor-filho,
e a sociedade valoriza as crianças e recompensa a procriação. É por isso que
temos construído um país amigo da família desde 2010. O objectivo é permitir
que os jovens casais realizem os seus objectivos familiares, por um lado, e,
por outro, fortalecer famílias que já criam filhos. Construímos o mais amplo
sistema de benefícios familiares do Mundo Ocidental. O orçamento central
alocado para apoiar as famílias é duas vezes e meia maior do que em 2010 e
representa 5% do PIB total. Temos um sistema tributário favorável à família, o
que significa que menos impostos se paga quantos mais filhos se tiver. Mães com,
pelo menos, quatro filhos, estão isentas do pagamento dos impostos para o resto
das suas vidas. Estamos a construir novas creches para facilitar o equilíbrio
entre vida profissional e familiar, a ajudar as famílias por meio de subsídios para
a habitação e a garantir a liberdade de escolha para as mulheres. Na Hungria,
as mães ou os pais podem optar por ficar em casa e receber uma prestação até a
criança atingir os 3 anos de idade. Também receberão benefícios caso regressem
ao mercado de trabalho. Graças a uma nova lei, as mulheres ganharão,
imediatamente, mais do que o seu ordenado líquido após o parto. A boa notícia é
que os resultados são encorajadores: a taxa de fertilidade aumentou em mais de
20%, o número de casamentos atingiu o máximo em quarenta anos, o número de
divórcios atingiu o mínimo em seis décadas.
8. Comummente ouvimos dizer, por parte de líderes europeus, que a Hungria,
ao adoptar medidas como as já referidas, não cumpre o “estado de direito”. Que
resposta lhe merece uma Europa que, aos poucos, se tem vindo a tornar refém dos
lobbies defensores das mais abjectas concepções de Estado, de Direito, de
Família e de Liberdade?
A Europa está, lentamente, a despertar para a ideia de que a sua visão sobre
dados demográficos, famílias e imigração falhou. Em 2019, pela primeira vez,
foi nomeado um Comissário Europeu para a Demografia. A crise da imigração de
2015 destacou as tensões sociais e o custo social da imigração. Ataques
terroristas e jovens a partir para a Síria, para lutar pelo ISIS, provaram os
fracassos da integração. As políticas a nível europeu mudarão se os eleitores
exigirem mudanças a nível nacional. Nesse ínterim, defenderemos os nossos
valores e os interesses. Fomos escolhidos, pelos Húngaros, para fazê-lo pelo
terceiro mandato consecutivo no governo.
9. Para terminar, gostaríamos de lhe pedir que deixasse uma mensagem aos
portugueses, principalmente àqueles que, através dos diversos meios, lutam pela
defesa da Família natural, pela inviolabilidade da Vida desde a concepção até à
morte natural, pela conservação da identidade nacional e pelo aprofundamento de
saudáveis relações entre os diversos Estados, sem que isso interfira na vida
interna de cada País, algo que a actual União Europeia, lamentavelmente, não
sabe, aliás, não quer fazer.
A minha mensagem é que devem defender a verdade e que esta é uma luta que
vale a pena travar. Ninguém o fará por vós. Estamos a travar esta luta há 10
anos. Foi muito difícil, mas também gratificante. Estamos prontos para partilhar
as nossas experiências sobre o que funciona e o que não funciona. Mas, no final,
cada pessoa e cada país são donos do seu próprio destino. Os nossos filhos
moldarão o futuro. A questão é de quem serão os nossos filhos.
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