«Quem
poderá, Senhor, habitar no teu santuário?
Quem poderá residir na tua montanha santa?
Aquele que leva uma vida sem mancha,
pratica a justiça e diz a verdade com todo o coração;
aquele cuja língua não levanta calúnias
e não faz mal ao seu próximo, nem causa prejuízo a ninguém» (Sl 15, 1).
A vinda de Jesus ao mundo marca um ponto sem retorno: o Verbo faz-se carne e o
homem, a partir daquele preciso instante, deverá escolher, a cada momento, se o
segue ou, pelo contrário, o nega. A sua salvação eterna dependerá desta
decisão, tema magistralmente desenvolvido por Giotto di Bondone no programa
decorativo da sua mais célebre capela, aquela que lhe foi encomendada, em Pádua,
por Enrico degli Scrovegni, no início do século XIV.
As admiráveis histórias da
vida de Joaquim e Ana, de Maria e de Cristo, sob o céu estrelado que fala da eternidade do tempo,
são completadas por duas teorias de figuras monocromáticas que, simulando
relevos, correm ao longo do quarto registo, o inferior. São as alegorias das
Virtudes teologais e cardeais, que enfrentam os Vícios que elas mesmas ajudam a
combater, traçando um caminho edificante que encontra pontuais comparações no
pensamento de Agostinho e, portanto, na centralidade do livre arbítrio.
A Justiça, de aspecto real, é a única que se senta num trono enquanto segura,
entre as mãos, os pratos de uma balança: os efeitos que o seu exercício procura
são descritos na predela abaixo, em que a cena dos cavaleiros com intenção de
caçar e do casal dançando ao ritmo de um pandeiro sugere um clima de harmonia.
O oposto do que acontece no afresco de fronte, onde a Injustiça, aqui
disfarçada de homem barbudo com muitas garras e presas em vez de dentes, cria
situações de desordem e discórdia.
Prudência, Fortaleza e Temperança aparecem uma sentada a uma secretária, com um
espelho apontado para as suas costas que indica a sua capacidade de discernimento,
a outra sob a forma de uma guerreira com um escudo e um bastão, ou seja, ou as
armas necessárias para se defender da insídia do mal. A última é uma mulher que
segura, entre as mãos, uma espada faixada, pois nunca recorre ao uso da força. Precedem
a Justiça, além da qual, para alcançar o bem, o homem precisa do apoio divino.
A sequência das virtudes teologais segue a agostiniana do De Doctrina
Christiana: são cada uma mais bela do que a outra, ricas de símbolos
significativos. A Fé, antes de tudo, olha-nos nos olhos, enquanto, com a cruz
processional, despedaça os ídolos no chão e, com os pés, pisoteia as folhas de
horóscopo. A chave que sai do bolso do manto é um sinal do Papa, o seu primeiro
defensor. A Caridade, com a cabeça rodeada por uma coroa de flores, oferece a
Jesus o seu coração e ao próximo um vaso cheio de frutos e espigas: ela mesma,
por conseguinte, floresce da gratidão pelo amor incondicional de Cristo. A Esperança
é, enfim, pura tensão para o Bem: o painel é inteiramente ocupado pelo
movimento ascendente da mulher que estende os braços em direcção a um anjo para
receber uma coroa.
Nada disso seria credível se Jesus não tivesse nascido entre os homens. Na
verdade, alguns registos mais acima, Giotto contou o Natal dentro de uma cabana
de madeira sobre um fundo rochoso, na presença de anjos jubilosos e de um São
José deliberadamente deixado de lado, mas presente. Uma dulcíssima Virgem
Maria, vestida de lápis-lazúli, contempla o seu Menino: o cruzar dos seus
olhares é já promessa da felicidade eterna para o homem que escolher livremente
seguir o seu exemplo, enfrentando os vícios e empenhando-se, quotidianamente,
no exercício de todas as virtudes, fortalecido pelo amor de Deus feito homem
por nós.
Margherita del Castillo
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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