O portal Dies Iræ traduziu e disponibiliza, em Língua Portuguesa, mais uma
declaração de Mons. Carlo Maria Viganò, desta vez sobre o horrendo “presépio”
colocado na Praça de São Pedro, no Vaticano, a que já aludimos aquando da
publicação de um artigo da italiana Cristina Siccardi.
23 de
Dezembro de 2020
Feria IV infra Hebdomadam IV Adventus
No centro
da Praça de São Pedro domina uma estrutura metálica, apressadamente decorada
com uma luz tubular, sob a qual se erguem, inquietantes como totem, algumas
horríveis estátuas que nenhuma pessoa dotada de bom senso ousaria identificar
com os personagens da Natividade. O fundo solene da fachada da Basílica
Vaticana aumenta o abismo entre a harmoniosa arquitectura renascentista e
aquele indecoroso desfile de mecos antropomórficos.
Pouco importa que estes atrozes artefactos sejam o fruto de alunos de um
obscuro Instituto de Arte de Abruzzo: quem se atreveu a ajuntar esta afronta ao
Presépio fê-lo numa época que, entre as inúmeras monstruosidades do campo
pseudo-artístico, não soube fazer nada de belo, nada que mereça ser conservado para
a posteridade. Os nossos museus e galerias de arte moderna transbordam de
criações, instalações, provocações nascidas de mentes dos anos sessenta e
setenta: quadros que não se podem ver, esculturas que provocam repugnância,
obras cujos tema e significado não se compreendem. E delas transbordam também
as igrejas, que não foram poupadas, sempre naqueles anos infelizes, por ousadas
contaminações de “artistas” apreciados mais pela sua filiação ideológica e
política do que pelo talento.
Desde há décadas, arquitectos e artesãos realizam estruturas horríveis, alfaias
e objectos sagrados de tal feiura a ponto de desgostar os simples e escandalizar
os fiéis. Daquela má planta, em clima migracionista bergogliano, não podia
deixar de derivar a barcaça de bronze, qual monumento ao migrante
desconhecido, colocada à direita da colunata berniniana, deturpando-lhe a
harmonia, cuja massa opressora faz afundar os paralelos na consternação dos
romanos.
Recorde-se que o presépio blasfemo deste ano foi precedido pelo igualmente
sacrílego de 2017, oferecido pelo Santuário de Montevergine, meta de peregrinações
da comunidade homossexual e transgénero italiana. Este anti-presépio, «meditado
e estudado de acordo com os ditames e a doutrina do Papa Francisco»,
deveria representar supostas obras de misericórdia: um homem nu no chão, um
cadáver com um braço pendente, a cabeça de um recluso, um arcanjo com uma grinalda
de flores arco-íris e a cúpula de São Pedro em ruína[1].
Tentativas análogas, nas quais a Natividade é usada como pretexto para
legitimar riscos infelicíssimos, têm preocupado muitos fiéis, obrigados a
sofrer as extravagâncias do clero e o desejo de inovação a todo o custo, a
deliberada vontade de profanar – no sentido etimológico de tornar
profano – o que é sagrado, separado do mundo, reservado ao culto e à veneração.
Presépios ecuménicos com improváveis mesquitas; presépios imigracionistas com a
Sagrada Família na jangada; presépios feitos de batatas ou de sucata.
Já é evidente, mesmo para os mais inexperientes, que estas não são tentativas
de actualizar a cena do Natal, como fizeram os pintores do Renascimento ou do
século XVIII, ornando o cortejo dos Magos com os costumes da época; estas são
mais a arrogante imposição da blasfémia e do sacrilégio como anti-teofania do
Feio, como necessário atributo do Mal.
Não é por acaso que este presépio foi realizado nos mesmos anos em que o
Concílio Vaticano II e a missa reformada viram a luz: a estética é a mesma e os
princípios inspiradores são os mesmos. Porque aqueles anos representaram o fim
de um mundo e marcaram o início da sociedade contemporânea, assim como com eles
começou o eclipse da Igreja Católica para ceder o lugar à igreja conciliar.
Colocar aqueles artefactos de cerâmica no forno deve ter exigido não poucos
problemas, que a laboriosidade dos professores daquela escola de Abruzzo
superou decompondo-os em pedaços. O mesmo aconteceu no Concílio, onde
engenhosos especialistas conseguiram introduzir à força, nos documentos
oficiais, novidades doutrinárias e litúrgicas que, noutras épocas, estariam
confinadas à discussão de um grupúsculo clandestino de teólogos progressistas.
O resultado daquele experimento pseudo-artístico é um horror tanto mais horripilante
quanto maior é a alegação de que o tema representado seja a Natividade. Ter
decidido chamar “presépio” a um conjunto de figuras monstruosas não o torna
tal, nem responde à finalidade para a qual é exibido nas igrejas, nas praças,
nas casas: inspirar a adoração dos fiéis ao Mistério da Encarnação. Assim como o
ter chamado “concílio” ao Vaticano II não tornou menos problemáticas as suas
formulações e, certamente, não confirmou os fiéis na Fé, nem aumentou a frequência
aos Sacramentos, e muito menos converteu multidões de pagãos ao Verbo de Cristo.
E como a beleza da Liturgia Católica foi substituída por um rito que só se sobressai
em esqualidez; como a harmonia sublime do canto gregoriano e da música sacra
foi banida das nossas igrejas para fazer ressoar ritmos tribais e músicas
profanas; como a perfeição universal da língua sagrada foi varrida pela babel
das línguas vernáculas; assim se frustrou o antigo e popular impulso de
veneração, imaginado por São Francisco, para desfigurá-lo na sua simplicidade e
dilacerar-lhe a alma.
A instintiva repulsa que suscita este presépio e a veia sacrílega que revela,
constituem o símbolo perfeito da igreja bergogliana, e, talvez precisamente
nesta ostentação de descarada irreverência para com uma tradição secular tão
cara aos fiéis e aos pequenos, pode-se compreender qual seja o estado das almas
que o quiseram ali, sob o obelisco, como um desafio ao Céu e ao povo de Deus.
Almas sem Graça, sem Fé, sem Caridade.
Alguém, na vã tentativa de encontrar qualquer coisa de cristão naquelas obscenas
estátuas de cerâmica, repetirá o erro que já foi cometido no deixar desventrar as
nossas igrejas, no despojar os nossos altares, no corromper a simples e
cristalina integridade da Doutrina com fumosidades ambíguas típicas dos
hereges.
Reconheçamos: aquela coisa não é um Presépio, porque se fosse um Presépio
deveria representar o sublime Mistério da Encarnação e do Nascimento de Deus «secundum
carnem», a admiração adoradora dos pastores e dos Magos, o amor infinito de
Maria Santíssima pelo Divino Infante, o espanto da criação e dos Anjos. Deveria,
em suma, ser a representação do nosso estado de espírito diante do cumprimento
das profecias, o nosso encanto em ver o Filho de Deus na manjedoura, a nossa
indignidade pela Misericórdia redentora. E, em vez disso, vê-se,
significativamente, o desprezo pela piedade popular, a rejeição de um modelo
perene que lembra a eternidade imutável da Verdade divina, a insensibilidade de
almas áridas e mortas diante da Majestade do Rei Menino e dos joelhos dobrados
dos Magos. Vê-se o tétrico tom cinzento da morte, a profunda aridez da máquina,
a escuridão da condenação, o ódio invejoso de Herodes, que vê o seu poder
ameaçado pela Luz salvífica do Rei Menino.
Mais uma vez, devemos ser gratos ao Senhor mesmo nesta provação, aparentemente
de menor impacto, mas ainda consistente com as maiores tribulações que estamos a
passar, porque nos ajuda a tirar dos olhos as vendas que os cegam. Esta
monstruosidade irreverente é a marca da religião universal do transumanismo
defendida pela Nova Ordem Mundial; é a explicação da apostasia, da imoralidade
e do vício, da fealdade erigida como modelo. E tudo o que é construído pelas
mãos do homem sem a bênção de Deus, aliás, contra Ele, está destinado a
perecer, a desaparecer, a desmoronar. E isto acontecerá não por causa da
alternância de poder daqueles que têm gostos e sensibilidades diferentes, mas
porque a Beleza é necessária serva da Verdade e da Bondade, assim como a fealdade
é companheira da mentira e da maldade.
† Carlo
Maria Viganò
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