Primeiro
a nomeação cardinalícia, depois aquela como Delegado Especial junto da Ordem
Soberana e Militar de Malta. Para Monsenhor Silvano Maria Tomasi, Núncio Apostólico,
que completou recentemente oitenta anos e que foi observador permanente da
Santa Sé nas Nações Unidas, foi uma semana de sorte. Ontem [dia 1 de Novembro,
n.d.r.], chegou a Carta Pontifícia com a qual o Papa Francisco lhe confiou o
mandato de seu Delegado junto da OSMM. Resolvida, portanto, a dúvida sobre o
único cargo não mencionado no comunicado oficial emitido, pela Santa Sé, no
passado dia 24 de Setembro, para dar conhecimento da renúncia de Becciu à direcção
da Congregação para as Causas dos Santos e aos direitos ligados ao cardinalato.
De facto, na carta a Mons. Tomasi, o Papa Francisco escreveu que «aceitou a
renúncia de Sua Eminência Reverendíssima o Cardeal Angelo Becciu». O
pontífice conferiu ao diplomata, nascido em Casoni di Mussolente, «todos os
poderes necessários para decidir as eventuais questões que possam surgir para a
implementação do mandato» e «para receber o juramento do próximo
Grão-Mestre», indicando-o como seu «exclusivo porta-voz de tudo o que
diz respeito às relações entre esta Sé Apostólica e a Ordem».
A Ordem vive um dos momentos mais difíceis da sua história quase milenar; sem
Grão-Mestre após a morte de Fra’ Giacomo Dalla Torre, a lutar, com os adiamentos
e as discussões, para uma eleição a ser realizada em plena pandemia, no meio de
uma reforma da Carta Constitucional e do Código que ainda está em andamento. O
novo Delegado Especial conhece bem as questões da Ordem cavaleiresca, tendo
sido coordenador do Grupo dos 5 que a Santa Sé criou, em Dezembro de 2016, para
investigar a crise institucional que eclodiu depois da suspensão do Grão-Chanceler,
von Boeselager, ordenada pelo então Grão-Mestre, Fra’ Matthew Festing.
Os leitores recordar-se-ão de que o nobre e religioso britânico, a pedido do
Santo Padre, se demitiu, precisamente, no final de uma disputa, sem precedentes,
com a Santa Sé, que começou após a sua recusa em aceitar o estabelecimento de
uma comissão de inquérito sobre o “torpedeamento” de von Boeselager. Festing
considerava a suspensão do Grão-Chanceler um «acto de administração interno
ao governo da Ordem Soberana de Malta» e, portanto, da exclusiva
competência deste último, uma vez que o barão alemão pertencia ao segundo grau
e não ao primeiro.
Não obstante a oposição do então Grão-Mestre, com muitos pedidos aos
funcionários da OSMM para não cooperarem, o Grupo coordenado por Tomasi começou
e, depois, completou o seu trabalho de investigação, culminando num relatório
final apresentado, no dia 23 de Janeiro de 2017, ao Papa Francisco. Um relatório
que, a julgar pelos desenvolvimentos subsequentes, teve o efeito de reabilitar
a imagem de von Boeselager, cuja suspensão estava ligada à acusação de ter
permitido a distribuição de contraceptivos, em Mianmar e na África, no âmbito
de projectos humanitários da Malteser International (o nobre alemão defendeu-se
alegando que não teve «um papel operacional» no caso).
No dia seguinte à entrega do relatório do Grupo dos 5, o Papa convocou Festing
ao Vaticano e pediu a sua renúncia. O ex-Grão-Mestre, que também havia
demonstrado não temer o rompimento com a Santa Sé para defender uma decisão que
considerava da sua exclusiva competência, obedeceu ao pontífice, vinculado,
como estava, pelo juramento de obediência enquanto cavaleiro professo. Um
episódio que suscitou interesse e reacções contrastantes em todo o mundo e que
levou o canonista Edward Condon a afirmar que, «nos termos do direito
internacional, a Santa Sé acaba de anexar mais uma entidade soberana».
O mandato de Delegado Especial remonta àquela época, quando o Papa Francisco
nomeou o então Monsenhor Becciu, Substituto para os Assuntos Gerais da
Secretaria de Estado, como seu porta-voz exclusivo junto da OSMM, da qual
deveria ter sido o “barqueiro” pontifício naquela fase de incerteza. Uma fase,
porém, que, quase quatro anos depois, ainda não se esgotou e que, de facto,
tornou necessário o prolongamento de um cargo que nasceu, então, como temporário.
O carácter de temporaneidade também se reflecte na Carta Pontifícia, assinada ontem,
com essa indicação a Tomasi para exercer o cargo «até à conclusão do
processo de actualização da Carta Constitucional e do Código Melitense»,
embora com o acréscimo – não marginal – para proceder, «em qualquer caso, até
quando o considerar útil para a própria Ordem».
Que nos Palácios Sagrados não era visto desfavoravelmente o trabalho realizado
por Tomasi à frente da comissão de investigação contestada por Festing, já estava
claro no comunicado, de Janeiro de 2017, da Sala de Imprensa vaticana – também
publicado no “L’Osservatore Romano” – em que era expressa «confiança nos
cinco membros do grupo formado, a 21 de Dezembro de 2016, pelo Papa Francisco»,
rejeitando «qualquer tentativa de desacreditar as figuras e a obra», em
referência aos protestos de Festing e dos seus homens. A decisão de pedir a
renúncia do ex-Grão-Mestre e as sucessivas de declarar nulos os seus actos a
partir de 6 de Dezembro de 2016, tinha dado a ideia de um relatório final do
Grupo dos 5 favorável à defesa de von Boeselager que, efectivamente, reabilitado
na época, ainda hoje ocupa o cargo de Grão-Chanceler.
A anunciada púrpura e a nomeação como Delegado Especial no lugar de Becciu,
confirmam a confiança da Santa Sé em Tomasi e no seu trabalho no que diz
respeito aos assuntos relacionados com a Ordem melitense. A escolha, que recaiu
no ex-coordenador, por outro lado, poderia desagradar a ala da OSMM que mal
tolerou a constituição e as conclusões do Grupo dos 5. Uma ala que, certamente,
não se extinguiu com a demissão de Festing, mas que, com a nomeação de um
Delegado Especial a que se opôs há quatro anos, aparece mais fraca no
equilíbrio de poder com a chamada facção alemã. Uma curiosidade: o Cardeal
Raymond Leo Burke, destituído, de facto, com a nomeação de Becciu após a
renúncia de Festing, do qual fora “aliado” no caso von Boeselager, permanece,
do ponto de vista formal, como Patrono da Ordem Soberana e Militar de Malta.
Nico Spuntoni
Através de La Nuova
Bussola Quotidiana
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