Alguns dias após a sua reeleição para
Superior-Geral do Instituto de Cristo Rei Sumo Sacerdote, ocorrida a 24 de
Agosto, o portal Dies Iræ endereçou algumas questões a Monsenhor
Gilles Wach (Troyes, França, 1956), de modo a que os fiéis portugueses possam melhor conhecer a
história e a espiritualidade do Instituto, assim como obter esclarecimentos em
relação a questões associadas à Liturgia Tradicional. É, naturalmente, com muita honra
que, hoje, disponibilizamos a entrevista que Mons. Wach nos concedeu em
exclusivo.
1. Muito
obrigado, Monsenhor Wach, por nos conceder esta entrevista em exclusivo e
aceite as nossas cordiais saudações pela reeleição de V. Rev.ª enquanto
Superior-Geral do Instituto de Cristo Rei Sumo Sacerdote, do qual, com o Rev.
P. Philippe Mora, foi fundador, em 1990, no Gabão. Quais serão as prioridades
de V. Rev.ª, enquanto Superior-Geral do Instituto, para os próximos seis anos?
Sou eu quem muito vos agradece por terem demonstrado tanto interesse pelo nosso
pequeno Instituto. Digamos que não tenho prioridades para os próximos
seis anos, senão as mesmas dos últimos trinta anos, ou seja, a vontade de
melhor servir, no nosso humilde lugar, a Santa Igreja de Deus, que é a face de
Cristo no mundo de hoje. Isso significa que, no que nos diz respeito, devemos
viver cada vez melhor as nossas Constituições de Cónegos, para trabalhar cada
vez mais pela nossa santificação, porque o mundo de hoje precisa tanto de
santos sacerdotes.
2. O Instituto é uma Sociedade Apostólica de Direito Pontifício que integra
sacerdotes, irmãos, irmãs e leigos que partilham do seu carisma fundacional.
Neste momento, quantos membros integram o ICRSP? A que apostolados se dedicam
os sacerdotes? Quais são os planos de expansão para o futuro próximo?
O nosso Instituto conta, actualmente, com cento e trinta sacerdotes, uma
centena de seminaristas, trinta oblatos, cerca de quarenta candidatos que se
preparam para entrar no seminário e mais de sessenta irmãs. Os cónegos do
Instituto desenvolvem o seu apostolado com a preocupação de promover todos os
valores sobrenaturais e humanos da civilização cristã. Portanto, de acordo com
o artigo 6 das nossas Constituições, aplicam-se a ser «pastores e
pregadores, educadores, professores e missionários ao mesmo tempo». Vão
nesse sentido as nossas obras paroquiais (grandes e pequenas realidades como
Baladou, no centro da França, ou Detroit, nos Estados Unidos da América, com
mais de mil fiéis) e as nossas obras escolares, espalhadas em vários locais
como Versalhes (com cerca de oitocentos alunos) e Bruxelas (uma escola
internacional de setecentos alunos). Também temos uma grande paróquia na
capital do Gabão, para o acompanhamento de centenas de almas, e também diferentes
missões na selva apenas para dezenas de pessoas: como podem ver, o apostolado constitui-se
de diferentes e múltiplas formas. São Francisco de Sales, um dos nossos
principais patronos, ajuda muito os nossos sacerdotes mediante a sua
espiritualidade feita de equilíbrio, harmonia e imensa caridade. Não temos um
plano, nem um objectivo numérico, porque já nos é difícil responder aos muitos
pedidos dos bispos que desejam ter um apostolado nas suas dioceses. Actualmente,
parece-me necessário dar prioridade à vida comunitária dos nossos sacerdotes,
seminaristas e irmãs; uma expansão muito rápida prejudicaria, sem dúvida, o
equilíbrio da sua vida consagrada e comunitária.
3. O ramo feminino, as Irmãs Adoradoras do Coração Real de Jesus Cristo Sumo
Sacerdote, está em franca expansão. Na sua opinião, a que se deve este feliz
acontecimento, nomeadamente num momento tão difícil e em que são cada vez mais
as Congregações e Institutos Religiosos a encerrar casas por falta de vocações?
Nunca pensámos em ter uma comunidade de irmãs. Foi a Divina Providência que, de
modo claro, certo e repetido, nos obrigou a atender ao pedido de algumas jovens
que desejavam consagrar-se ao Senhor no Instituto. Revelo um segredo: recordai-vos
que somos salesianos e que nunca devemos ultrapassar a Providência, como
dizia o nosso querido patrono. De facto, segui este grande princípio no governo
do Instituto: nunca tive grandes projectos; procurei apenas corresponder às
expectativas da Divina Providência, seguir a direcção que o Senhor nos indicava
e de realizar o que nos pedia. Creio que todas estas jovens vocações femininas
respondem a uma particular atracção pela grande e bela espiritualidade de São
Francisco de Sales, feita de harmonia, bondade, beleza e caridade, num mundo
que se está a desenvolver nos antípodas destes nobres valores. Na escola de São
Francisco de Sales, sentimo-nos mais perto de Deus e, logo, mais perto dos
cristãos tantas vezes perdidos neste mundo de desordem, violência e divisão. O
Instituto foi fundado há mais de trinta anos e o ramo feminino há vinte anos; devo
dizer que, desde que temos as Irmãs Adoradoras, a qualidade das vocações e
também dos apostolados melhorou muito, o que demonstra, para aqueles que ainda
não acreditam, a necessidade fundamental da oração. Efectivamente, as nossas
irmãs dedicam-se, todos os dias, a longas horas de adoração eucarística, ao canto
do ofício divino comunitário e, em algumas casas, também exercem um pequeno
apostolado com os nossos cónegos. Rezam, de modo especial, pela santificação dos
sacerdotes, porque precisamos, sobretudo, não de agitadores, nem de animadores,
nem de promotores, mas de sacerdotes santos, humildes, castos e devotos. Temos
sete casas das Irmãs Adoradoras em todo o mundo; algumas delas podem acolher
retiros espirituais e uma delas tem uma pequena escola. O nosso noviciado localiza-se
em Nápoles, onde fomos acolhidos muito calorosamente pelo Arcebispo, o Cardeal
Crescenzio Sepe.
4. A Sociedade do Sagrado Coração, dirigida especialmente aos fiéis leigos
que se identificam com a missão apostólica do Instituto, é a expressão de que,
na Igreja, há cada vez mais fiéis e famílias a procurarem a fidelidade ao Santo
Evangelho por meio dos ensinamentos perenes da Santa Igreja e da Liturgia Tradicional, mormente através do Santo Sacrifício da Missa. Quantos são, neste
momento, e onde se concentram maioritariamente estes membros da Sociedade? Que
tipo de apostolado desenvolvem? Também são semente de vocações sacerdotais e
religiosas?
A Sociedade do Sagrado Coração reúne muitos fiéis em todo o mundo, cuja
primeira missão é a de rezar pelos seus cónegos. Na Sociedade do Sagrado
Coração, os membros também procuram santificar-se, vivendo autenticamente a sua
vida cristã, segundo os princípios do nosso primeiro grande patrono, São
Francisco de Sales. Num mundo ferido, que o nosso Papa chama de hospital de
campanha, a espiritualidade salesiana parece-me de grande actualidade. Na
verdade, o subjectivismo reina em todos os lugares e, para satisfazer os
caprichos dos tempos, transige-se sobre a verdade, enquanto São Francisco de
Sales não trai, de forma alguma, a verdade, mas procura o vocabulário, o modo
de fazer as coisas – que podem variar até ao extremo – para trazer o assunto
gentilmente, progressivamente e eficazmente à verdade divina. O nosso lema pode
ajudar-vos a compreender quem somos: Veritatem facientes in caritate.
Hoje, a verdade dissolve-se na filantropia humana da praxis, da falsa
pastoral. Para reagir, há quem queira defender a verdade; mas sem a caridade, disse
Pascal, «a verdade é um ídolo diabólico, porque tem a aparência de uma obra
virtuosa». Devemos, pois, manter as duas coisas: a verdade e a caridade não
são, de modo algum, opostas entre si; pelo contrário, unem-se na pessoa divina
de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei e Sumo Sacerdote. Como escreveu Santo António
de Lisboa: «Quem prega a verdade com amor, professa Cristo. Quem, por outro
lado, silencia a verdade na pregação, renega Cristo».
5. O Seminário do Instituto, sediado em Gricigliano, tem quantos seminaristas? À semelhança do franco crescimento do ramo feminino, o que pode
levar um jovem católico a deixar tudo para se consagrar a Deus, através do sacerdócio, no Instituto de Cristo Rei?
Actualmente, temos pouco mais de uma centena de seminaristas, 80 em
Gricigliano e os demais espalhados pelos nossos apostolados, para fazer um ano
de estágio com os nossos cónegos. Além disso, há quase quarenta jovens que
se estão a preparar, nas nossas casas, para entrar no seminário. Tenho sempre
presente as palavras de Nosso Senhor: Não fostes vós que me escolhestes; fui
Eu que vos escolhi a vós. A vocação é um dom gratuito de Deus, não uma pretensão
dos homens. É certo que os nossos santos patronos são de grande importância,
exercem uma certa força de atracção sobre as vocações jovens. São Francisco de
Sales propõe ao mundo uma espiritualidade baseada no papel preeminente da
caridade; São Bento dá a máxima importância ao culto divino e à bela virtude da
humildade; São Tomás de Aquino brilha pelo seu fervoroso amor à Sagrada
Doutrina. Finalmente, enfatizamos a importância da vida canonical e, por conseguinte,
comunitária e fraterna, que sustenta os nossos cónegos num mundo tantas vezes
hostil à Igreja e ao sacerdote.
6. Pessoalmente, o que contribuiu para a sua vocação sacerdotal e,
posteriormente, para a fundação do Instituto de Cristo Rei Sumo Sacerdote?
Pessoalmente, recebi o chamamento do Senhor com cinco anos e meio de idade.
Perseverei sempre assim; também frequentei o seminário menor, que, infelizmente,
encerrou em 1968. A Divina Providência, graças a Dom Roy, Abade de
Fontgombault, conduziu-me a Génova, à diocese do grande Cardeal Siri, para
receber uma formação sacerdotal impregnada de Romanidade. A altíssima
personalidade do Cardeal Siri ficou fortemente gravada no meu coração e na
minha mente como um grande e humilde servidor da Igreja. Tenho a certeza: do
Céu, ajuda-nos e protege o nosso Instituto, agindo, através da sua eminente
figura, sobre os nossos clérigos, ajudando-os a libertar-se do individualismo e
do egoísmo, que reinam demasiado despóticos, hoje, entre os jovens e até no
clero. No início, a fundação do Instituto foi apoiada e encorajada por um outro
grande e santo Cardeal, o Cardeal Mayer. Tratava-se de formar os futuros
sacerdotes para amar e servir a Igreja, longe das vãs polémicas humanas que
destroem a vida espiritual, contaminam os corações e os impedem de trabalhar
para a glória de Deus e o bem das almas. Devo dizer que as palavras proferidas
por João Paulo II – por quem fui ordenado sacerdote –, no alvorecer do seu
pontificado – Não tenhais medo! –, me encorajaram e ainda me encorajam, não
obstante as tribulações e as provações, a trabalhar na vinha do Senhor, como
disse Bento XVI na noite da sua eleição.
7. Sendo um dos Institutos criados à luz da extinta Comissão Ecclesia Dei, o
ICRSP é, por vezes, associado a um chamado “desvio de esquerda”. Explicámo-nos:
ouve-se, por vezes, em certos círculos tradicionalistas, um tom algo crítico
acerca da posição que se deve ter face à Santa Missa vetus ordo. Segundo
esta atitude, teria havido dois desvios: um “desvio de direita”, isto é,
protagonizado por aqueles que assumem uma posição claramente sedevacantista, e
um “desvio de esquerda”, ou seja, a posição assumida por aqueles que recorrem à
Ecclesia Dei para que os bispos reconheçam o direito que os fiéis têm de aceder
à Santa Missa Tradicional. Este acordo com a dita Comissão, actualmente sob
alçada da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, suporia uma
contemporização com os erros do Concílio Vaticano II. Como é que V. Rev.ª vê o
problema e, na sua opinião, qual deve ser a posição do fiel perante esta
realidade?
Devo dizer que a vossa pergunta me aflige muito, porque revela uma crise
que não se pode negar e diante da qual devemos ter as ideias claras. No
entanto, atenção: fiquemos sempre no nosso lugar! Eu faço parte da Igreja
Discente e não da Igreja Docente, como diz a Teologia católica.
Posso, então, pôr em acção a minha inteligência e as minhas possibilidades
diante do triste espectáculo do nosso tempo, mas sempre no meu lugar, que, como
sabeis, é pequeno, isto é, Superior-Geral de um modesto Instituto, uma modesta
Sociedade de Vida Apostólica. Desde o início da fundação do Instituto,
transmitimos aos membros da nossa comunidade uma visão sobrenatural da Igreja,
ou seja, o Corpo Místico de Cristo. Realidade estupenda, divina e humana ao
mesmo tempo! Que grande mistério! Mas um mistério que se contempla com uma alma
sobrenatural, não à maneira do historiador, do filósofo, do sociólogo. Todos
eles poderão ter uma visão bastante acurada desta realidade, mas o seu
entendimento ainda será parcial, incompleto e inadequado: faltará sempre algo.
A razão para isso é simples: o sobrenatural não pode ser diminuído ao nível dos
fenómenos apenas naturais. Então, compreendeis que o nosso agir é muito
diferente. A Igreja não é um partido político, nem uma corrente filosófica; em
Gricigliano, não queremos ensinar aos nossos futuros clérigos que haveria
direita, esquerda e divisões de todos os tipos. É triste o espectáculo dos
revolucionários de direita que fazem guerra aos de esquerda. Nós não somos
revolucionários, muito pelo contrário: somos contra-revolucionários. Aos
queridos fiéis, aconselho: primeiro, que vivam sempre bem a sua vida cristã;
segundo, que rezem muito; terceiro, que solicitem à autoridade legítima o seu
direito para aceder à liturgia romana tradicional, um direito claramente
proclamado pela Igreja através das palavras dos últimos papas. Se nós, no nosso
lugar – e sublinho no nosso lugar –, cumprirmos o nosso dever, podemos forçar os
outros a cumprirem, por sua vez, o seu dever. Ao proclamar as verdades da fé diante
dos piores hereges, Santo Agostinho gostava de dizer: «A verdade é como um
leão. Não precisarás de defendê-la. Deixa-a livre. Defender-se-á sozinha».
Em Gricigliano, queremos ensinar a amar, servir e sofrer pela Igreja, e, talvez
também, da Igreja, como dizia o Padre Clérissac, O.P., mas nunca os ensinaremos
a ser revolucionários. Até agora, não recebemos nenhuma missão do género!
Aqueles que mencionastes talvez não o saibam, mas são verdadeiros modernos! Algo
que nós não somos!
8. A Liturgia Tradicional está fortemente impregnada de simbolismos, cuja
beleza é reconhecida até por não-crentes (por exemplo, o canto gregoriano). O
ICRSP preza, e bem, toda a estética litúrgica nas Missas e nas ordenações
sacerdotais. Para as mentes modernas, e até mesmo para um incontável número de
eclesiásticos dos mais diversos níveis, isto, actualmente, já não faz sentido.
Em Novembro de 2017, quando o Instituto fez a sua peregrinação a Fátima, por
ocasião dos cem anos das Aparições, todos os milhares de assistentes das várias
celebrações ficaram encantados com a beleza litúrgica. No entanto, tanto nas
redes sociais como em alguns jornais, houve críticas injuriosas e pejorativas
vindas, sobretudo, de meios eclesiásticos. O actual Bispo do Porto, à época
Ordinário Militar, afirmou que se assistiu a «uma notória involução, a um
evidente revanchismo, a um comovedor conservadorismo que está a grassar por
determinadas franjas da Igreja e cuja expressão mais patética aconteceu, há
dias, onde seria mais imprevisível», prosseguindo: «latins e latinórios,
rendinhas e rendilhados, vénias e salamaleques, por si sós, nem aquecem nem
arrefecem. Mas a celebração a que me reporto terá feito mais mal à Igreja do
que muitas conjuras subterrâneas ou certas orquestrações noticiosas». E
termina, numa clara alusão à capa magna usada por Sua Eminência Reverendíssima
o Cardeal Burke, dizendo que «andam por aí uns pavões de cauda armada que,
invocando a mesma Igreja, só conhecem a linguagem dos gestos barrocos e
bacocos, os rituais mais esotéricos e uma indumentária de circo composta por
capas magnas estapafúrdias, caudatários e vimpas, cáligas e alamares, luvas e
chirotecas, ouro e diamantes. Tudo para maior honra e glória… deles. Que não de
Nosso Senhor Jesus Cristo». Falam como que se tratando de uma Igreja
anquilosada ao passado e sem “cheiro a ovelha” do presente, a uma
excentricidade barroco-renascentista por oposição à austeridade medieval. Como
é que Mons. Wach responderia a todos esses lamentáveis mal-entendidos?
Seria bom reler a Carta Apostólica, do Papa Francisco, Scripturæ Sacræ affectus,
publicada por ocasião do XVI centenário da morte de São Jerónimo. «Jerónimo
encontrou-se frequentemente envolvido em ásperas disputas pela causa da fé. O
seu amor à verdade e a defesa ardente de Cristo talvez o tenham levado a algum
excesso de violência verbal nas suas cartas e livros. Contudo, o objectivo que
guia a sua vida é a paz: “A paz, quero-a também eu; e não só a desejo, mas
imploro-a! Entendo, porém, a paz de Cristo, a paz autêntica, uma paz sem
resíduos de hostilidade, uma paz que não abrigue em si a guerra; não a paz que
subjuga os adversários, mas a que nos une em amizade!”. O nosso mundo precisa,
mais do que nunca, do remédio da misericórdia e da comunhão. Deixai-me repetir
uma vez mais: ofereçamos um testemunho de comunhão fraterna, que se torne
fascinante e luminoso. “Por isto é que todos conhecerão que sois meus
discípulos: se vos amardes uns aos outros”. Foi o pedido que Jesus fez ao Pai
numa intensa oração: “Que todos sejam um só (...) em Nós e o
mundo creia”».
Na Igreja de Deus, existem várias espiritualidades e ritos litúrgicos. Creio
que todos eles devam ser respeitados, ainda que alguns possam sucumbir a um
mal-entendido, devido à sua educação e sensibilidade, quanto a este ou àquele
rito. Como é possível falar assim da liturgia romana celebrada por um Cardeal? Tenho
dificuldade em acreditar nas observações por vós citadas. O que se diria, então,
durante os encontros ecuménicos, nos quais o Patriarca de Moscovo ou o
Patriarca de Constantinopla aparecem coroados com pedras preciosas, vestuários
muito longos? Não vêm de um circo, mas perpetuam a grandiosa liturgia de São
João Crisóstomo e dos Padres Orientais! Na grande liturgia, escreveu o Beato
Cardeal Schuster: «Não é um par de sandálias ou uma corda amarrada à cintura
a agradar ao Senhor ou a tornar-nos santos; o que é necessário são as virtudes
íntimas correspondentes a estas práticas, tantas vezes absolutamente
cerimoniais e exteriores. É por isso que São Bernardo, repreendendo a
arrogância de alguns dos seus monges de Claraval para com os cluniacenses, lhes
disse: “Monges vestidos de capuz e orgulhosos, temos horror de uma peliça, como
se a humildade escondida sob uma peliça não fosse melhor do que o orgulho vestido
com capuz!». E São Justiniano escreveu no seu tempo: «Acreditais que a humildade
seja vestir roupas simples e fazer um trabalho desprezível. De forma alguma, pode
sempre haver um grande orgulho escondido no profundo! Pode muito bem acontecer
que, assumindo este aspecto, se queira distinguir dos outros e passar-se por
melhores e mais humildes do que eles e, portanto, tudo isto pode muito bem ser
simplesmente uma refinada forma de orgulho».
Também seria muito útil ler e reler a bela meditação do Cardeal Journet, que
confundiria a arrogância e a ignorância de muitas mentes orgulhosas sobre a
verdadeira pobreza e a liturgia: «Cristo era pobre. Mas não cabe a nós
empobrecê-lo. O dever do nosso amor é de circundá-lo com o melhor que temos.
Bem-aventurados aqueles que, como a mulher de Betânia, poderão quebrar, para
Ele, o vaso de alabastro e derramar nardo precioso e puro... Enquanto exalta as
hierarquias da Cidade de Deus, que os esplendores da arte e da faustosidade
humana têm o dever de honrar sem pretenderem ser bem-sucedidos, a Igreja exalta
a pobreza, a miséria e a mortificação que dão ao mundo um São Bruno, um São
Francisco de Assis, um São João da Cruz... A pompa romana e a pobreza
evangélica são as duas homenagens que queremos prestar às riquezas do Cristo
eterno; a primeira é uma homenagem às inimitáveis riquezas pelas
quais Ele permanece a causa da nossa salvação por meio da sua Igreja; a segunda
é uma homenagem às imperfeitamente imitáveis riquezas através das
quais Ele é, para nós, um exemplo de santidade».
Existem também as falsas lendas historiográficas – as fake news, como
diríamos hoje – sobre a Idade Média, o Barroco, etc. A propósito da arte
medieval, que tantas vezes nos é apresentada como austera e nua, Bento XVI cita
a inscrição gravada no portal da Basílica de Sant-Denis, a Norte de Paris, que,
pelo contrário, testemunha a sua extraordinária riqueza e profusão: «Passando,
vós que quereis exaltar a beleza destas portas, não vos deslumbreis nem com o
ouro, nem com a magnificência, mas com o duro trabalho. Aqui brilha uma obra
famosa, mas pede-se ao Céu que esta famosa obra que brilha faça resplandecer os
espíritos, para que, com as verdades luminosas, se dirijam para a verdadeira luz,
da qual Cristo é a verdadeira porta». Cada um seja o que é: «Deus
ordenou às plantas da criação que dessem fruto, cada uma segundo a sua espécie
– escreve São Francisco de Sales; assim, ordena aos cristãos, que são as
plantas vivas da sua Igreja, que produzam frutos de devoção, cada um segundo a
sua qualidade e vocação. A devoção deve ser exercida de maneira diferente pelo
senhor, pelo artesão, pelo criado, pelo príncipe, pela viúva, pela filha, pela esposa;
e não só, mas a prática da devoção deve ser adaptada às forças, às actividades
e aos deveres de cada um. Pergunto-te, Filoteia, seria oportuno que o bispo
quisesse ficar na solidão como os cartuxos? E se os esposos não quisessem
acumular riquezas como devem fazer os capuchinhos, se o artesão estivesse na igreja
o dia todo como o religioso e o religioso sempre activo em todos os tipos de
encontros para o serviço do próximo como o bispo: esta devoção não seria
ridícula, fora do lugar e insuportável? Este defeito, todavia, ocorre com muita
frequência».
Evitemos, assim, esta deplorável confusão e, sobretudo, tenhamos sempre uma
atitude favorável para com o nosso próximo antes de julgá-lo e condená-lo,
especialmente quando se trata de aparências externas. Nosso Senhor diz sobre os
cristãos: «Vede como eles se amam, por este sinal os reconhecereis».
Esta é, hoje, uma lição para todos nós.
9. Por fim, pedimos a V. Rev.ª que deixe uma mensagem ao povo português,
ainda esmagadoramente privado de poder assistir regularmente à Missa
Tradicional e de aceder livremente aos Sacramentos de acordo com a Liturgia Tradicional.
Só posso saudar o povo português, que se pode orgulhar da sua magnífica
herança cristã, dos seus santos, dos seus grandes missionários, dos seus
grandes bispos. O Cardeal Siri falou-me muitas vezes da admirável figura do
Cardeal Cerejeira, que foi Patriarca de Lisboa durante quase meio século! O Instituto goza, sem dúvida, de um protector português no Céu, na pessoa de D. Custódio Alvim Pereira, Arcebispo de Lourenço Marques, em Moçambique, depois de ter sido Reitor do Pontifício Colégio Português em Roma. Era um grande amigo de Gricigliano, que visitou várias vezes: deu-nos a imagem de um verdadeiro bispo e de um padre bom. Devem
estar orgulhosos e gratos por este magnífico património e pelos seus dignos
administradores. Há mais de cem anos, Portugal recebeu a prova do grande amor
do Céu por esta Nação, porque a Mãe do Filho de Deus desceu a Fátima para
enviar uma mensagem de grande relevância a todo o mundo, ainda hoje de imensa
actualidade. Uno-me à oração de tantos portugueses que sofrem e oferecem: Deus responderá
às suas orações! A liturgia tradicional, a que têm todo o direito, ajuda-os,
certamente, a viver estes tempos difíceis, a estar com o seu Pastor, sinal da
misericórdia e do amor de Deus e do próximo no mundo, como repete, muitas vezes,
o Papa Francisco.
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