Por ocasião do lançamento do novo livro de
Mons. Carlo Maria Viganò, coordenado pelo italiano Aldo Maria Valli, foi
divulgada uma carta que, em Março de 2019, o antigo Núncio Apostólico nos Estados Unidos da América escreveu
ao Papa Francisco, não tendo, porém, chegado a enviá-la. Pareceu-nos, pois,
oportuno traduzir e divulgar o texto integral da missiva.
Santidade,
Inúmeras são as orações, ao Pai celeste, pela conversão do sucessor de Pedro, da
parte de fiéis e de pastores em todas as partes do Mundo. Também eu, com eles,
imploro a intercessão de Maria, Virgem Imaculada, Rainha dos Apóstolos e Mãe da
Igreja, e dirijo-lhe, como já fiz várias vezes, um apelo de coração para que se
converta e cumpra o mandato que Jesus deu a Pedro e aos seus sucessores de
confirmar os seus irmãos.
Papa Francisco, mantenha a promessa que fez solenemente quando aceitou a missão
de sucessor do apóstolo Pedro!
Grande é o sofrimento, grave é a perplexidade, a confusão, a divisão que as suas
palavras, os seus gestos, os seus comportamentos, as suas decisões, os seus
silêncios provocaram nos fiéis. Os pastores, cardeais, bispos e sacerdotes, por
um falso conceito clerical de respeito e de obediência ao papa, calam-se: tanto
pelo medo de provocar um cisma na Igreja, quanto para não transmitirem o seu
sofrimento às almas dos fiéis, e porque têm medo do risco de incorrer em
sanções canónicas, que agora afectam não aqueles que pregam doutrinas erróneas
e praticam comportamentos gravemente imorais, mas os defensores das Verdades
perenes, contidas na Sagrada Escritura e constantemente ensinadas na Tradição
da Igreja.
Na catequese da Audiência Geral de 14 de Novembro de 2018, quarta-feira, ao
explicar o oitavo mandamento, “Não levantar falsos testemunhos”, afirmou: «Este
mandamento – reza o Catecismo – “proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem”
(n. 2464). Viver de comunicações não autênticas é grave, porque impede os
relacionamentos e, por conseguinte, também o amor. Onde há mentira não há amor,
não pode haver amor. E quando falamos de comunicação entre as pessoas,
entendemos não apenas as palavras, mas inclusive os gestos, as atitudes, até os
silêncios e as ausências».
O recente encontro de todos os presidentes das Conferências Episcopais, por si
convocado para reflectir e indicar remédios para os abusos sexuais, para os crimes
e para os pecados de sodomia cometidos por sacerdotes, bispos e cardeais, foi
manipulado desde o início, reduzindo o seu objecto às violações apenas contra
menores, ignorando, deliberadamente, o facto de que 80% dos abusos sexuais são
cometidos contra jovens adultos, seminaristas e sacerdotes, e são de natureza
homossexual. Vossa Santidade impôs um total silêncio sobre a homossexualidade,
principal causa dos abusos perpetrados. Durante o encontro, as conferências, na
Sala de Imprensa vaticana, ofereceram ao Mundo um espectáculo vergonhoso, que
não poderia ter sido mais deprimente e desanimador. Jornalistas, especialmente
mulheres de grande experiência e profissionalismo, inclusive de jornais laicos,
tentaram, de todas as maneiras, em vão, obter respostas que pudessem restituir
um mínimo de credibilidade ao encontro em curso; mas tiveram de lidar com duas
falsas testemunhas, o Cardeal Cupich e o Arcebispo Scicluna. Este último, ainda
aprendiz na cultura jesuíta, surpreendido por uma pergunta sobre o caso
indecente do Bispo Zanchetta, depois de alguns resmungos, chegou a deixar
escapar palavras constrangedoras e embaraçosas: «Não sei se estou autorizado».
Um conhecido professor judeu, que se converteu, de maneira singular, à fé
católica, comparou a actual corrupção na hierarquia da Igreja Católica com a
existente no sinédrio que, há dois mil anos, condenou Jesus Nazareno à morte
citando falsos testemunhos.
Os abusos sexuais contra menores e jovens, cometidos pelo clero, os graves
danos morais e os devastadores traumas psicofísicos causados às vítimas, o
silêncio, os persistentes encobrimentos da
hierarquia produziram danos incalculáveis à Igreja e uma grave perda de credibilidade, dificilmente
recuperável pelos bispos e pelo próprio sumo pontífice.
O P. Lombardi, que moderou o encontro de Fevereiro, observou que «encobrir
os crimes é uma coisa extremamente grave. É a negação da verdade, da cura das
vítimas, e é muito grave». E acrescentou: «Agora estamos a responsabilizar
os bispos (…) mas, se não agem bem, devem responder por isso. E esta é
uma das coisas concretas que se seguirão no encontro: os procedimentos e as
normas, prestar contas não só a Deus, mas à comunidade e à Igreja».
Infelizmente, a repetição destas afirmações só serve para criar uma cortina de fumo
e permanece letra morta. O princípio da não contradição foi anulado pela
lógica, sacrificado no altar do relativismo vigente, segundo o falso princípio por
si anunciado, pelo qual «a realidade é superior às ideias», princípio
que também pode ser traduzido assim: os comportamentos humanos, sejam eles
quais forem, mesmo de acordo com a lógica do mundo, são superiores às Verdades
inscritas, no coração do Homem, pela lei natural e pela lei divina revelada em
Jesus Cristo, e, consequentemente, também a realidade do pecado sodomita contra
a natureza é superior à lei natural e revelada por Deus no Antigo e no Novo
Testamento. Da mesma forma, o casamento monogâmico, entre um homem e uma mulher,
é superado pela realidade do divórcio, do adultério e das uniões homossexuais!
Erguer a realidade contingente a lugar teológico, arrebatando-a a um necessário
julgamento moral coerente com a eterna Verdade de Deus, é uma aberração
filosófica mesmo antes de ser teológica.
O silêncio no ensinamento dos valores morais, como a castidade e a fidelidade
conjugal, é, infelizmente, amplamente praticado na Igreja hoje e é constante no
seu magistério. Esta é a estratégia da mentira daquele que é mentiroso e
assassino desde o princípio (Jo 8, 44).
São Pedro negou Nosso Senhor três vezes: ao cantar do galo, diz-nos o
Evangelista, «flevit amare» (Lc 22, 62). Rezo de todo o coração para que
Vossa Santidade possa seguir o príncipe dos apóstolos, do qual é sucessor, no
arrependimento sincero, para, depois, poder confirmar os irmãos apascentando as
ovelhas e os cordeiros que lhes são confiados pelo Único Pastor.
† Carlo
Maria Viganò
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