O
pastoralismo está a corroer a Igreja, descentraliza-a, projecta-a para fora de
si mesma, a ponto de fazê-la esquecer coisas essenciais. A Igreja de hoje está
doente de pastoralismo, que agora se tornou a ideologia dos líderes
eclesiásticos. Deste modo, eles acabam sempre por inverter as coisas de como são
realmente para como aparecem para a nova ideologia. Acredita-se que se liberta
a Igreja do doutrinalismo e, em vez disso, está-se a escravizá-la ao mundo,
porque a impedem de vê-lo a partir de cima e de fora.
O Bispo maltês Mario Grech, futuro Cardeal e Secretário do Sínodo dos Bispos em
substituição de Lorenzo Baldisseri, deu mais uma prova do novo escolasticismo
pastoral numa entrevista a La Civiltà Cattolica, publicada no número que
está em distribuição. O tema é a Igreja depois da pandemia.
Muitos fiéis sofreram com a suspensão das Santas Missas e com o encerramento das
igrejas devido a regulamentações governamentais. A Santa Missa e a liturgia
eucarística são o coração da vida cristã. Nenhum fiel jamais pensou que a
celebração da Missa pelo sacerdote fosse uma forma de clericalismo. Nem mesmo
as Missas em streaming, quando realizadas, foram consideradas, pelos
fiéis, uma forma de pretenso exibicionismo, uma pretensão de monopólio clerical
do contacto com o mistério. Monsenhor Grech, por outro lado, pensa que, durante
a pandemia, «surgiu um certo clericalismo, mesmo através das redes sociais».
«Assistimos a um certo exibicionismo e pietismo que cheira a magia» e «tantas
iniciativas pastorais neste período centraram-se apenas na figura do presbítero».
Para ele, esta fixação na Santa Missa e nos Sacramentos é uma forma de
clericalismo que nos impede de compreender «que havia outras formas pelas
quais poderíamos experimentar Deus»: a emergência «transformou
enfermarias hospitalares noutras catedrais».
Durante as restrições da liturgia, perguntámo-nos por que motivo a Igreja se
curvou imediatamente perante as disposições governativas e apenas alguns ínfimos
Bispos, como Monsenhor Giovanni D’Ercole, protestaram e reivindicaram o «direito
à Santa Missa». A razão é que, agora, a grande maioria dos pastores, e
especialmente aqueles que foram chamados ao topo da hierarquia, hoje pensam
como o futuro Cardeal Grech, para o qual a Santa Missa é apenas uma «experiência
de Deus». Bem, se assim for, então é verdade que, como diz ele, uma
experiência de Deus também pode ser feita noutro lugar e que todas as áreas do
mundo, e não apenas as enfermarias dos hospitais, podem ser consideradas locais
onde se faz experiência de Deus, uma igreja, um altar, uma liturgia
eucarística. É o que diz o pastoralismo e, por isso, está a matar a Igreja.
Durante as proibições litúrgicas, a essência da Missa parece ter-se tornado a
fraternidade experimentada pelo distanciamento e pelo uso da máscara: ia-se à Missa
para usar a máscara, não se usava a máscara para ir à Missa. O preceito
dominical consistia em manter o distanciamento social.
Ainda sobre a Missa, o futuro purpurado disse outra coisa espantosa: «Quanto
à Palavra, portanto, devemos desejar que esta crise, cujos efeitos nos acompanharão
por muito tempo, seja um momento oportuno para nós, como Igreja, para trazer de
volta o Evangelho para o centro da nossa vida e do nosso ministério». A
falta da Palavra eucarística seria, por conseguinte, uma oportunidade para
reapropriar-se melhor da Escritura. Nem mesmo um protestante iria tão longe. O
pastoralismo leva a isto: ler o Evangelho em casa seria mais importante do que
ouvi-lo proclamado e explicado, na Igreja, na liturgia da Palavra e, sobretudo,
tomá-lo nas Espécies eucarísticas como real Palavra Encarnada, Morta e
Ressuscitada.
E eis que chegamos ao tema da família. Segundo o Bispo, quase Cardeal, Grech,
durante a pandemia a família tornou-se Igreja também no sentido litúrgico. É,
em si mesma, uma Igreja doméstica e, agora, também se tornou na liturgia, tanto
que «quem, durante este período em que a família não tiveram oportunidade de
participar na Eucaristia, não aproveitou para ajudar as famílias a desenvolver o
seu próprio potencial, perdeu uma ocasião de ouro». Foi, certamente, oportuno
sugerir a oração em família, dada a ausência da liturgia eucarística, mas a
família não tem nenhum «próprio potencial» que a possa assimilar à
celebração da Santa Missa.
A família é “Igreja doméstica” porque há a Igreja que celebra a liturgia
eucarística. O Bispo Grech, pelo contrário, pensa que a Igreja existe porque há
famílias e que «não é a família que é subsidiária à Igreja, mas a Igreja a ser
subsidiária à família», utilizando o princípio da subsidiariedade de forma
absolutamente inaceitável. Na esfera civil, o Estado é subsidiário à família
porque as famílias vêm antes do Estado, mas, na esfera eclesial, nada vem antes
da Igreja, que não é a assembleia de várias Igrejas domésticas. O motivo pelo
qual o Bispo Grech insiste no potencial litúrgico da família é o de valorizar o
sacerdócio universal e, assim sendo, também dos pais, acabando por colocá-lo ao
mesmo nível do sacerdócio ministerial.
Segundo Grech, depois da pandemia seria um suicídio voltar à velha pastoral
centrada na Missa e nos Sacramentos. Mas eu não acredito.
Stefano Fontana
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
0 Comentários
«Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente» (cf. 1Cor 6, 12).
Para esclarecimentos e comentários privados, queira escrever-nos para: info@diesirae.pt.