O portal católico Dies Iræ tem a elevada
honra de disponibilizar, em exclusivo, uma entrevista que realizou a Mons.
Marcos Isola Pavan, novo Director da Capela Musical Pontifícia, denominada
Capela Sistina. Mons. Pavan, brasileiro nascido numa família italiana,
tornou-se, no passado dia 22 de Novembro, após mais de duas décadas de
colaboração activa, o novo Director da Capela Musical.
1. Antes
de mais, agradecemos a sua disponibilidade e tempo para esta entrevista.
Sabemos que nasceu em São Paulo, no Brasil, no seio de uma família italiana
que, como é de praxe, respira e transpira arte. É aqui que surge o seu gosto
pela música?
Da
minha família recebi o gosto pela música, sobretudo pela ópera lírica (a minha
mãe possuía uma bonita voz de soprano, embora nunca tivesse estudado canto).
Tive a sorte de receber formação musical já na escola primária que frequentei.
Aos 7 anos já fazia parte do coro da minha escola e, em seguida, iniciei o
estudo do piano.
2. Poderia, Rev.ª, descrever-nos como entra no seu horizonte a música sacra?
Cantando no coro da minha escola, tive contacto com algumas composições
sacras e o estudo da música levou-me a conhecer as grandes obras desse género.
Mas foi quando, na escola secundária, fui estudar para o colégio dos beneditinos
da minha cidade que fiquei hipnotizado pela beleza e espiritualidade do canto
gregoriano. Naquela época já tinha sentido o chamamento para o sacerdócio e o
encontro com a liturgia católica celebrada da maneira mais digna e solene
marcou-me profundamente. Comecei, então, a estudar o canto gregoriano com os
monges do Mosteiro de São Paulo e, de seguida, tive a sorte de encontrar a
gregorianista inglesa Eleanor Florence Dewey (Madre Maria do Redentor), Cónega
de Santo Agostinho, que havia estudado no Pontifício Instituto de Música Sacra
de Roma com D. Eugène Cardine e dirigia o Coral Gregoriano São Pio X na minha
cidade.
3. Para aprofundar os seus conhecimentos de Semiologia Gregoriana, estagiou,
durante vários meses, na Abadia de Solesmes, em França. Um dos seus mestres foi
Dom Eugène Cardine, uma referência na matéria. Pode contar-nos como foi essa
experiência?
A pedido de Madre Maria do Redentor, que mantinha correspondência com D.
Cardine, colaborei com a tradução para português da mais importante obra de D.
Cardine, já então traduzida em quase todas as principais línguas do mundo:
“Semiologia Gregoriana”. Isso ajudou-me a aprofundar ainda mais os meus
conhecimentos da matéria e, graças à apresentação de Madre Maria do Redentor,
D. Cardine, que já havia deixado o ensino em Roma e voltara para o seu mosteiro
de Solesmes, aceitou-me para uma série de aulas particulares, nas quais pude
constatar como a sua discípula e minha mestra havia assimilado com perfeição as
lições de gregoriano.
4. Dentro da música sacra, o canto gregoriano é, ainda hoje, o canto oficial
da Igreja. Entre a liturgia e o canto gregoriano há uma perfeita simbiose. Como
foi possível atingir-se essa relação?
Acredito que por inspiração divina! O canto gregoriano é, sem dúvida, um
canto divinamente inspirado, porque nasce da Palavra de Deus revelada nas Sagradas
Escrituras e na Tradição Litúrgica. Sendo um canto “conatural” a esses textos,
não pode não haurir o sentido inspirado dessas palavras. Além disso, o canto
gregoriano, anónimo na sua composição, é ele próprio fruto da melhor Tradição
da Igreja: composto em distintos lugares e épocas, apresenta uma unidade
estética, uma coerência de repertório, uma pertinência litúrgica e uma
profundidade espiritual que não se explicam sem uma especial assistência do
Espírito Santo.
5. Até hoje, o gregoriano suscita, mesmo em pessoas agnósticas, um sentimento
de respeito, seja pela estética, seja pela sua perfeição melódica. Como
interpreta este fenómeno?
Como disse, a explicação para esse fenómeno ultrapassa, na minha opinião, a
esfera natural: a música verdadeiramente bela fala directamente ao coração e,
no caso do gregoriano, ecoa na alma com a força de uma epifania, circundando o
obstáculo de uma mente serva do racionalismo.
6. Qual foi a influência que a música sacra exerceu sobre a sua vocação
presbiteral? E como se deu a sua ida para Roma?
Curiosamente, por um longo período da minha vida pensei que a vocação
musical estivesse em concorrência com a minha vocação sacerdotal, não por motivos
intrínsecos (houve muitos sacerdotes músicos), mas de oportunidade: a carência
de sacerdotes no Brasil não teria permitido que eu “perdesse tempo” com a
música... Mas Deus, que é menos preconceituoso e tem mais fantasia,
preparava-me um caminho diverso. Hoje, acredito que, nos planos da Providência,
as duas vocações correspondiam a um único projecto para a minha vida. Em 1991,
após um ano de experiência num mosteiro beneditino e outros quatro como cantor
lírico, tomei a decisão de deixar a carreira musical e ingressar no seminário
diocesano de Campo Limpo. O então Sr. Bispo desta diocese enviou-me a realizar
os estudos filosóficos e teológicos em Roma e, depois desses, a licenciatura em
Direito Canónico (já havia conseguido o Bachalerado em Ciências Jurídicas no
Brasil). Em 1998, dois anos após a minha ordenação sacerdotal e no término dos
meus estudos canónicos, quando me preparava para voltar definitivamente ao
Brasil, foi-me pedido que assumisse a função de magister puerorum na
Capela Musical Pontifícia.
7. Logo na sua estadia romana, entrou para o Coro da Capela Sistina. E acabou
por ser o solista que entoou a Ladainha das Rogações, em Abril de 2005, aquando
das exéquias fúnebres de S. S. João Paulo II. Para V. Rev.ª, segundo o velho
adágio, quem canta reza mesmo duas vezes?
Comecei a colaborar, como solista litúrgico, com o Departamento de
Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, ainda seminarista, em 1993. Com a minha
ordenação diaconal e, sucessivamente, sacerdotal, esta colaborção tornou-se
ainda mais intensa. Por isso, quando o então novo Maestro Director da Capela
Pontifícia, Mons. Giuseppe Liberto, procurava um novo maestro para os meninos
cantores, fui-lhe indicado pelos Superiores do Vaticano. Em Abril de 1998, assumi o cargo de “Magister Puerorum” e mantenho-o ainda agora que sou Maestro
Director, pois foi-me pedido pelos Superiores que espere a aprovação dos novos
Estatutos do nosso coro antes de nomear um novo.
8. A polifonia sacra e o gregoriano são parte integrante do património da
Igreja. Que palavras de estímulo diria às novas gerações que, um pouco por toda
a parte, têm manifestado apreço por tal forma de embelezamento litúrgico?
O canto gregoriano não é só o canto oficial da Igreja, mas é também a
origem de toda a música culta ocidental; desconhecê-lo significa privar-se de
um instrumento importante para bem compreender e interpretar a música dos
períodos sucessivos e contemporânea. Logo em seguida vem a polifonia clássica,
que no gregoriano tem as suas raízes e com ele mantém uma relação íntima e
feliz, que bem podemos apreciar nas liturgias solenes. Só quem nunca teve o
privilégio (mas que para todos os católicos deveria ser um direito) de
participar numa celebração de tal quilate pode ignorar o valor insubstituível
dessas formas musicais, que devem continuar a servir de inspiração mesmo
quando, por motivos pastorais, se requer o uso de formas musicais mais simples.
Tal inspiração refere-se, por exemplo, à bondade da forma (dignidade e beleza
da composição musical, ainda que na simplicidade), aderência ao texto cantado,
pertinência ao período litúrgico e ao carácter da celebração, etc.
9. Por fim, podemos pedir-lhe que enderece uma breve mensagem aos católicos
lusos?
Que não permitam que a Tradição musical da Igreja seja esquecida, que a
cultivem e a amem como uma dimensão inseparável da missão santificadora da
nossa Mãe Igreja; que formem coros capazes de executar o gregoriano e a
polifonia, ao menos, nas ocasiões solenes e nas igrejas maiores, e que nessas
formas musicais se inspirem quando se trata de realizar novas composições para
celebrações mais simples ou em comunidades com menos meios.
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