Depois de, há alguns dias, ter emitido uma
breve nota sobre o relatório da Santa Sé relativo ao predador sexual Theodore
McCarrick, o Arcebispo Carlo Maria Viganò, denunciante dos escândalos sexuais
na Igreja norte-americana, concede uma muito esclarecedora entrevista a Raymond
Arroyo, que o portal Dies Iræ, a pedido de Sua Excelência Reverendíssima,
traduziu e apresenta aos leitores de Língua Portuguesa.
Excelência,
o relatório afirma que «não se apresentou» para mostrar provas para esta
investigação vaticana: foi-lhe pedido que fornecesse informações? Alguém o
contactou?
Descubro com surpresa que um dossier, em que sou mencionado 306 vezes, me acusa
de não me ter apresentado para testemunhar nesta investigação sobre Theodore
McCarrick. Mas a convocação das testemunhas, nos termos da lei, cabe ao
instrutor do processo, com base nas provas recolhidas na fase de instrução.
A minha primeira intervenção sobre McCarrick, como Delegado para as
Representações Pontifícias na Secretaria de Estado, remonta a 6 de Dezembro de
2006, na sequência de um relatório do então Núncio nos Estados Unidos, Mons.
Pietro Sambi. Sucessivamente, em 2008, apresentei um segundo memorando que
relatava factos de tal gravidade e tão detalhados que me levaram a recomendar a
deposição de McCarrick como Cardeal e a sua redução ao estado laical. É
conhecido de todos o meu testemunho de Agosto de 2018 e as minhas sucessivas
declarações.
É completamente incompreensível e anómalo que não tenha sido considerado
apropriado convocar-me para testemunhar, mas é ainda mais desconcertante que
essa omissão deliberada tenha sido usada, posteriormente, contra mim. E não me
digam que me tornei indisponível: o meu e-mail pessoal está na posse da
Secretaria de Estado e ainda está activo.
Por outro lado, assim como não fui interpelado para a redacção do Relatório
McCarrick, também, em 2012, os três Cardeais, designados por Bento XVI, não me
chamaram para as investigações sobre Vatileaks 1, que também me viu
pessoalmente envolvido. Só no seguimento de um explícito pedido meu é que o
Card. Julian Herranz, que presidia à Comissão, me permitiu testemunhar, com estas
palavras: «Se queres mesmo…!».
De outra parte, parece-me significativo que mesmo James Grein, a única vítima
dos abusos sexuais de McCarrick que teve a coragem de denunciá-lo publicamente,
não apareça no dossier e que não haja nenhum vestígio do seu depoimento, no
qual também deveria ter referido a viagem feita, com McCarrick, a São Galo, no
final dos anos cinquenta.
Das declarações públicas de James Grein, fica claro que o início da ascensão de
McCarrick – então um neo-sacerdote – coincidiu com aquela visita à Suíça, a um
mosteiro que, mais tarde, foi o local dos encontros dos conspiradores da
chamada “máfia de São Galo”. Segundo as declarações do defunto Card. Godfried
Danneels, aquele grupo de Prelados teria decidido favorecer a eleição de
Bergoglio, seja depois da morte de João Paulo II, seja durante o Conclave que
se seguiu à controversa renúncia de Bento XVI.
Lembro-me que, durante uma conferência na Villanova University, a 11 de Outubro
de 2013, o então Card. McCarrick admitiu que era favorável à eleição do Card.
Bergoglio no início das Congregações Gerais do Conclave, realizadas alguns
meses antes.
Pergunto-me que confiabilidade pode ter um órgão judicial num claro conflito de
interesses devido às suas relações anteriores com o acusado. Como podem Bergoglio
e a Secretaria de Estado, que dele depende, fingir parecer imparciais quando
McCarrick ia ao Vaticano com uma anómala frequência; quando, em Junho de 2013,
foi encarregado de uma viagem diplomática à China? E como podem pensar que reiteradas
tentativas de encobrir e de negar as suas responsabilidades não sejam a causa
da sistemática tentativa de me desacreditar como testemunha, para não trazer à
luz a cumplicidade e a conivência entre eles e o próprio McCarrick?
De acordo com o relatório, o Papa afirma que não foi por si informado das actividades
ou das restrições de McCarrick em Junho de 2013. Qual é a sua resposta?
Esta afirmação é absolutamente falsa. Em primeiro lugar, foi o próprio
Bergoglio, a 23 de Junho de 2013, a pedir expressamente a minha opinião sobre
McCarrick. Como testemunhei no meu memorando de 2018, «respondi-lhe com toda
a franqueza...:“Santo Padre, não sei se conhece o Cardeal McCarrick, mas se
perguntar à Congregação para os Bispos, há um dossier muito grande sobre ele. Corrompeu
gerações de seminaristas e de sacerdotes, e o Papa Bento forçou-o a retirar-se
para uma vida de oração e de penitência”. O papa não fez o menor comentário
sobre as minhas palavras tão graves e não mostrou nenhuma expressão de surpresa
no rosto, como se já o soubesse há algum tempo, e mudou imediatamente de
assunto. Mas, então, com que propósito é que o papa me fizera aquela pergunta: “Como
é o Cardeal McCarrick?”. Evidentemente, queria saber se eu era aliado de
McCarrick ou não».
Devo observar que soube pelo próprio McCarrick que Bergoglio o recebera quatro
dias antes da minha audiência e que o autorizara a ir à China. De que adiantou pedir-me
uma opinião, quando Bergoglio demonstrava que tinha a maior estima por
McCarrick?
Enquanto isso, McCarrick vinha tranquilamente a Roma, recebia tarefas do
Vaticano, inclusive oficiais, e continuava as suas actividades como se nada
tivesse acontecido. Em Maio de 2014, soube, pelo Washington Times, de
uma viagem de McCarrick, em nome do Departamento de Estado (o Secretário de
Estado era, à época, John Kerry), à República Centro-Africana; também é
mencionado no relatório. Estamos a falar de 2014; mas Bento XVI, desde 2008, tinha
ordenado ao Cardeal americano que se retirasse para a vida privada, que não
celebrasse ou interviesse em eventos públicos, que não viajasse.
Por este motivo, dada a forma como era tratado McCarrick, perguntei ao Card.
Parolin se as sanções contra ele ainda deviam ser consideradas válidas. Mas não
obtive resposta. A essa altura, depois de ter comunicado pessoalmente ao Papa,
não tendo recebido resposta do Secretário de Estado, o que poderia ainda fazer?
A quem apelar?
Pelo relatório, fico a saber que as tarefas e viagens contínuas de McCarrick ao
exterior eram consideradas, pelo Arcebispo Wuerl e até pelo Núncio Sambi
(falecido em 2011), como uma «forma suficiente de afastamento» (cf. nota
1013 do relatório). E fico sinceramente chocado ao saber que «as indicações
não eram “sanções”; não foram impostas pelo Papa Bento XVI; McCarrick nunca foi
proibido de celebrar Missa em público; McCarrick não foi proibido de proferir
conferências. O Cardeal Re não impôs a McCarrick a “obrigação” de se dedicar a
uma vida de oração e penitência; e McCarrick permaneceu livre para conduzir actividades,
incluindo as viagens, com a permissão da Santa Sé, compreendido o Núncio» (cf.
nota 1006, ibidem). Se assim é, significa que, apesar da conduta reprovável
do Cardeal, a Santa Sé não considerou oportuno tomar medidas disciplinares
contra McCarrick, o que confirma a minha denúncia sobre a corrupção da Cúria.
O relatório faz de tudo para tentar retratá-lo como inadimplente na
investigação das alegações do Padre 3. (Menciona apenas o facto de que tenha
sido Vossa Excelência a trazer estas preocupações à Santa Sé em primeiro
lugar). Evitou colocar-se «na posição de verificar a credibilidade do Padre
3»?
É evidente qual foi o meu papel ao trazer à luz os escândalos de McCarrick e
que sempre tomei medidas para relatar à Santa Sé qualquer informação chegada à minha
posse. Recordo que estamos a falar de 2012, quando tinha sido recentemente
nomeado Núncio nos Estados Unidos.
O relatório acusa-me de não ter dado seguimento ao pedido de informação sobre
as acusações do «Padre 3» contra McCarrick. Algo absolutamente falso!
São os mesmos redactores do relatório a fornecer as provas do engano que planearam
para me atingir e desacreditar. Com efeito, afirma-se, noutro ponto do
relatório, que, a 13 de Junho de 2013, escrevi ao Card. Ouellet, enviando-lhe a
carta que o bispo Bootkoski me tinha dirigido e a carta enviada ao «Padre 3».
Informei-o de que a denúncia civil do «Padre 3» havia sido encerrada sem
possibilidade de recurso. O bispo Bootkoski qualificava as acusações do «Padre
3» como falsas e caluniosas.
Gostaria de enfatizar um aspecto em particular. Aqueles que me acusam de não
ter enviado uma comunicação escrita a Mons. Bootkoski, Ordinário do «Padre 3»
e Bispo de Metuchen, sabem bem que isso depende das indicações precisas da
Secretaria de Estado. E sabem igualmente bem – como confirma o relatório – que
houve uma comunicação telefónica entre mim e o bispo Bootkoski, da qual, no que
me diz respeito, informei o Cardeal Ouellet.
Não se deve esquecer que naqueles anos havia advogados que não se contentavam
em chamar em juízo as Dioceses por crimes cometidos por sacerdotes, mas queriam
demonstrar que a própria Santa Sé – como quartel-general de uma multinacional –
tinha a responsabilidade última nas indemnizações por abusos. Sabe algo sobre
isso o advogado Lena, que conseguiu, em dois distintos processos, evitar que a
responsabilidade do encobrimento dos abusos recaísse sobre o Papa Bento XVI.
E o que pensa do facto de o relatório atribuir a João Paulo II e a Bento XVI
a maior parte da culpa pela promoção e confirmação de McCarrick na Igreja?
As intenções dos redactores do relatório são claras: descarregar as
responsabilidades das promoções de McCarrick sobre os Predecessores, um defunto
e canonizado (João Paulo II), o outro idoso e débil (Bento XVI). O primeiro não
pode se defender do túmulo, o segundo é brando demais para repudiar abertamente
o seu sucessor, chamando-o de mentiroso e desacreditando, com ele, também a função
que exerce. O que é desconcertante é que dentro do mesmo relatório – elaborado
por várias mãos, naturalmente – existem inúmeras contradições, a ponto de
tornar pouco credíveis os argumentos apresentados.
Pergunto-me então: quem convenceu João Paulo II e Bento XVI a não levar em
conta as graves acusações sobre McCarrick? Quem tinha interesse em fazer com
que McCarrick fosse promovido, de modo a tirar vantagens em termos de poder e de
dinheiro?
Provavelmente, alguém fez João Paulo II acreditar que as acusações contra
McCarrick tinham sido feitas propositalmente, segundo o modelo das operações de
descrédito que a Polónia comunista já havia realizado contra bons bispos ou sacerdotes
que se opunham ao regime.
No caso de João Paulo II, o principal interesado na promoção de McCarrick era,
certamente, o Cardeal Sodano. Foi Secretário de Estado até Setembro de 2006:
todas as informações chegavam-lhe. Em Novembro de 2000, o Núncio Montalvo
enviou-lhe o seu relatório e as denúncias de graves abusos cometidos por
McCarrick.
Não esqueçamos que, naquele período, estourou o escândalo do padre Maciel, que
Sodano tentou encobrir, chegando a falsificar um comunicado de Bento XVI em que
se dizia que o Papa considerava o caso encerrado. Bento XVI convocou uma
plenária da Congregação para a Doutrina da Fé e o Cardeal Arinze conseguiu que
Maciel fosse condenado, não obstante a oposição do Secretário de Estado.
O nome do Card. Sodano também apareceu envolvido numa escandalosa especulação
imobiliária. Em 2003, o sobrinho do Purpurado, o engenheiro Andrea Sodano, com
cartas de recomendação do tio Secretário de Estado e na qualidade de consultor
da imobiliária Follieri (em alguns actos oficiais é também indicado como
Vice-Presidente do grupo), adquiriu, ao desbarato, bens das Dioceses americanas
condenadas a indemnizar os danos dos processos civis por abusos sexuais,
obtendo para si uma enorme vantagem económica em detrimento dos danos da
Igreja. Raffaello Follieri, dono da holding, foi condenado por fraude e lavagem
de dinheiro, justamente por operações imprudentes na comprova e venda desses
imóveis. Desnecessário dizer que Follieri tinha estreitas relações com a Clinton
Global Initiative e a família Clinton, assim como com os Democratas: «O
ex-presidente e a senadora Hillary são nossos amigos», vangloriou-se
Follieri.
Repetem-se as estreitas relações, as mesmas cumplicidades, as mesmas
frequentações. McCarrick, Clinton, Biden, os Democratas, os Modernistas. Com um
não indiferente cortejo de homossexuais e abusadores em série.
Quanto a Bento XVI, quem tinha um acesso diário e directo ao Papa eram o Secretário
de Estado, Bertone, e o Substituto, Sandri, que conseguiam controlar e filtrar as
informações sobre McCarrick e exercer pressão sobre ele.
Também neste caso, o relatório fala por si. A apresentar a questão directamente
ao Papa Bento XVI foi o Card. Bertone, que, ao contrário do que eu havia
proposto repetidamente – isto é, que as acusações muito graves e detalhadas
contra McCarrick exigiam um procedimento canónico exemplar até à sua remoção do
Colégio Cardinalício e à sua redução ao estado laical –, induziu o Papa Bento
XVI a decidir que não fosse instruído um processo, nem prescritas sanções
canónicas, mas que simplesmente se apelasse à «consciência e ao espírito
eclesial» de McCarrick.
E aqui aparece evidente mais uma flagrante contradição: como se concilia um simples
apelo à consciência com as instruções formais que foram dadas ao Núncio
Sambi e a mim, segundo as quais McCarrick não podia residir no Seminário onde
estava hospedado, não poderia participar em actividades públicas, não podia
viajar e tinha que levar uma vida retirada de oração e de penitência?
A corrupção dos vértices do Vaticano é tão evidente que é possível considerar
este relatório como uma indigna tentativa de fazer Bergoglio parecer
absolutamente alheio às manipulações da Cúria, mais, uma espécie de perseguidor
implacável dos corruptos, enquanto a evidência dos factos demonstra o
contrário. Eu diria que Bergoglio está para a deep church como Biden
está para o deep state...
Permito-me observar que o facto de culpar João Paulo II pela nomeação de
McCarrick, malgrado o parecer negativo da Congregação dos Bispos e do seu
Prefeito, Card. Re, também poderia aplicar-se ao próprio Jorge Mario Bergoglio,
sobre o qual o Geral dos Jesuítas expressara fortes reservas. Se Wojtyla se
enganou com McCarrick e, por isso, é implicitamente considerado responsável
pelos escândalos verificados, o que impede que este julgamento se estenda
também à promoção de Bergoglio como Arcebispo de Buenos Aires e, depois, como Cardeal?
Recordo que, naquele Consistório de 2001, para além de McCarrick e de Bergoglio,
receberam o barrete expoentes da Máfia de São Galo...
Há mais alguma coisa que devamos abordar?
Para terminar, gostaria de citar um artigo recente de Riccardo Cascioli,
fazendo meu o seu lúcido juízo: «Embora emerja do relatório a figura de um
McCarrick predador em série, a grande reacção é desencadeada apenas quando, em
2017, chega a primeira denúncia de abusos de um menor [...] Na prática,
dizem-nos que os “comportamentos imorais com adultos” não são, certamente, uma
coisa boa, mas, no final, são tolerados; o alarme real, aquele que também prevê
sanções pesadas, só é accionado com a menor idade do abusado. Como se as
dezenas e dezenas de futuros padres que partilharam a cama com McCarrick e,
portanto, em grande parte condenados a uma vida sacerdotal, no mínimo,
desequilibrada, não contassem muito. Como se a devastação moral e de fé
provocada por um bispo predador – vocações perdidas, sacerdotes que, por sua,
vez repetirão os abusos, nomeações episcopais distorcidas por laços mórbidos –
fossem um problema menor. [...] É duvidoso, acima de tudo, porque se
ignorou, deliberadamente, que o que permitiu a irresistível ascensão de
McCarrick foi um sistema de poder também chamado de lobby gay, que favorece a
nomeação e a carreira de bispos com determinadas características. [...] Não,
não há, realmente, um sinal de que a Igreja tenha aprendido com o caso
McCarrick; pelo contrário, há a sensação de que se faz pagar um para poderem
continuar tranquilamente os outros. E, enquanto isso, promover a ideia de que,
para um padre, ter tendências homossexuais não é um problema».
Nesta grotesca farsa, agora envolta numa falsa aparência de legalismo, não se
hesita em arrastar para a lama toda a Igreja, o seu prestígio perante o mundo,
a sua autoridade em relação aos fiéis, para salvar a imagem, agora comprometida,
de Prelados corruptos, indignos e perversos. Limito-me a observar que, no
Vaticano, Bergoglio ainda se rodeia de homossexuais conhecidos e de personagens
com reputação seriamente comprometida. Esta é a mais flagrante negação da
alegada obra moralizadora de Bergoglio.
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