As forças
secretas existem e agem na história. O simples dinamismo das paixões e dos erros
humanos não é suficiente para explicar o processo revolucionário que, desde há
séculos, ataca a Igreja e a Civilização Cristã que por ela foi gerada. Este
processo é liderado por agentes, muitas vezes ocultos, mas reais. O pensamento
católico dos séculos XIX e XX procurou sempre, de maneira rigorosa e
documentada, a existência desta trama, que pode ser definida como um “conluio”
ou “conspiração”, se por este termo se entende a existência de forças que
alcançam os seus fins em segredo e, muitas vezes, com métodos ilícitos e
imorais. Mons. Henri Delassus (1836-1921) dedicou um importante livro à La
conjuration antichrétienne: le temple maçonnique voulant s’élever sur les
ruines de l’Eglise catholique (Paris 1910, 3 vols., com uma carta de
prefácio do Cardeal Rafael Merry del Val). As sociedades secretas que guiam a
Revolução, explica Plinio Corrêa de Oliveira, têm como meta a instauração de
uma utópica “República Universal” em que todas as legítimas diferenças entre os
povos, as famílias, as classes sociais, se dissolveriam num amálgama igualitário,
confuso e refervente (Rivoluzione e Contro-Rivoluzione, Sugarco, Milano 2009,
p. 117).
A existência deste “conluio” é confirmada pelos documentos pontifícios e,
especialmente, pela encíclica Humanum genus, de Leão XIII, de 20 de Abril
de 1884, na qual o Papa denuncia o conluio diabólico da Maçonaria, que tem como
«seu propósito último o completo derrubamento de toda a ordem religiosa e
política do mundo que o ensinamento Cristão produziu e a substituição por um
novo estado de coisas de acordo com as suas ideias, das quais as fundações e
leis devem ser obtidas do mero naturalismo» (Enc. Humanum genus, de
20 de Abril de 1884, ASS, vol. 16 (1883-1884), pp. 417-48). A identidade dos
conspiradores pode variar, mas o director permanente do processo revolucionário
é Satanás, o anjo caído, sempre rebelde e sempre derrotado. Os Papas e os
autores contra-revolucionários não deixam de realçar a essência satânica da
Revolução que, aparentemente, “constrói”, mas, na realidade, destrói. Visa
desfazer a obra da criação e da redenção para construir o Reino social do demónio,
um inferno na terra que prefigura o da eternidade, assim como o Reino social de
Cristo, a Civilização Cristã, prefigura o Reino do Paraíso celestial. Nesse
sentido, a Revolução tem a sua essência na desordem, enquanto a Civilização Cristã
é a ordem por excelência.
Também os acontecimentos do coronavírus devem ser analisados nesta perspectiva
de teologia da história, mas com a condição de seguir as lições dos grandes
mestres do pensamento católico, que nunca desistiram do bom uso da razão. O
pensamento tem regras estabelecidas por uma disciplina conhecida como lógica. O
objecto da lógica é, como explica São Tomás, a actividade da razão (Commento
agli analitici posteriori di Aristotele, vol. I, I lect. 1.) A lógica é uma
análise dos processos do pensamento para compreender a sua estrutura e as leis nos
diversos momentos. Todavia, não é possível conservar a lógica sem a ajuda da
graça. Há, portanto, necessidade da graça divina, que ilumina a inteligência do
homem e fortalece a sua vontade, para que ele, com a ajuda do sobrenatural,
possa fazer o que a sua natureza não é capaz. De facto, continua Corrêa de
Oliveira, «mesmo que a inteligência seja lógica por natureza, o homem nunca
pode ser completamente lógico sem o auxílio da graça. Por dois motivos:
primeiro, porque a inteligência humana não é infalível, (...); em
segundo lugar, porque o homem encontra mil obstáculos interiores que se opõem à
lógica». «Quais são esses obstáculos interiores? Acontece, muitas vezes, que
a lógica mostra verdades desagradáveis ou deveres árduos e, nesse caso, a
pessoa tenta evitar a lógica. Não existe coisa mais natural no mundo. Procura-se
escapar e fechar os olhos diante da lógica» (R. de Mattei, Plinio Corrêa
de Oliveira, Apostolo di Fatima. Profeta del Regno di Maria, Fiducia, Roma
2017, pp. 30-31). A renúncia ao uso da lógica leva à atrofia da razão e ao
triunfo da imaginação, que é uma forma de pensamento que não segue regras fixas
ou ligações lógicas, mas é, muitas vezes, determinada por um estado emocional.
A imaginação é um sentido interno, o mais nobre dos sentidos internos, mas o
que mais facilmente nos leva ao erro. Para compreender completamente uma
história tão complexa como a eclosão da pandemia do coronavírus, é necessário
usar, com atenção, o instrumento da lógica iluminada pela fé. É preciso ter
cuidado com os falsos mestres, vindos das fileiras da Revolução, que pretendem
explicar o que está a acontecer sem a luz da fé e fazendo um mau uso da razão. Em
Itália, um desses péssimos professores é o aspirante a filósofo Diego Fusaro,
que, desde o início, pretendeu explicar o coronavírus como uma conspiração
ocidental contra a China comunista. A 26 de Fevereiro de 2020, na RadioRadio,
Fusaro afirmava que a hipótese «que apresenta maiores pontos de consistência
é aquela segundo a qual há, de alguma forma, a longa manus norte-americana
em tudo isso. Esta hipótese começa, certamente, do facto de o vírus ter partido
dos laboratórios da China, mas permite-nos entender que este vírus pode ter
sido libertado de várias maneiras. Mas, acima de tudo, este cenário permite-nos
responder a uma questão que, de outra forma, fica sem resposta: quem se
beneficia com tudo isto? Certamente, não ajuda a China que, hoje, vive a pior
crise de joelhos, justamente porque estava a triunfar economicamente e até a
superar os Estados Unidos da América».
No dia 8 de Março, na mesma emissora RadioRadio, Fusaro afirmara que «Itália,
nos últimos dois anos, era o país que mais se estava a aproximar da China a
nível económico, recordar-se-ão da Rota da Seda e da assinatura de Di Maio
naquele projecto. Isso despertou a ira de Washington, que foi imediatamente
capaz de expressar a sua decepção a respeito da proximidade de Itália à China.
Quais são os países mais afectados? China, Irão e Itália. Não se deve esquecer o
facto que são países que não estão alinhados com Washington, aliás, já há algum
tempo na mira da monarquia do dólar». Fusaro insinua, por conseguinte, que os Estados
Unidos criaram a pandemia para enfraquecer a China e os países que lhe são
próximos, como Itália e alguns do Terceiro Mundo. Este pseudo-raciocínio é
falacioso, não apenas porque foi clamorosamente negado pelos factos, mas porque
tem em si mesmo o carácter do sofisma. O facto é que a pandemia foi uma das
principais causas da derrota eleitoral de Trump e se, hoje, algum país está de joelhos
após dez meses de coronavírus, são, precisamente, os Estados Unidos e a
Europa, enquanto a China parece estar a sair da crise sanitária não apenas ilesa,
mas economicamente próspera.
O sofisma está em substituir o nexo causal, que deve caracterizar cada operação
da razão, por um nexo de carácter puramente temporal, que se resume no
conhecido sofisma Post hoc, ergo propter hoc (depois disso, portanto,
por causa disso). Um sofisma que substitui a ordem lógica pela cronológica,
supondo que, se um acontecimento for seguido por um outro, então o primeiro
deve ser a causa do segundo. Na realidade, é necessária uma sucessão temporal para
que haja uma relação causal, visto que cada efeito deve ser precedido por uma
causa, mas esse vínculo temporal não é suficiente para provar nada.
Fusaro, aluno de Costanzo Preve (1943-2013), teórico da Refundação Comunista, é
um neo-comunista que pretende libertar-se da análise socioeconómica de Marx,
mas não renuncia à sua visão dialéctica, baseada na negação do princípio de não
contradição. O que preocupa não são as suas fracas teses, mas o sucesso que
parecem ter nos círculos conservadores e tradicionalistas que, mesmo sem se
referir explicitamente a ele, misturam, na prática, as suas teorias
antiamericanas com as da seita anticatólica QAnon, que afirma a
existência de um projecto criminoso, arquitectado por uma elite globalista,
para subjugar, através de uma ditadura sanitária, toda a humanidade. O
coronavírus seria apenas uma modesta gripe e as medidas recomendadas pelos
governos progressistas ou conservadores de todo o Mundo, como os bloqueios, as
máscaras e o distanciamento social, seriam instrumentos e símbolos desse conluio
para anular as liberdades individuais e, por fim, exterminar toda a humanidade.
É preciso dizer com firmeza que estas hipóteses nada têm a ver com a grande
tradição do pensamento católico que, quando fala da existência de uma
conspiração anticristã, fundamenta cada afirmação com documentação precisa e, sobretudo,
nunca substitui a fé e a razão pela imaginação. Às vezes, a impressão que se
tem é a de se encontrar diante de fenómenos de dissonância cognitiva, onde a realidade é
deformada por uma condição emocional ou de apofenia, um estado psíquico que insta a
estabelecer conexões significativas entre acontecimentos privados de qualquer
relação causal.
Todas as formas de protecção e distanciamento social deveriam ser abolidas para
combater o “conluio”? Gennaro Malgieri, que escreveu a história da invasão do
coronavírus num lúcido diário, observa justamente: «são francamente
ridículos aqueles que contestam o único sistema de protecção que temos à
disposição, mas têm o cuidado de não indicar um alternativo» (Sotto il
segno del pipistrello. Dentro la pandemia. Un diario, Fergen, Roma 2020, p.
14).
A conservação da vida é o princípio fundador de cada comunidade e quem deve tutelar
este princípio é quem decide sobre o “estado de excepção”. «Tendo
questionado tal princípio, é muito fácil abrir o caminho para a dissolução
social» e render-se «ao caos permanente da ferocidade desencadeada pela
rejeição da legalidade e da legitimidade» (ibid., pp. 147-148). Não há
dúvida de que as forças secretas, que agem e operam, procuram tirar proveito da
situação de emergência em que se encontra a humanidade, certamente querida por
Deus, porque, como ensina Santo Afonso de Ligório, «tudo o que acontece,
acontece por vontade de Deus» (Dell’uniformità alla volontà di Dio,
Roma 1874, p. 12). Mas a Divina Providência, que orienta sempre a história,
converte o mal em bem e, precisamente hoje, esta situação de emergência pode
favorecer a batalha dos defensores da ordem cristã. Nunca um momento histórico
foi tão propício para fazer uma crítica cerrada ao processo revolucionário e
mostrar que não há outra solução possível senão um regresso à ordem natural e
cristã. As épocas de quarentena sanitária, que a humanidade tantas vezes viveu
na sua história, são épocas em que a alma não deve cair no domínio da fantasia,
mas deve afirmar o primado da razão e da vontade, elevando o olhar para Deus,
como ensinava São Paulo da Cruz: «Sede solitários o mais que puderdes, mesmo
com o corpo, para que as criaturas não vos roubem o recolhimento» (Lettere,
Roma 1924, vol. II, p. 509); «Deus quer-vos no deserto da mais profunda
solidão para vos dizer palavras de vida e vos ensinar a ciência dos santos»
(ibid., vol. III, p. 515).
Roberto de Mattei
Através de Corrispondenza Romana
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