«É
dilacerante pensar que operadores humanitários abusaram sexualmente de mulheres
enquanto lutavam contra a epidemia de Ébola na República Democrática do Congo».
Com estas palavras, o Director da OMS para a África, Matshidiso Moeti, comentou
a notícia dos abusos sexuais descobertos e denunciados na conclusão de uma
investigação realizada ao longo de quase um ano pela agência de notícias The
New Humanitarian e pela Thomson Reuters Foundation.
Certamente, não é a primeira vez que as Nações Unidas e as organizações não-governamentais
têm de lidar com escândalos sexuais. Entre os mais graves, está o que eclodiu
na República Centro-Africana, onde dezenas de meninas e de mulheres, incluindo bebés,
foram abusadas sexualmente por soldados da missão da ONU Peacekeeping
Minusca, instituída, em 2014, para proteger a população e garantir o
cumprimento dos direitos humanos ameaçados durante a guerra civil que eclodiu
em 2012.
Desta vez, já são mais de 50 as mulheres que afirmam ter sofrido assédio e
violência sexual, entre Agosto de 2018 e Março último, no Leste do Congo,
atingido por uma epidemia de Ébola que matou 2.299 pessoas e acabou no final de
Junho de 2020. Muitas vítimas trabalhavam nas estruturas sanitárias, criadas
para combater a epidemia, como cozinheiras, empregadas de limpeza, contactos,
frequentemente problemáticos na África, entre equipas médicas e as comunidades
locais. Em alguns casos, a ameaça de perder o emprego foi usada para forçá-las
a ter relações sexuais; noutros casos, foi a oferta de contratação que as
induziu a ter relações sexuais indesejadas. Algumas mulheres disseram que foram
embriagadas, outras que foram atacadas em escritórios e hospitais, outras ainda
que foram trancadas numa sala e abusadas. Uma jovem empregada de limpeza contou,
por exemplo, que um médico lhe pediu que fosse até sua casa para falar de uma promoção.
Mas, assim que ela entrou, o homem disse-lhe que ela receberia um aumento salarial
desde que mantivesse relações sexuais com ele. Quando se recusou, o homem agrediu-a
e começou a despi-la, apesar dos seus protestos. Felizmente, conseguiu chegar à
porta da casa e fugir.
Entre os suspeitos, figuram, actualmente, homens de diferentes nacionalidades:
Bélgica, Burkina Faso, Canadá, França, Guiné-Conacri, Costa do Marfim. A
maioria dos casos diz respeito ao pessoal nomeado pela OMS para auxiliar os
médicos locais. Mas o escândalo também envolve outros organismos, incluindo a Agência
da ONU para a Infância, UNICEF, a Organização Internacional para as Migrações, OIM,
e três organizações não-governamentais: Médicos sem Fronteiras, a Associação
dos Médicos Alima e World Vision, que trata de adopções à distância. Um detalhe
suscita ainda mais indignação. As mulheres relatam que os homens evitavam usar
preservativo enquanto, como sublinha o The New Humanitarian,
recomendavam à população que evitasse, o máximo possível, o contacto físico para
impedir a propagação de Ébola.
Muitas mulheres hesitaram em falar abertamente, temendo retaliações ou perder o
emprego. A maioria delas tinha vergonha de contar o que lhes acontecera. Aquelas
que consentiram em falar, fizeram-no sob a garantia de anonimato. Agora que tantas
tiveram a coragem de denunciar, não se exclui que surjam outras e que o
fenómeno se revele ainda mais abrangente, tanto mais que as investigações
realizadas dizem respeito apenas à cidade de Beni, no Kivu do Norte, enquanto a
epidemia afectou toda a província e a vizinha província de Ituri.
A OMS declarou que serão promovidas investigações cuidadosas para determinar a
responsabilidade. «Trair as pessoas que devemos ajudar é deplorável.
Qualquer pessoa envolvida em tais actos – asseguram os líderes da agência
da ONU – será responsabilizada pelas suas acções e sofrerá sérias
consequências, incluindo a imediata demissão». «Não estamos dispostos a
tolerar comportamentos semelhantes por parte dos nossos funcionários, dos
nossos fornecedores e dos nossos parceiros», disse o porta-voz da OMS,
Fadéla Chaib, reiterando a política de «tolerância zero» da agência. Mas
as Nações Unidas, assim como as organizações não-governamentais, dizem-no sempre
que surge um escândalo. No entanto, os escândalos continuam e muitos escapam
sem sofrer nada ou pouco, talvez com a transferência para uma outra missão após
um período de suspensão.
Já várias ONG’s contactadas e o próprio governo congolês afirmam não ter
conhecimento de quaisquer casos de abusos, que nunca receberam queixas nos dois
anos da epidemia. Mas as mulheres fornecem detalhes que tornam confiáveis as
suas histórias. Muitos dos encontros sexuais ocorreram em hotéis que abrigam
escritórios da ONU e de ONG’s, em particular o Okapi Palace e o Hotel Beni,
onde as agências humanitárias reservam frequentemente inteiros blocos de
quartos.
Os motoristas ao serviço da OMS e de ONG’s confirmam-no. Médicos, profissionais
de saúde e administradores usavam-nos para levar as mulheres a hotéis, às suas
casas ou aos escritórios para encontros sexuais. «A maioria de nós fazia-o
– confessou um motorista –, era tão normal quanto comprar comida no
supermercado»; e uma mulher recorda que um homem que abusou dela conduzia
um veículo com a indicação “Organização Mundial da Saúde”.
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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