«Digo-vos
ainda: Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também o Filho do
Homem se declarará por ele diante dos anjos de Deus. Aquele, porém, que me
tiver negado diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus» (Lc
12, 8-9).
O painel de Fra Angelico que representa o Juízo Final, na versão conservada no
Museu Nacional de São Marcos, em Florença, foi, provavelmente, pensado como uma
cimalha, ou seja, um remate, de uma cadeira do coro do complexo florentino de
Santa Maria degli Angeli, agora desaparecido. Isso justificaria a forma insólita
– um rectângulo com três lóbulos – desta pintura a têmpera a que um recente
restauro restituiu as brilhantes cores originais e a plena legibilidade do
texto pictórico.
Cristo é o ápice de uma estrutura piramidal ao longo de cujas laterais existem
fileiras hierarquicamente organizadas de criaturas angelicais e duplas teorias
de santos. Oito serafins circundam-no: o oitavo, aliás, é o dia da ressurreição
e da parusia final. Jesus manifesta-se em toda a Sua realeza, brilhando no
centro de uma amêndoa de luz que fala da Sua plena Sabedoria com base na qual
julga toda a humanidade. As nuvens em que está sentado referem-se, na Bíblia, à
presença de Deus: na presença dos Seus anjos, com o mero gesto das mãos que
ainda mostram as feridas que lhe infligiram durante a Paixão, o Filho divide
aqueles que, diante dos homens, O reconheceram de quem, ao contrário, O negou.
O pintor descreve a vida após a morte com precisão naturalista, imaginando o
Paraíso como um jardim com rica vegetação e o Inferno qual caverna árida e terrosa.
Aqui, respectivamente, reúnem-se os bem-aventurados e os condenados que dois
anjos do Apocalipse, com as suas longas trombetas, acabam de despertar e fazem
sair das abóbadas deixadas abertas no centro da cena. A fileira dos sepulcros
de mármore confere profundidade ao espaço, levando o olhar ao longe, onde o intenso
azul do céu no horizonte é suavemente iluminado pela luz divina. Em primeiro
plano, o sarcófago deixado vazio por Cristo relembra a Sua vitória sobre a
morte, pródromo do destino da eternidade a que todos somos chamados.
A escuridão infernal é o interior de uma montanha, cujos cubículos, onde cumprem
a pena aqueles que são culpados de pecados mortais, são segurados por um
terrível Lúcifer que devora os pecadores. O caos domina entre os condenados: as
posturas desarticuladas, nas quais Angelico se detém ao pormenor, são a
expressão da mais completa desorientação, de profunda angústia e desespero. Exactamente
o oposto do que acontece do outro lado da pintura, onde os anjos convidam os
bem-aventurados para um círculo de alegria ao redor de um lago e de uma
palmeira, árvore símbolo da ressurreição.
O Éden florido e a nova Jerusalém, a cidade na montanha que o Apocalipse
descreve como elevada e dotada de doze portas, contribuem para definir a
geografia do Paraíso que se completa com a corte celeste, onde ocorre a
comunhão dos santos. Reconhecemos os Apóstolos, incluindo Paulo, pelos seus
específicos atributos iconográficos. E São Domingos, São Francisco e o primeiro
mártir, Santo Estêvão. Também há personagens do Antigo Testamento, Abel, por
exemplo, com o cordeiro, Moisés, David: cada um deles obteve a própria
recompensa.
Mais perto ainda de Cristo, em perene contemplação, estão Maria e João
Evangelista, incansáveis intercessores da salvação divina para que o Paraíso
possa, finalmente, acolher cada um de nós.
Margherita del Castillo
Através de La Nuova Bussola Quotidiana
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