Existe
alguma relação entre o vírus que, nos últimos dez meses, agrediu dois biliões
de pessoas e a pandemia de erros que, desde há muitas décadas, afecta o mundo?
Em ambos os casos, estamos diante de agentes patogénicos que agridem o
organismo social. No primeiro caso, o agressor é um vírus que ataca os corpos e
que só o microscópio pode identificar; no segundo caso, é um germe que infecta
e corrompe as almas, mas cuja identidade já nos foi revelada pelo Céu quando,
em 1917, Nossa Senhora, em Fátima, anunciou que, se a humanidade não se emendasse,
a Rússia espalharia o seus erros e seguir-se-iam guerras, revoluções e a
aniquilação de inteiras nações.
A Virgem Santa Maria tinha diante dos olhos não apenas duas assustadoras
guerras mundiais e as centenas de milhões de mortes vítimas do totalitarismo
comunista e do nacional-socialista, mas também a crise sanitária que o mundo
atravessa hoje, com todas as consequências políticas e sociais que já se delineiam
com clareza. Um horizonte não de controlo social, através da ditadura sanitária,
como muitos pensam, mas, pelo contrário, de colapso social e, antes ainda,
psicológico da sociedade moderna que, afastando-se de Deus, escolheu o caminho da
própria autodissolução.
Este trágico cenário parece irreversível, porque à impenitência da humanidade junta-se
a apostasia dos líderes da Igreja, que não pregam a necessidade da oração, da penitência
e da conversão à única Igreja de Cristo, mas anunciam um novo Evangelho
ecológico, ecuménico e globalista. Como evitar o castigo, previsto por Nossa
Senhora, em Fátima, quando nos encontramos perante homens da Igreja, como o
novo Cardeal Raniero Cantalamessa, que, desde há anos, persistem em repetir que
as calamidades nunca são um castigo divino (cf. Avvenire, 23 de
Abril de 2011 e, recentemente, Corriere della Sera, 10 de Abril de
2020)? Deus non irridetur! De Deus não se zomba, adverte São Paulo na
Carta aos Gálatas (6, 7).
Cantalamessa, como tantos outros Prelados, é um digno filho do Concílio
Vaticano II. Mas mesmo aqueles que negam as responsabilidades do Vaticano II
não podem negar a existência de uma crise de valores sem precedentes, que se
expressa na perda da noção do bem e do mal, no relativismo, no ateísmo prático
em que vive a humanidade, que, depois de ter deixado de acreditar em Deus,
professa a fé em ídolos como a Mãe Terra.
A reviravolta dos princípios expressos pela protecção jurídica e social
conferida à homossexualidade é uma expressão eloquente e dramática do processo
de degradação moral em curso. Mas ainda mais grave é a aprovação, ou a condescendência,
que as supremas autoridades da Igreja parecem manifestar por esta degeneração
da sociedade.
O rebanho está sem guias religiosos e políticos, mas tem, afinal, os pastores
que merece. Com efeito, não basta protestar contra as autoridades públicas,
religiosas ou políticas, se não se começar a reformar, antes de mais, a si
próprio, os próprios hábitos de vida, o próprio modo de pensar, rompendo todos
os compromissos com aquele mundo moderno em que reside a causa profunda da
crise.
Hoje, a nota dominante parece ser a mediocridade, que é a rejeição da grandeza
e da superioridade de ânimo, que é substituída pela procura do sucesso e do
próprio interesse. O escândalo que, nos últimos dias, está a varrer a
Secretaria de Estado do Vaticano traz à tona um modo vulgar e interessado de
servir a Igreja, na qual os erros teológicos e morais encontram o seu natural
terreno fértil.
Não erradamente, Ernesto Galli della Loggia, num artigo intitulado La Chiesa
cattolica e l’Italia svanita, no Corriere della Sera de 17 de Outubro
de 2020, valendo-se da desastrosa gestão das finanças vaticanas, observa «o
desaparecimento de uma certa Itália católica de estilo aristocrático e burguês
cujas habilidades, até tempos não muito distantes, a Igreja utilizou de várias
maneiras e que serviu à Igreja e ao destino do catolicismo como ensinamento de
um forte compromisso ético e de um substancial desinteresse pessoal». «A
falta de competências reais de carácter extra-religioso e, ao mesmo tempo, a
impossibilidade de contar com as competências de uma sociedade civil católica
agora inexistente ou distante, condenam não só a gestão financeira da Santa Sé,
mas, de um modo geral, todas as suas relações com o “século” para viver
perigosamente, sempre à beira da fraude ou da ilegalidade ou, quando tudo vai
bem, da mais desalentadora falta de jeito».
A 30 de Outubro de 1993, foi realizada, em Roma, no Palácio Pallavicini, uma
conferência internacional por ocasião da publicação do livro, do Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira, Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana (Marzorati, Milão 1993). O Cardeal
Alfonso Maria Stickler lançou um apelo às elites tradicionais para uma corajosa
batalha em defesa dos valores humanos e cristãos (cf. Tommaso Monfeli, Cattolici
senza compromessi, Fiducia 2019, pp. 137-138). Poucos aceitaram o apelo,
mas a resistência desses poucos, que continuam a lutar, aponta um caminho para
o renascimento moral da Itália e da Europa; formar hoje as elites de amanhã.
Verdadeiras elites, sobretudo espirituais, mas também políticas e sociais, uma
aristocracia da alma, do pensamento, da educação, que erga a bandeira da
Contra-Revolução católica enquanto são subvertidos, desde baixo, os alicerces
da sociedade. Este é o caminho que seguimos e que indicamos a quem não queira
ser sugado pelos remoinhos do pântano que enfrentamos.
Roberto de Mattei
Através de Corrispondenza Romana
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