A nova Teologia do Concílio Vaticano II (3/3)



Além das questões doutrinárias discutidas brevemente acima, o Vaticano II diferenciou-se dos Concílios anteriores pela sua insistência em apresentar-se como um “Concílio pastoral”[72].           

Num Concílio Ecuménico, o Papa convoca os Bispos do mundo para abordar os problemas da Igreja universal, sob a sua direcção e autoridade. É intrínseco à natureza de tal reunião que seja uma ocasião para o exercício do magistério extraordinário dos Bispos
[73]. Assim, quando manifestam a clara intenção de definir uma doutrina ou condenar um erro, os Concílios Ecuménicos são infalíveis.        

O mesmo não se passou com o Concílio Vaticano II. Na abertura, João XXIII declarou que o seu ensino seria «um magistério de carácter prevalentemente pastoral». E, ao encerrar o Concílio, Paulo VI declarou que nele «o Magistério da Igreja não quis pronunciar-se em sentenças dogmáticas extraordinárias»
[74].

Além disso, na audiência geral de 12 de Janeiro de 1966, Paulo VI reafirmou que «dado o carácter pastoral do Concílio, evitou este proclamar, em forma extraordinária, dogmas dotados da nota de infalibilidade. Todavia, conferiu aos seus ensinamentos a autoridade do supremo Magistério ordinário»
[75].    

Noutra audiência geral, em 8 de Março de 1967, o mesmo Pontífice confirmou que o Concílio tinha, como um dos seus pontos programáticos, «não emitir novas definições dogmáticas solenes»
[76].  

Objecção: O Espírito Santo não permitiria…         

Muitos dos defensores do Vaticano II baseiam-se num argumento a priori: o Espírito Santo assiste os Concílios. Portanto, Ele não poderia permitir que o Concílio Vaticano II caísse em erro.  

Agora, esse argumento leva ao seguinte absurdo: uma vez que o Concílio Vaticano II abandonou doutrinas ensinadas pelo Concílio de Trento e pelo I Concílio do Vaticano, bem como o ensinamento comum dos Papas contra o liberalismo, o ecumenismo e os princípios da Nouvelle Théologie, de Gregório XVI a Pio XII (ou seja, de 1831 a 1958), deve-se concluir que ou o Paráclito assistiu o Concílio Vaticano II e se absteve de dar assistência a esses dois Concílios anteriores, bem como a cerca de 120 anos de Magistério Papal, ou vice-versa. Mas o Espírito Santo não poderia ter assistido a ambos os termos da comparação, pois, como um «espírito de verdade» (Jo 14,17), não se pode contradizer.      

Aqui confunde-se “assistência” do Paráclito, ou seja, um efeito da providência especial de Deus para a Sua Igreja, com um governo directo que substitui os Homens ou elimina o seu livre arbítrio ou a tendência para o mal herdado com o pecado original
[77].  

É preciso ter em mente que esta acção especial da Divina Providência favorece o bem, mas também permite, muitas vezes, que o mal ocorra no elemento humano da Igreja como uma prova ou punição pelos nossos pecados
[78].   

Portanto, não se pode usar o argumento da assistência do Espírito Santo à Igreja para justificar desvios, imprudências ou escândalos, como se o mal fosse positivamente desejado pela Vontade Divina e não apenas tolerado permissivamente.

Assim, na sua encíclica Mystici Corporis Christi, o Papa Pio XII explica que, devido à nossa inclinação para o mal, «às vezes, na Igreja vê-se algo em que se manifesta a fraqueza humana». Essa «lamentável inclinação do homem para o mal», diz Pio XII, manifesta-se «até nos membros mais altos do seu corpo místico». Entretanto, acrescenta que Deus permite que isso aconteça «para provar a virtude das ovelhas e dos pastores e para que em todos cresçam os méritos da fé cristã»
[79].   

O Vaticano II optou por não utilizar o poder Magisterial infalível e, portanto, os seus ensinamentos podem conter erros
[80]. A Divina Providência permite o erro no Magistério não-definitivo, mas esses erros são depois corrigidos, não sendo incorporados ao Depósito de Fé[81].           

Qual é, afinal, a natureza do Vaticano II?   

Para responder a esta pergunta, esquematizamos aqui o que foi apresentado acima:     

1. Ao contrário dos Concílios Ecuménicos anteriores, o Concílio Vaticano II não quis proclamar dogmas ou condenar erros;         

2. O Concílio apresentado, tanto pelo Papa que o convocou quanto pelo que o encerrou, como sendo «de carácter prevalentemente pastoral». No entanto, foi predominantemente doutrinário;

3. Embora intitulando-se “Concílio ecuménico”, não quis usar da prerrogativa da infalibilidade em questões teológicas de importância doutrinária fundamental, por exemplo, na constituição Lumen Gentium (sobre a Igreja); 

4. Finalmente, foi um acto do magistério episcopal extraordinário que teve apenas a autoridade do supremo Magistério ordinário.       

Em conclusão, pode-se dizer que o Concílio Vaticano II é totalmente diferente dos Concílios anteriores e que a sua real natureza é confusa, assim como o são os seus textos.  

Quadro 1
“Hermenêutica da Continuidade” ou “Hermenêutica da Verdade”?

É geralmente aceite que os textos do Concílio Vaticano II são ambíguos. Assim, torna-se necessário recorrer a uma interpretação especial a chamada “hermenêutica da continuidade” para descobrir um significado tradicional para os textos.  

A Hermenêutica é a ciência da interpretação dos textos. Esta não pode ser subordinada a uma conclusão pré-determinada. Uma interpretação científica dos textos não pode partir de uma conclusão alcançada antes de qualquer análise.    

Portanto, os textos conciliares não podem ser interpretados usando uma hermenêutica que predetermina haver continuidade entre todos os ensinamentos do Concílio Vaticano II e os do anterior Magistério da Igreja.

O papel da hermenêutica é simplesmente interpretar palavras e conceitos de acordo com o seu significado natural e com as leis da lógica. O resultado desta análise pode mostrar continuidade ou ruptura. Em qualquer caso, deve ser um julgamento que sempre segue a análise. Jamais deve preceder a análise.      

Além disso, é característico do Magistério da Igreja ser claro, sem a necessidade de uma interpretação trabalhosa para apreender o seu significado. Nosso Senhor Jesus Cristo não estabeleceu um Magistério ambíguo. Pelo contrário, Ele enviou os Apóstolos para pregar o Evangelho a todos os povos (cf. Mt 28, 19; Mc 16, 15), e ordenou: «Mas seja o vosso dizer: sim, sim; não, não: porque tudo o que é mais do que isto procede do maligno» (Mt 5, 37
Vulgata).    

Quadro 2
Papa Paulo VI sobre a Igreja pós-conciliar: «Não um dia ensolarado», mas «autodestruição» e «a fumaça de Satanás».

Em alocução aos estudantes do Pontifício Seminário Lombardo, em 7 de Dezembro de 1968, o Papa Paulo VI afirmou:«A Igreja atravessa hoje um momento de inquietação. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a autodemolição. É como uma perturbação interior, aguda e complexa, que ninguém teria esperado depois do Concílio. Pensava-se num florescimento, numa expansão serena dos conceitos amadurecidos na grande assembleia conciliar»(a).       

O mesmo Papa Paulo VI, na alocução Resistite fortes in fide, de 29 de Junho de 1972, fez um comentário, que citamos aqui na versão da Poliglotta Vaticana: «Referindo-se à situação da Igreja de hoje, o Santo Padre afirma ter a sensação de que “por alguma fissura tenha entrado a fumaça de Satanás no templo de Deus”. Há – transcreve a Poliglotta – a dúvida, a incerteza, o complexo dos problemas, a inquietação, a insatisfação, o confronto. Não se confia mais na Igreja... Acreditava-se que, depois do Concílio, viria um dia ensolarado para a História da Igreja. Veio, pelo contrário, um dia cheio de nuvens, de tempestade, de escuridão, de indagação, de incerteza»(b).          

Luiz Sérgio Solimeo  
é um estudioso católico, professor e escritor de diversos livros, ensaios e artigos. Ingressou, em 1960, na Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família, Propriedade (TFP). Actualmente, ensina Filosofia e História no Instituto Sedes Sapientiæ, da TFP americana.

(a) Paulo VI, Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. VI, p. 1188.

(b) Paulo VI, homilia Resistite fortes in fide (no 9.º aniversário da sua coroação), 29 de Junho de 1972. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X, pp. 707-709.   



[72]«[Um] Magistério de carácter prevalentemente pastoral». João XXIII, Discurso de abertura do Concílio, Paulinas, p. 18.

[73] Ver a secção acima “Um Concílio que não condena erros”.

[74] “Discurso do Papa Paulo VI durante a última Assembleia-Geral do Concílio Vaticano II”, 7 de Dezembro de 1965, in Frei Boaventura Kloppenburg O.F.M-Frei Frederico Vier O.F.M, Compêndio do Vaticano II, Vozes, Petrópolis, 1968, p. 31.

[75] Id. Ibid.

[77] Ver E. Magenot, s.v. “Assistance du Saint-Esprit”, in Dictionnaire de Théologie Catholique (Paris: Letouzey et Ané, 1931), vol. 1, 2.ª parte, cols. 2123–2127.

[78] Ver R. Garrigou-Lagrange, s.v. « Providence. Théologie, L’Infallibilité », in Ibid., vol. 13, 1.ª parte, col. 1015.

[79] Pio XII, encíclica Mystici Corporis Christi, n. 64.

[80] Ver Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, Can Documents of the Magisterium of the Church Contain Errors? (Spring Grove, Penn.: The American Society for the Defense of Tradition, Family, and Property—TFP, 2015).

[81] «Entretanto, não é absolutamente de se excluir que o erro [do Magistério] seja remediado pelo Espírito Santo, fazendo com que os fiéis percebam suficientemente o erro para negar o seu assentimento interno». Lercher, Institutiones Theologiae Dogmaticae, nn. 499, 297.

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1 Comentários

  1. Paulo VI faz figura de ingénuo. João XXIII explicou bem o que queria e Paulo VI depois veio dizer, anos depois, que o Demónio tinha entrado dentro da Igreja Católica. Entrou e bem, só admira ele não ter percebido os efeitos do Vaticano II.
    Simpatizo muito com João Paulo II e Bento XVI, mas a verdade é que também foram ingénuos e indecisos, ou negligentes, pois nomearam muitos bispos e cardeais que deveriam ter sido excomungados. Também é verdade que hoje com muita informação disponível, é mais fácil ajuizar tudo, e algumas décadas depois constatando os efeitos perniciosos do Vaticano II com igrejas vazias, ausência de vocações sacerdotais e um papa pagão que hoje faz o que quer e lhe apetece no que toca a erros e heresias.
    O livro citado, O Reno Corre para o Tibre, está disponível online em inglês: The Rhine Flows into the Tiber, Rev. Ralph M. Wiltgen, 1966. A leitura deste livro deveria ser obrigatória para todos os Católicos: o golpe de Estado que aconteceu na Igreja Católica com o Vaticano II está lá bem explicado. Dificilmente se pode chamar Igreja Católica à Igreja que temos hoje.
    O meu nick é Pagan Pope Francis, mas o sistema assumiu outro nome. Nem considero Francisco (Bergoglio) papa ! No meu comentário à segunda parte deste artigo aconteceram lapsos de escrita, mas percebe-se.

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